Carl Ransom Rogers
Por Alexandre Pedrassoli
20/11/2007
"Por que uma criança aprende a andar? Ela tenta erguer-se, cai e
machuca a cabeça. [...] Não existe grande recompensa enquanto ela
não conseguir realmente realizar seu intento, e apesar de tudo, a
criança está disposta a suportar a dor [...] Para mim, isso é uma
indicação de que existe uma verdadeira força de atração para a
possibilidade de crescimento continuar." (Rogers, In: Frick, W.
Psicologia Humanista, p. 118)
O homem sempre se esforça para ter tensões, ao invés de procurar
reduzi-las. Acho que há muitas evidências, agora, de que isso é
verdade. A esse esforço, no homem, chamamos de curiosidade. (Rogers,
In: Evans, R. Carl Rogers: o homem e suas idéias, p. 40)
Biografia
Carl Rogers foi um psicólogo americano, que atuou como
psicoterapeuta por mais de 30 anos e trouxe grandes contribuições
para a prática clínica e para a educação. No Brasil suas idéias
tiveram difusão na década de 70, em confronto direto com as idéias
do Comportamentalismo (Behaviorismo), que teve em Skinner um de seus
principais representantes. Rogers é considerado um representante da
psicologia humanista e da corrente humanista em educação. Teve
grande atuação política, especialmente na resolução de conflitos, a
ponto do seu nome ter sido indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 1987.
Estudiosos da linha da psicologia transpessoal também reconhecem
contribuições de Rogers, especialmente nos últimos anos de sua obra,
quando ele passou a dedicar atenção à espiritualidade humana e a um
estado especial de consciência que ele identificou durante suas
sessões como psicoterapeuta.
Carl Rogers nasceu no dia 8 de Janeiro de 1902, em Oak Park, nos
arredores de Chicago. Os pais de Rogers vinham de uma cultura
protestante moralmente rígida, um tanto conservadora e bastante
fixada em valores tradicionais. Tanto o pai como a mãe tinham
formação universitária e estimulavam uma atmosfera intelectual na
família.
Rogers foi sempre um aluno brilhante e muito interessado pelo
conhecimento. No entanto, conseguia sempre colaborar nos trabalhos
do dia-a-dia da família. Sua rede de relacionamentos fora da família
era muito restrita, pois a família valorizava muito o o trabalho
físico e intelectual, o que não deixava muito tempo para atividades
de lazer. Rogers concentrava-se então em leituras, preferencialmente
de caráter religioso.
Aos 12 anos, Rogers e sua família mudam-se para uma nova residência
nos arredores de Chicago, onde há terra suficiente para iniciar uma
atividade agrícola. Em conseqüência dessa atividade, Rogers
matricula-se, em 1919, no curso de Agronomia da Universidade de
Wisconsin. Já nos primeiros anos, envolve-se em atividades
comunitárias, onde começam a aparecer seus talentos de facilitador e
organizador. Decide então mudar para o curso de História, com a
intenção de seguir mais tarde a carreira religiosa.
Em 1922, Rogers passa seis meses na China, passando também pelo
Japão e Coréia, para o Congresso da Federação Mundial dos Estudantes
Cristãos. O contato com a cultura oriental e com o pensamento
budista faz com que Rogers reveja suas convicções religiosas.
Mantém, entretanto, sua intenção de seguir na vida pastoral.
Em 1924, termina a faculdade de História. No mesmo ano, casa-se com
Hellen Elliot, uma amiga de infância, com quem posteriormente teve
dois filhos, chamados David Elliott Rogers (1926) e Natalie Rogers
(1928).
Rogers matricula-se no Seminário da União Teológica em Nova Iorque,
uma instituição com ambiente bem menos conservador do que o que sua
família desejara. Freqüenta alguns cursos na faculdade de Psicologia
dessa instituição, onde conhece os psicólogos Goodwin Watson e
William Kilpatrick, com os quais bastante se impressiona. No segundo
ano, toma consciência de sua falta de vocação para a carreira
religiosa e transfere-se para o curso de Psicologia do Teachers’
College da Universidade de Columbia. Nessa época, é bastante
influenciado pela filosofia de John Dewey.
Em 1926 começa a trabalhar no Instituto de Aconselhamento Infantil
(Institute for Child Guidance) em Nova Iorque, onde trava sua
primeira batalha com a psiquiatria, para igualar seu salário com o
dos psiquiatras.
Em 1928, doutora-se no Teachers’ College. Sua tese consistia na
criação de um teste de personalidade para crianças. Nessa época,
trabalhava como psicólogo na Sociedade para Prevenção de Crueldade
Contra Crianças (Society for the Prevention of Cruelty to Children).
A partir de 1929, dirige, durante 12 anos, o Centro de Observação e
Orientação Infantil dessa Sociedade. Lá, conhece Otto Rank, por cuja
prática terapêutica é influenciado. Conhece também Jessie Taft e seu
livro de 1933, que Rogers considerou uma obra prima.
