Como é para você falar sobre o que sente?
Por Rosemeire Zago
01/10/2009
Todos nós temos um pouco de dificuldade em lidar com nossos
sentimentos. Tudo começa quando ainda somos crianças. Naquela época,
raramente tínhamos alguém que nos desse apoio para que pudéssemos
demonstrar sentimentos como raiva, ciúme, inveja, vergonha. Em
muitos casos, nem chorar era permitido. E com isso, muitas pessoas
aprenderam logo cedo a engolir suas lágrimas e sentimentos. Nos
ensinavam, com raríssimas exceções, que nada devíamos demonstrar, e
aos poucos aprendemos a reprimir o que sentimos. Quando não tivemos
quem nos ajudasse a lamentar nossos momentos de dor, solidão,
tristeza, acabamos por bloquear, reprimir para outras pessoas e para
nós mesmos, tudo aquilo que sentimos. Queremos ser fortes e
conseguimos, mas só nós sabemos qual o preço que pagamos. Com o
tempo, começamos a perceber que tudo aquilo que por anos ficou muito
bem guardado, começa de alguma forma a pedir, para não dizer gritar,
que precisa sair. É neste momento que inconscientemente criamos
situações nas quais estes sentimentos possam ser experimentados
novamente. Quando vivemos situações de desprezo, rejeição, abandono,
solidão, maus-tratos, quando criança e não havia quem pudesse
suportá-los ao nosso lado, passamos a recriar situações e
relacionamentos para podermos expressá-los aqueles mesmos
sentimentos que foram reprimidos, com a fantasia inconsciente de
resolver o trauma original. Nem sempre recriamos as mesmas
situações, mas sim qualquer situação que nos faça sentir os mesmos
sentimentos.
Sentimentos de rejeição, abandono e abusos vividos durante a
infância são os mais difíceis de serem superados. É como se
registrássemos que não somos dignos de sermos amados, nem aceitos
por aquilo que somos. Isso pode gerar muitas dificuldades nos
relacionamentos, seja em forma de boicotes ou repetição de padrões,
pela necessidade constante de aprovação e reconhecimento. Por
exemplo, uma pessoa que viveu situações de rejeição e abandono
durante sua infância, pode buscar, é isso mesmo, buscar
inconscientemente, situações que a façam se sentir abandonada e
rejeitada. Se teve um pai e/ou mãe que a rejeitaram, foram ausentes,
distantes, poderá fazê-la recriar relacionamentos com pessoas que a
faça se sentir igualmente rejeitada e abandonada. Isso pode parecer
absurdo, mas nosso inconsciente faz exatamente isso mesmo, mas há
uma intenção, que é nos libertar daqueles sentimentos que tanto
machucaram e continuam a machucar, mesmo depois de muitos anos. Mas,
para isso, é importante ter alguém com quem possa contar o que
sentiu, lamentar, e receber todo apoio que não recebeu na época que
aconteceu. Há pessoas que perderam pessoas significativas quando
crianças e até hoje, já adultas, não choraram, nem elaboraram, e
muito menos superaram essa dor. Ser capaz de falar sobre a dor que
sentimos significa que inconscientemente estamos dispostos a aceitar
e superar o que nos aconteceu. O que nem sempre é fácil, pois
assusta, causa medo de sentir mais dor, o que faz com que as pessoas
evitem tocar nestes assuntos, o que só causa mais dor. O fato de não
falar sobre o que sentimos, não nos isenta de senti-los.
Quando passamos uma vida sendo machucados e passamos por cima,
ignorando como se nada tivesse acontecido, pois do contrário
ficaríamos completamente sós, acabamos por permitir que outras
pessoas nos machuquem mais e mais. Assim, perdemos o foco em nossa
própria vida, deixando de nos ouvir para ouvir aos outros, deixamos
de ser nós mesmos para sermos quem gostariam que fôssemos, e é assim
que nos perdemos de nossa essência, de quem somos verdadeiramente.
É preciso lembrar e ter consciência que se um dia alguém não o
aceitou, o abandonou, muitas outras lhe deram valor, gostam de você
e estão ao seu lado. É preciso parar com essa busca incessante de
aprovação, seja de quem for, geralmente dos genitores, e que pode se
estender por toda uma vida. Do contrário, de vítima poderá se tornar
em algoz de si mesmo. Se a rejeição ainda está viva como se
existisse no momento presente é porque de alguma forma você assim
permite. Interrompa esse círculo vicioso de dor. Libere este
sentimento para que ele se dissolva e pare de te torturar. Hoje você
não precisa mais passar pelas mesmas agressões, indiferença,
desprezo, vergonha, humilhação, entre tantas outras situações que já
vivenciou. Hoje você pode viver na harmonia, paz, tranqüilidade,
pois essa condição só depende de você. Enquanto criança não temos
muitos recursos para nos defender, mas hoje adultos, podemos, e
temos todo direito de sermos pessoas inteiras, felizes, sem implorar
por carinho, apoio, compreensão, amor. Com certeza, você deve ter
muitos momentos agradáveis registrados em sua mente. Muitas palavras
e atitudes de carinho. Traga isso para o momento presente. Por que
se sentir desvalorizado, diminuído, inferior, rejeitado, por que uma
pessoa não o aceitou ou demonstrou aquilo que você precisava? Por
que não permitir que o amor de outras pessoas, que com certeza há ao
seu redor, chegue até seu coração? Quais são as pessoas que lhe
demonstram amor, carinho, atenção, que lhe tratam com respeito,
dignidade e consideração? Valorize essas pessoas, deixe que o amor
que sentem por você seja muito maior que a rejeição e o desprezo que
recebeu um dia. Você pode reagir, portanto, reaja!
A quem você gostaria de agradecer por uma palavra, um gesto, apoio,
que um dia recebeu? Você já falou para essa pessoa o quanto lhe
ajudou quando precisou? Por que não fazer isso agora? Dê um
telefonema, escreva um e-mail, marque um almoço, jantar, um suco, um
momento para falar da diferença que fez em sua vida. Você deixará
essa pessoa feliz e você ficará mais ainda em saber que há pessoas
com quem pode contar. Divida estes bons sentimentos com quem
conseguiu fazer despertá-los dentro de você. A vida não pode ser
contabilizada apenas de dor, mágoas, tristezas, mesmo que um dia
existiram, elas podem ser substituídas por alegria, paz, harmonia.
Saber valorizar o que recebemos de bom e partilhar com quem nos faz
sentir vivos, alegres, pode ser um antídoto contra a dor que nos
fizeram um dia sentir. Solte essa dor, chore o que não chorou,
procure quem possa ouvi-lo, só assim irá conseguir se libertar
daquilo, que por mais que negue, ainda dói dentro de você.
Rosemeire Zago é psicóloga clínica, com abordagem junguiana e
especialização em Psicossomática. Desenvolve o autoconhecimento
através de técnicas de relaxamento, interpretação de sonhos,
importância das coincidências significativas, mensagens e sinais na
vida de cada um, promovendo também o reencontro com a criança
interior. Email: r.zago@uol.com.br