Anorexia e Bulimia
Por Sirley Bittú
01/04/2005
A Bulimia Nervosa e a Anorexia Nervosa são os mais conhecidos dos
transtornos alimentares, existindo ainda o transtorno do comer
compulsivo. A alimentação, nesses casos, torna-se uma válvula de
escape para as mais variadas dificuldades emocionais.
Para explicar de forma didática, o ato de comer está relacionado a
uma necessidade física e a uma necessidade emocional. Quando nos
alimentamos, somamos o prazer oral da alimentação à necessidade do
organismo de sais minerais, proteínas, carboidratos, enfim, a toda
fonte de energia que precisamos para pensar, agir e amar. Trata-se
também de uma necessidade emocional, porque implica em oferecer
atenção, cuidado e amor a quem estamos alimentando.
Assistimos a todo o tempo indivíduos utilizando-se da alimentação
para preencher espaços vazios em sua vida. Quem não tem uma amiga,
um amigo (ou até você mesmo), que já não se empanturrou de chocolate
ou de qualquer outra guloseima por estar chateado, triste,
principalmente após uma briga de amor? Agora imaginemos essa
situação ampliada... Encontramos alguém que não consegue elaborar e
expressar suas emoções, trocando essa atitude por comer
compulsivamente, por exemplo.
Desde nosso nascimento até a vida adulta, em quase todas as
sociedades humanas o aprendizado alimentar é organizado segundo
complexas normas que definem o que pode e o que não pode ser comido.
Estas práticas estão diretamente relacionadas aos mitos e crenças
religiosas, influenciando o comportamento do indivíduo e sua
aceitação social. Desta forma a comida relaciona-se à questão do
poder e do controle sobre si e muitas vezes sobre os outros.
A pessoa que sofre de Anorexia Nervosa mantém seu peso corporal
abaixo do esperado para sua faixa etária, através de abstenção de
alimentos que engordam, vômitos e purgações auto-induzidas; algumas
chegam a praticar exercícios em excesso sempre objetivando a perda
exagerada de peso. Estes sintomas são acompanhados de uma imagem
corporal distorcida, o que significa que a pessoa, mesmo sendo
magra, percebe-se como gorda e com excesso de peso, evitando
alimentar-se para chegar a seu peso ideal. Quando falo aqui em peso
ideal, não me refiro àquela busca dos três quilinhos a menos, que
toda mulher parece estar sempre desejando, mas, a um medo obsessivo
de ganhar peso que leva a pessoa a abster-se de comida, colocando em
risco a própria vida.
A Bulimia Nervosa se apresenta com uma preocupação persistente com o
comer e um desejo irresistível de comida; a pessoa sucumbe a
episódios de hiperfagia, nos quais grandes quantidades de alimento
são consumidas em curtos períodos de tempo. No entanto, tenta
neutralizar os efeitos de engordar dos alimentos através de vômitos
auto-induzidos; abuso de purgantes e períodos alternados de
inanição.
A Anorexia e a Bulimia na maioria das vezes caminham juntas, sendo
comum algumas pessoas alternarem entre os dois sintomas.
Nesta intensa busca pela perda de peso é comum o uso de anorexígenos
e/ou diuréticos ou preparados tireoidianos, tornando-se muitas vezes
dependentes dessas substâncias.
No transtorno do comer compulsivo, o indivíduo sofre de ataques de
hiperfagia, ou seja, possui momentos onde não consegue parar de
comer, tendo literalmente a sensação de que não vai suportar tanta
comida. Difere da bulimia, por não provocar necessariamente vômitos
auto-induzidos. Geralmente esses acessos de hiperfagia são
precedidos por sentimentos de grave tensão e seguidos de
relaxamento, embora tudo isso seja acompanhado de culpa e vergonha.
A característica central é a dificuldade em controlar o desejo
insaciável de comida, sendo comum o surgimento de sintomas
depressivos acompanhando o quadro. Outras características
importantes são a sensibilidade às críticas, baixa auto-estima,
dificuldades em estabelecer relacionamentos íntimos e o crescente
evitar atividades sociais devido ao medo de críticas e da rejeição.
A função primária do ato de alimentar-se é, de modo geral, propiciar
energia para a manutenção da vida, torna-se nestes casos, secundária
e algumas vezes nem é considerada.