Em 1938, Rogers trava nova batalha com os psiquiatras. O Centro que
ele já dirigia foi ampliado e a instituição queria eleger um
psiquiatra como diretor, por tradição. Rogers consegue manter seu
cargo como dirigente do Centro, tornando-se o primeiro psicólogo a
ocupar essa posição. Seu primeiro livro surge em 1939: “O tratamento
clínico da criança-problema”, onde apresenta suas pesquisas até
então. A repercussão do livro faz com que ele passe a ser conhecido
como psicólogo clínico.
Rogers desenvolve uma forma de psicoterapia cada vez menos diretiva,
baseada mais na aceitação dos sentimentos do cliente pelo terapeuta,
e menos na interpretação e no direcionamento. Assim surge a Terapia
Centrada na Pessoa (ou Abordagem Centrada na Pessoa), sobre a qual
Rogers afirma:
“Pode parecer absurdo alguém poder nomear o dia em que a Terapia
Centrada no Cliente nasceu. Contudo, eu sinto que é possível
nomeá-lo como sendo o dia 11 de Dezembro de 1940.”
De 1945 a 1957, Rogers tem um período muito rico em termos de
produção científica, com muitas publicações. Seu livro de 1951,
“Terapia Centrada do Cliente”, é um dos pontos altos dessa produção.
No ano de 1961, Rogers publica o livro “Tornar-se pessoa”, que
rapidamente transforma-se em um best-seller mundial. A partir dessa
época, Rogers passa a investir cada vez mais no trabalho com grupos,
ou “grupos de encontro”, como ele os denomina. O livro "Grupos de
encontro", publicado em 1970, foi apreciado tanto por profissionais
como por leigos e rapidamente tornou-se um livro de consulta
obrigatória na área.
A partir de 1972, dedica-se principalmente à reflexão sobre aspectos
sociais e políticos, explorando as possibilidades criativas
oferecidas pelos grupos de encontro. Dessas reflexões surge o livro
"Poder Pessoal", publicado em 1977.
Em 1985 Rogers atua como facilitador de um workshop na Áustria com
50 líderes internacionais para discutir, segundo o modelo dos grupos
de encontro, as tensões políticas na América Central. Nos últimos
anos de sua vida, Rogers investe cada vez mais em workshops de
esforço pela paz, tanto que seu nome foi indicado em 1987 para o
Prêmio Nobel da Paz.
Principalmente após a morte da esposa, em 1979, os últimos anos de
Rogers foram marcados por um interesse pela dimensão espiritual do
homem, pela transcendência e pela integração do homem com o
universo. Valoriza, na terapia, a intuição e a “presença”, uma forma
de comunicação com características transpessoais, que ele identifica
como um “estado alterado de consciência”.
Rogers faleceu em La Jolla, na Califórnia, no dia 4 de Fevereiro de
1987, após uma fratura do colo do fêmur. Antes de falecer,
permaneceu três dias em coma, quando então as máquinas que o
mantinham vivo foram desligadas, de acordo com as instruções que ele
mesmo deixara.
Congruência
Rogers, no livro "De Pessoa para Pessoa", assim define congruência:
Em primeiro lugar, a minha hipótese é que o crescimento pessoal é
facilitado quando o conselheiro é aquele que, na relação com o
cliente, é autêntico, sem máscara ou fachada, e apresenta
abertamente os sentimentos e atitudes que nele surgem naquele
momento. Empregamos a palavra 'congruência' para tentar descrever
esta condição. Com ela queremos dizer que os sentimentos que o
conselheiro está vivenciando são acessíveis à sua consciência, que é
capaz de viver estes sentimentos, senti-los na relação e capaz de
comunicá-los, se isso for adequado. Significa que entra num encontro
pessoal direto com o cliente, encontrando-o de pessoa para pessoa.
Significa que ele é aquele que não se nega. Ninguém atinge
totalmente esta condição; contudo, quanto mais o terapeuta é capaz
de ouvir e aceitar o que ocorre em seu íntimo, e quanto mais é capaz
de, sem medo, ser a complexidade de seus sentimentos, maior é o grau
de sua congruência.
Empatia
Uma das últimas definições de Rogers está no livro "A Pessoa como
Centro". Ela diz que:
A maneira de ser em relação a outra pessoa denominada empática tem
várias facetas. Significa penetrar no mundo perceptual do outro e
sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade
constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em
relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à
ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando.
Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente
dentro dela sem julgar, perceber os significados que ele/ela quase
não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a
pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador.
Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele/dela à
medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa
teme. Significa freqüentemente avaliar com ele/ela a precisão do que
sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um
companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando
os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências,
ajudamos a pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de
referência, a vivenciar os significados de forma mais plena e a
progredir nesta vivência. Estar com o outro desta maneira significa
deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e
valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos.
Consideração Positiva Incondicional
Afonso Lisboa da Fonseca, em seu livro "Trabalhando o Legado de
Rogers", apresenta a seguinte definição:
Se tudo que uma pessoa exprime (verbalmente ou não verbalmente,
direta ou indiretamente) sobre si mesma, me parece igualmente digno
de respeito ou de aceitação, isto é, se não desaprovo nem deprecio
nenhum elemento expresso dessa forma, experimento em relação a esta
pessoa uma atitude de consideração positiva incondicional.
