Como Se Não Houvesse Amanhã
Por Jerônimo Mendes
11/01/2009
Há dois meses meu filho mais velho completou 21 anos e então me dei
conta de que estou ficando realmente velho, mais experiente, e já
cumpri quase metade da jornada, se tudo correr bem até os 100 anos.
Eu conto com isso, é óbvio, mesmo sem os cabelos que, a contragosto,
abandonam a gente durante o caminho, sem dó nem piedade. Quando
encontro algum conhecido e ele vem com aquela saudação infeliz – da
qual a gente ri para não perder o amigo - do tipo “cara, você não
morre mais”, eu sempre devolvo com bom humor: “nem tenho esse
projeto para os próximos 60 anos”.
Em 45 anos de vida, que é o meu caso, o ser humano vive em torno de
quatrocentas mil horas, um tempo mais do que razoável para se fazer
alguma coisa proveitosa no mundo. Pessoas com menos tempo de vida
realizaram maravilhas que a maioria não consegue durante uma
existência. Airton Senna, Anne Frank, Jesus Cristo, Martin Luther
King e outros tantos que o digam.
O intrigante de tudo isso é que dos 45 anos vividos, praticamente 15
anos foram dedicados ao colchão, por livre e espontânea vontade,
algo que, aqui entre nós, faríamos sem o menor pingo de reclamação
até o último dia da nossa vida se a natureza não nos cobrasse tanto,
mas para o nosso bem e para o bem geral da humanidade, ela nos cobra
até o último dia.
O tempo, sem dúvida, é nosso maior inimigo, razão pela qual vivemos
afirmando que a vida é uma corrida contra o tempo. Nunca temos tempo
para nada e a escassez está na ponta da língua. Pouco tempo para a
família, para os amigos, para um novo curso, para as causas
solidárias. Sobra tempo mesmo para as coisas que nos interessam e
estas, por sua vez, estão concentradas no celular, no controle
remoto, na internet e nas cansativas idas e vindas pelo shopping
center, as quais servem para ampliar a dívida do cartão do crédito e
alimentar a esperança de que amanhã, se Deus quiser, teremos
dinheiro para pagar.
Se fosse possível contabilizar a quantidade de tempo desperdiçada
todos os dias com as besteiras que circulam pela internet ou
enviadas por e-mail ou zapeadas diante da televisão, certamente
ficaríamos surpresos, talvez um pouco depressivos, mas é difícil
assumir essa postura.
O ser humano moderno é ótimo na arte da desculpa. Basta olhar ao seu
redor para perceber a facilidade com que algumas pessoas conseguem
disfarçar diante do micro ao menor sinal de aproximação alheia e
migrar imediatamente para uma planilha ou um texto estrategicamente
posicionado na barra de tarefas onde um simples clique é suficiente
para livrá-las da reprovação alheia.
Infelizmente o tempo passa muito rápido e quando nos damos conta,
sobra pouco tempo para realizar aquilo que não fizemos durante uma
vida. E ao acreditar piamente que amanhã será possível fazer o que
não conseguimos hoje, o tempo ri de nós como se estivesse cobrando
uma posição mais firme e determinada sobre as coisas que nos dizem
respeito que fazemos questão de ignorar enquanto a mão dura do
destino não tocar os nossos ombros. Assim o tempo vai passando ante
os olhos desatentos do ser humano.
“Tempo perdido é aquele em que não temos uma vida humana por
completo, não enriquecida pela experiência, pelos esforços
criativos, pelo prazer e pelo sofrimento”, escreveu o teólogo alemão
Dietrich Bonhoeffer, depois de passar dois anos na prisão, sofrer
muitas humilhações e pouco antes de ser enforcado, três meses antes
da rendição alemã na Segunda Guerra Mundial.
Há muito tempo eu decidi parar de reclamar do passado pelo fato de
que esse tempo, apesar dos dissabores, foi extremamente positivo se
colocado na balança dos prós e contras da vida. Embora seja a base
da nossa experiência, o passado serve apenas para a gente lembrar
que não dá mais tempo para cometer os mesmos erros. Ninguém conserta
o passado, portanto, o arrependimento inevitável do que foi feito de
errado ou do que poderia ter sido feito de maneira diferente
contribui muito pouco para o tempo que ainda resta considerando que
somos os únicos responsáveis por tudo aquilo que acontece em nossa
vida. Isso faz parte do aprendizado, do amadurecimento, da evolução
humana.
Leon Tolstoi, escritor russo, autor de Guerra e Paz e Anna Karenina,
descreve o pacto de um indivíduo com o diabo sem saber quem era ele.
Por um valor inexpressivo o homem foi induzido a cobiçar a maior
quantidade possível de terras que seus passos permitissem circundar
durante um dia de caminhada, entre o nascer e o por do sol. Caso
retornasse depois de o sol cruzar a linha do horizonte, ele perderia
o bom pedaço de terra que conseguiu amealhar em uma vida inteira de
trabalho e dedicação.