Nota-se que os transtornos alimentares ocorrem predominantemente em
mulheres. Nesses casos, estão diretamente relacionados à própria
identidade feminina, ao seu entendimento de ser mulher no mundo, à
sua capacidade de ser gostada, amada e desejada. Para os homens, da
mesma forma relaciona-se a questões profundas de sua identidade e
auto-aceitação. Talvez isto explique em parte sua grande ocorrência
entre os adolescentes, que estão justamente na fase de elaboração
destas questões. Uma das características de mulheres que sofrem
deste transtorno é possuírem um ideal de beleza inatingível, grande
rigidez e capacidade aguçada à crítica a respeito de suas atitudes e
das atitudes dos outros.
A influência da relação familiar nos sintomas de dependência
alimentar é muito grande, visto o lugar da família como condutor do
processo de desenvolvimento emocional, através das relações
estabelecidas na Matriz de Identidade, ou seja, em suas primeiras
relações. Em todo esse processo existem muitas variáveis que
interferem direta ou indiretamente na disponibilidade que a mãe, o
pai ou simplesmente o cuidador, terão com esse ser que acaba de
nascer. Aqui não estou falando em tempo disponível, tão escasso nos
dias de hoje, mas na qualidade das relações afetivas e no clima
emocional que essa criança estará vivenciando, que somados às
características genéticas inatas, vão interferir diretamente na
disponibilidade para a saúde ou para a doença emocional.
Certamente entendemos que estamos falando de um tipo de
comportamento que seria atribuído não apenas às questões
alimentares, mas a uma ampla rede de cuidados, repletos de
desconfirmações às quais a criança é submetida durante toda a
infância. Vários distúrbios emocionais de diferentes graus têm sua
origem nesta fase do desenvolvimento.
Os registros que a criança passa a ter trazem consigo esta dupla
mensagem: amor relacionado ao ódio, prazer misturado ao desprazer,
cuidado associado com agressividade - embaralhados e fundidos -
estabelecendo um caráter paradoxal nas relações estabelecidas, sobre
amar aqueles que lhe fazem sofrer e fazer sofrer como sinônimo de
amar. A resposta encontrada pelo dependente alimentar para resolver
essa confusão comunicacional, é a autopenalização, fazendo sofrer
quem deveria amar.
A anorexia, a bulimia e o comer compulsivo, são transtornos que
necessitam de tratamento médico e psicológico, mas a doença traz em
si a questão do tudo ou nada, total onipotência ou total impotência
para lidar com a situação, o que dificulta em muitos casos que a
pessoa peça ajuda psicológica/psiquiátrica.
Muitos que buscam tratamento conseguem chegar a uma consulta médica,
mas muitas vezes não conseguem procurar a ajuda psicológica. O medo
de falar sobre as dores que o afligem, a vergonha de contar sobre os
ataques de hiperfagia, sobre os longos períodos de inanição, sobre o
uso de laxantes, dos vômitos auto-induzidos ou mesmo das
automutilações, quando ocorrem, levam o indivíduo a se isolar
optando por se calar e sofrer sozinho. Infelizmente essa atitude só
traz o agravamento da situação.
O sofrimento aparece porque todo este processo de comer em demasia
ou não comer traz em si muita dificuldade em aceitar-se, a
auto-estima encontra-se muito fragilizada. Geralmente são pessoas
que não possuem confiança em si mesmo e nem tão pouco nos outros
para entregar-se e permitirem ser cuidados.
Todo esse sofrimento coloca em risco a vida do indivíduo. Precisa
parar; e para isso é imprescindível o tratamento médico e
psicológico, com a maior urgência. O médico psiquiatra fará o
diagnóstico e fornecerá a medicação necessária para ajudar a
controlar os sintomas físicos, e o Psicólogo, através da
psicoterapia, ajudará o indivíduo a trabalhar sua auto-estima e
capacidade de cuidar da si, aprendendo a nutrir-se de auto-aceitação
e afeto. Seus mitos e verdades sobre si mesmo serão checados
ajudando-o a reconstruir sua história de forma mais positiva e
generosa. Esta parceria medicamentosa e psicoterápica é muito
importante para a resolução do problema e é a que traz os melhores
resultados.
Psicodramatista Didata Supervisora
Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute/EUA
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