Como nos relacionamos?
Por Sirley Bittú
02/06/2003
Recentemente ouvi uma metáfora sobre o comportamento humano muito
interessante, era mais ou menos assim:
O ser humano caminha pelo mundo sempre em fila indiana. Carrega em
sua jornada duas mochilas, uma na frente e uma em suas costas. Na da
frente leva suas virtudes e qualidades e mantém seus olhos atentos a
elas, na das costas leva seus defeitos e dificuldades. Carrega suas
virtudes bem próximo ao peito, enquanto observa os defeitos e
dificuldades do outro a sua frente, sem se dar conta que aquele que
vem atrás, pensa o mesmo dele.
Este pequeno texto foi encaminhado por e-mail e o autor eu
desconheço, mas achei que poderíamos a partir desta cena convidá-los
a continuar desenvolvendo essa metáfora, sendo que talvez ela nos
seja útil para entendermos alguns dos nossos comportamentos.
Essas mochilas fazem parte de nós. Durante nosso desenvolvimento
emocional alimentamos nossas mochilas com nossos conhecimentos e
desconhecimentos de nós mesmos. As confirmações e desconfirmações às
quais somos submetidos todo o tempo, vão carregando-as, ora a da
frente, ora a de trás. Elas são responsáveis, entre outras coisas,
por nossa autopercepção, segurança interna e auto-estima que
influenciam e moldam nossas propostas de relação.
Realmente trazemos dentro de nós esta difícil equação.
Como nos relacionarmos de forma positiva e saudável, sem
enaltecermos demasiadamente as nossas qualidades, negá-las ou
envergonhar-se delas? A busca pela saúde emocional, nos leva a andar
simplesmente, ora lado a lado, ora em nossa velha fila indiana, ora
alternadamente, buscando relações simétricas e algumas vezes
complementares, mas tentando olhar e aceitar nossas diferenças e
similaridades que regem a intensidade do ser humano.
Quanto às dificuldades e defeitos, continuaremos a observá-los e a
carrega-los, mesmo que andemos lado a lado. Precisamos de nossas
mochilas traseiras para contrabalançar o peso que carregamos,
mantendo nossas costas eretas e retas. Quando valorizamos demais
nossas virtudes e nos cegamos aos nossos defeitos, tornamos nossa
mochila da frente muito pesada o que obriga nosso corpo a dobrar-se
para a frente e impede que vejamos com clareza nosso objetivo. Como
conseqüência, passamos a observar e a valorizar atentamente cada
pedra de nosso caminho, já que estamos totalmente inclinados e com
nossa atenção voltada às pedras. Estas seriam comparadas aos
sentimentos de inveja que atraímos para nós.
Se carregarmos demais nossa mochila das costas, exacerbando nossos
defeitos e dificuldades, forçamo-nos a olhar para o céu, buscando um
ideal, uma perfeição. Como resultado nos cegamos com o excesso de
luz, perdendo o referencial de quem somos e do que é possível e
desejado, e ficamos apenas com a lembrança de quem gostaríamos de
não ser (nós mesmos). A insatisfação nos torna rígidos e exigentes,
donos de uma autocrítica implacável e na maioria das vezes surge uma
imensa solidão como resultado,.
Engana-se aquele que acredita que a saída está em negar a mochila
das costas, pois não temos como descartá-la, ela faz parte de nós.
Engana-se também quem acredita que a solução seja completar a
mochila da frente, pois ela se tornará pesada demais e o resultado
já conhecemos.
Talvez a saída esteja no entendimento que temos sobre o conteúdo de
nossas mochilas, as duas faces de tudo, bom e mal intercalados e
complementares. Aprender com nossos defeitos e dificuldades,
conhecendo-os primeiramente, ou seja, passando-os da mochila de trás
para a da frente, transformando-os em características e aceitando o
seu lado positivo, é o movimento essencial da psicoterapia e do
autoconhecimento. No começo pode tratar-se de uma jornada difícil,
pois alguns passos parecem mais cansados e pesados, mas aprimorando
nosso processo descobrimos que o que entendíamos como defeitos são
velhos e conhecidos resultados presentes em muitos de nossa fila
indiana.
E aí... como se encontram as suas mochilas?
Psicodramatista Didata Supervisora
Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute/EUA
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Email: sirley.regina@terra.com.br