Carnaval: Prazer ou Fuga?
Por Rosemeire Zago
11/02/2010
Carnaval, feriado, viagem, expectativa de uns dias para repor as
energias, um descanso para depois retornar ao trabalho, às
atividades rotineiras, até a próxima oportunidade com outro feriado
prolongado. Por um lado, todos têm a necessidade de um descanso
extra, apesar de que alguns trabalharão normalmente, pois alguns
serviços são essenciais e não podem parar, mas como podemos
descansar tranquilamente diante dos fatos estarrecedores que temos
presenciado no mundo e, principalmente, em nosso país? Como nos
manter tranqüilos, em paz, participando de desfiles depois do que
ocorreu em Angra, no Haiti, em cada parte do mundo? Como estar
alegre, agir como se nada estivesse acontecendo, diante dos descasos
perante o sofrimento humano, com famílias perdendo pessoas amadas,
ilhadas dentro de suas próprias casas?
Estamos vivendo um momento de impotência ou falta mesmo é atitude de
todos? É certo que muitos sentem e mostram sua indignidade por
e-mails, com pedidos de orações, atitudes por parte dos políticos,
mas isso será o suficiente? Com certeza, é um momento de reflexão
para muitos de nós, que mesmo ainda não sendo atingidos diretamente,
sabemos que estamos todos sujeitos a ser a próxima vítima.
O que fazer diante de tanta violência, crueldade, chuvas,
desabamentos, terremotos? Sair para pular no clube mais perto, ou
desfilar pisando duro com uma bela fantasia na avenida será que irá
diminuir o sofrimento de quem foi atingido diretamente? Pode ser que
alivie a própria dor por algumas horas, digamos um paliativo, mas
cada um já se colocou no lugar de cada um que perdeu seus
familiares?
É possível mesmo assim agirmos como se nada estivesse acontecendo e
vestirmos literalmente uma máscara? Afinal, a época é propícia...
Será que nesses quatro dias é possível esquecer tudo isso e brincar,
sorrir, e quantos não irão beber, consumir drogas para esquecer a
terrível realidade em que vivem? Quantos outros não serão
irresponsáveis e poderão contrair o vírus HIV, HPV? Sem falar que 1,
2 meses após o carnaval é que acontecem os maiores índices de
abortos.
As agressões que temos vivido não se limitam aos fatos de violência
e morte mais recentes, mas a soma de violências que temos
presenciado na falta de respeito pelo ser humano, que felizmente
ainda muitos de nós somos... É a inflação que é negada, mas quem vai
ao supermercado fazer suas compras sabe muito bem que cada semana os
preços sobem; é o salário dos funcionários públicos congelados há
mais de 10 anos, enquanto muitos cargos estão sempre atualizando
seus salários, já bem elevados; a falta de dignidade e respeito para
com os aposentados; é a precariedade e falta de humanidade no
atendimento médico, com filas de espera por horas para um
atendimento urgente e meses para uma consulta; a educação pública
que virou um caos total; são os traficantes com suas drogas que
rondam os filhos de muitas famílias; são nossas casas e apartamentos
que estão se tornando verdadeiras prisões. Enfim, se for listar as
agressões diárias que estamos recebendo de todos os lados eu
estenderia muito este artigo, mas todos sabem... Como suportar tudo
com equilíbrio emocional? Será possível?
Sinceramente, creio que seja difícil, mas -podemos e devemos-
demonstrar toda nossa indignação com a realidade que estamos vivendo
fazendo algo por um mundo melhor, seja para nossos filhos, irmãos,
sobrinhos, para nós mesmos. Cada um deve fazer o possível para viver
em paz ao menos dentro de seu próprio lar, o que uma minoria
consegue. E o que dizer sobre viver em paz consigo mesmo? Quantos
não vivem verdadeiros terremotos dentro de seus próprios lares?
Estamos todos lutando por justiça, dignidade, respeito, mas não
podemos nos esquecer que antes temos que realizar esse trabalho
dentro de cada um de nós. Você tem feito isso? Se não faz, comece!
Isso não quer dizer deixar de lutar por leis mais justas, mas se
fortalecer para que seja possível lutar cada vez com mais forças
diante de fatos como os que estamos presenciando.
Ainda que cada um de nós sejamos apenas um nesse Universo repleto de
violência e maldade, onde o poder e a força dos mais fortes imperam,
busquemos pela paz ainda que seja dentro de nosso pequenino coração
entre as pessoas que amamos, com a esperança que essa energia se
fortaleça e cresça, contagiando todos aqueles que estão de uma
maneira ou de outra distante da luz e da paz tão almejada para que
verdadeiramente sejamos todos um.
Juntemos nossa sensibilidade e capacidade de oração para que nesse
feriado prolongado possamos refletir e atingir aqueles que sofrem e
não sejamos mais um que irá fugir de suas dores, mas que consigamos
em cada ato demonstrar nossa força e fragilidade por sermos
simplesmente humanos.
Para os familiares que estão passando por perdas tão dolorosas das
pessoas que amam, só posso desejar força, luz, coragem e, acima de
tudo, muita paz em seus corações e lembrar-lhes que os laços de amor
não morrem jamais, estes são eternos e ternos.
Rosemeire Zago é psicóloga clínica, com abordagem junguiana e
especialização em Psicossomática. Desenvolve o autoconhecimento
através de técnicas de relaxamento, interpretação de sonhos,
importância das coincidências significativas, mensagens e sinais na
vida de cada um, promovendo também o reencontro com a criança
interior. Email: r.zago@uol.com.br