E assim ocorreu nas primeiras horas do dia seguinte. Empolgado com a
infinidade de terras ao seu alcance, Pakome distanciou-se do ponto
de partida e perdeu a noção do tempo. Quando caiu em si, arrependido
por tamanha ganância, acelerou o passo de volta na intenção de
cumprir o horário combinado com o demônio, o qual espreitava o
martírio do sujeito à distância, disfarçado de risonho negociante. O
sol já se punha e Pakome ainda estava longe. Desesperado, passou a
correr alucinadamente e logo avistou o diabo em gargalhadas no alto
da colina.
Ao chegar ao topo, atrasado e exausto, caiu morto no chão quando o
anfitrião teceu apenas um mísero comentário: - Que homem competente!
Quantas terras ele conseguiu. Moral da história: ninguém precisa
mais do que sete palmos de terra ou de uma pequena caixa para
guardar as cinzas. Na verdade, dois metros, diz o conto de Tolstoi.
O que fazer com o tempo que lhe resta? Não importa se você tem 20,
40 ou 70 anos de idade? Você pode matar o tempo, desprezá-lo ou
fazer dele o que bem entender, porém o seu maior desafio será
aproveitá-lo de maneira inteligente.
Segundo Millôr Fernandes, “quem mata o tempo não é um assassino, é
um suicida”. É óbvio que você vai magoar as pessoas que cruzam o seu
caminho, chorar escondido, falar mal dos colegas de trabalho,
tripudiar o chefe, esquivar-se dos parentes, fazer coisas que alguns
jamais acreditariam, principalmente aquele seu tio legal que apostou
em você desde criança. Entretanto, é possível recuperar-se depois de
muita reflexão e mudança de atitudes.
Todas essas coisas se tornam insignificantes diante da grandeza do
ser humano que reconhece seus erros e retoma o caminho. As gerações
mudam e o ditado não: quanto mais se vive, mais se aprende. Um erro
após o outro não é suficiente para colocar o homem nos trilhos em
menos de 60 ou 70 anos e, mesmo assim, a ferro e marteladas,
afirmava Emerson.
A natureza é harmoniosa e ao mesmo tempo implacável. Só estaremos
prontos no último minuto, antes do suspiro final e então não haverá
tempo para mais nada. Outro ano se foi e somente agora você se deu
conta de que as metas ainda não foram atingidas, o décimo terceiro
sumiu da sua conta bancária e as dívidas não terminaram. Você passou
mais um ano sem falar com o seu pai e o seu irmão, por birra e
orgulho, e o pior, o chefe está te cobrando aquele bendito relatório
final solicitado há mais de um mês e você ainda não conseguiu fazer.
Por tudo isso e muito mais, permita-me compartilhar algumas
convicções que considero úteis para o meu aprendizado até o presente
momento e espero que sejam úteis para você. Desejo-lhe sorte na
administração e no aproveitamento do tempo. Sem isso, a vida passa
enquanto você gasta o tempo sem a mínima idéia de onde quer chegar.
Pense nisso e seja feliz!
1. Ainda que você esteja sem nada para fazer, no mar ou na rede, na
beira da praia ou na varanda, sentado na escada ou tremulando as
pernas, aproveite o tempo para reordenar as idéias; pense, pense,
pense no que ainda pode feito e aperfeiçoado; a solução está sempre
dentro de você; nas palavras de Ítalo Calvino, escritor italiano,
“cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de
objetos, uma amostragem de estilos, em que tudo pode ser
continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis”.
2. Reduza a animosidade interior e pare de discutir com a razão;
aproxime-se dos amigos, do pai e da mãe distantes, do filho que há
um ano luta por um pouco de tempo no seu coração e no seu colo;
pense nos milhares de vidas interrompidas bruscamente, as quais não
tiveram tempo de dizer “eu te quero bem”, “eu te perdôo”, “você
significa muito para mim”, “gosto muito do seu trabalho”, “eu te
admiro” e tantas outras coisas que você sente vergonha de proclamar
ou então só retribui quando você recebe;
3. Pare de enviar e-mails inúteis para dizer o quanto você admira
tal pessoa, o quanto ela é importante para você, o quanto você sente
saudades; pegue o telefone e ligue, é muito mais eficaz e
verdadeiro; não consigo imaginar nada mais frio do que um elogio por
e-mail, principalmente quando não tem cópia para ninguém;
4. Procure valorizar cada minuto da sua existência. Como diz o
ditado, o passado é experiência, o futuro é mistério, o hoje é uma
dádiva, por isso é chamado de presente. Parafraseando o Renato
Russo, aquele sacana que partiu antes do tempo, “é preciso amar como
se não houvesse amanhã” para fazer a vida valer a pena; o resto é
conversa fiada, nada mais.
Jerônimo Mendes é Administrador, Consultor e Palestrante
Autor de Oh, Mundo Cãoporativo! (Qualitymark) e Benditas Muletas
(Vozes)
Mestre em Organizações e Desenvolvimento Local pela UNIFAE