Aprendizagem significativa em Psicoterapia
"Por aprendizagem significativa entendo uma aprendizagem que é mais
do que uma acumulação de fatos. É uma aprendizagem que provoca uma
modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação
futura que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade. É uma
aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de
conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da
sua existência." Rogers, in Tornar-se Pessoa, 1988, editora Martins
Fontes.
As condições de aprendizagem em Psicoterapia:
* enfrentando um problema;
* o terapeuta precisa possuir um considerável grau de congruência na
relação;
* consideração positiva incondicional;
* compreensão empática;
* necessidade que o terapeuta consiga comunicar ao cliente as
condições anteriores.
Implicações no domínio da Educação
* necessidade da aprendizagem ser significativa, o que acontece mais
facilmente quando as situações são percebidas como problemáticas,
portanto pode-se dizer que só se aprende aquilo que é necessário,
não se pode ensinar diretamente a nenhuma pessoa;
* autenticidade do professor, isto é, a aprendizagem pode ser
facilitada se ele for congruente. Isso implica que o professor tenha
uma consciência plena das atitudes que assume, sentindo-se receptivo
perante seus sentimentos reais, tornando-se uma pessoa real na
relação com seus alunos;
* aceitação e compreensão: a aprendizagem significativa é possível
se o professor for capaz de aceitar o aluno tal como ele é,
compreendendo os sentimentos que este manifesta, pois a aprendizagem
autêntica é baseada na aceitação incondicional do outro;
* tendência dos alunos para se afirmarem, isto é , os estudantes que
estão em contato real com os problemas da vida, procuram aprender,
desejam crescer e descobrir, querem criar, o que, pressupõe uma
confiança básica na pessoa, no seu próprio crescimento.
* a função do professor consistiria no desenvolvimento de uma
relação pessoal com seus alunos e de o estabelecimento de um clima
nas aulas que possibilitasse a realização natural dessas tendências;
portanto o professor é um facilitador da aprendizagem significativa,
fazendo parte do grupo e não estando colocado acima dele; este
também é um dos pressupostos básicos da teoria de Rogers, ou seja, o
aspecto interacional da situação de aprendizagem, visando às
relações interpessoais e intergrupais;
* o professor e o aluno são co-responsáveis pela aprendizagem, não
havendo avaliação externa, a auto-avaliação deve ser incentivada;
implica em uma filosofia democrática;
* organização pedagógica flexível;
* é por meio de atos que se adquire aprendizagens mais
significativas;
* a aprendizagem mais socialmente útil, no mundo moderno, é a do
próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à
experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de
mudança.
Metodologia
Como metodologia, a não-diretividade é característica. É um método
não estruturante de processo de aprendizagem, pelo qual o professor
não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno. Na
verdade, Rogers pressupõe que o professor dirija o estudante às suas
próprias experiências, para que, a partir delas, o aluno se
autodirija. Rogers propõe a sensibilização, a afetividade e a
motivação como fatores atuantes na construção do conhecimento. Uma
das idéias mais importantes na obra de Rogers é a de que a pessoa é
capaz de controlar seu próprio desenvolvimento e isso ninguém pode
fazer para ela.
Na obra acima citada, páginas 271, 272, Rogers coloca:
"[...] Mesmo que tentemos esse método para facilitar a aprendizagem,
levantam-se muitas questões difíceis. Podemos permitir aos
estudantes que entrem em contato com os problemas reais? Toda a
nossa cultura-procura insistentemente manter os jovens afastados de
qualquer contato com os problemas reais. Os jovens não tem que
trabalhar, assumir responsabilidades, intervir nos problemas cívicos
ou políticos, não tem lugar nos debates das questões internacionais.
[...]Será possível inverter essa tendência? [...] Uma outra questão
é a de saber se podemos permitir que o conhecimento se organize no e
pelo indivíduo, em vez de ser organizado para o indivíduo. Sob esse
aspecto, os professores e os educadores se alinham com os pais e com
os dirigentes nacionais para insistirem que os alunos devem ser
guiados [...] Espero que, ao levantar essas questões, tenha mostrado
claramente que o duplo problema que é a aprendizagem significativa e
forma de como realizá-la nos coloca perante problemas profundos e
graves. [...] Tentei apontar algumas dessas implicações das
condições facilitadoras da aprendizagem no domínio da educação, e
propus, uma resposta a essas questões"
A grande crítica à teoria de Rogers é feita pela utopia que ela
implica, sua teoria é idealista, da corrente também denominada de
romântica, irrealizável para seus críticos. Porém, na obra rogeriana
são notáveis os seguintes aspectos: o desejo de mudança, a intenção
de realização de algo concreto e a preparação da opinião pública
para as mudanças possíveis.Fonte: site do autor:
www.pedrassoli.psc.br