O Complexo Materno
Por Vanilde Gerolim Portillo
28/10/2001
Quando nos referimos ao termo “Complexo” nos remetemos,
invariavelmente, a idéia de que um monstro nos ronda e a qualquer
momento poderá nos atacar. Sempre surge como uma conotação
psicopatológica. Quando falamos que alguém tem um complexo,
preconceituosamente, pensamos que a pessoa tem uma doença, um
problema psíquico. No entanto, como já vimos, os complexos não são
negativos em si, os seus efeitos é que se apresentam negativamente.
Quando um complexo é constelado indica que está havendo um
desequilíbrio na psique e que há uma unilateralidade entre seus
componentes bipolares. Neste sentido, os efeitos dos complexos
deverão ser vistos como sintomas de que algo vai mal na organização
interna do indivíduo ou que há conflito interno. A constelação de um
complexo tira o indivíduo da inércia, apatia e o impulsiona para a
atividade. Uma vez que há sofrimento haverá a tendência de sair
dele. Se bem resolvido, o conflito poder ser visto positivamente,
pois implicará num upgrade da personalidade, um salto qualitativo na
vida da pessoa.
Especificamente sobre o complexo materno Helmut Hark diz o seguinte:
“Por complexo materno devem-se entender todos os efeitos
psicoenergéticos do arquétipo materno e da imagem materna. Embora
esse conceito indique o conjunto de todas as experiências positivas
e negativas com a maternidade no sentido transpessoal e com a
própria mãe, ele é predominantemente utilizado no contexto
psiconeurótico.”
Todo complexo orienta-se através de um núcleo arquetípico, então a
base do complexo materno é o arquétipo materno. Segundo Jung, é
difícil comprovar se o complexo materno, enquanto distúrbio poderá
ocorrer sem a participação causal da mãe. Mas as experiências lhes
mostravam que a mãe sempre está presente na origem do distúrbio.
Os efeitos do complexo materno se dão diferentemente no filho e na
filha, Jung diz que “No homem, o complexo materno nunca se encontra
em estado “puro”, isto é, ele vem sempre misturado ao arquétipo da
anima, resultando daí o fato de as afirmações do homem sobre a mãe
serem quase sempre emocionais, isto é, preconceituosas impregnadas
de “animosidade.”
A diferença de sexo entre mãe e filho, mudará o contexto do complexo
materno em relação ao que acontece com a filha. A mãe, para o homem
é , além de mãe, o primeiro receptáculo da projeção da sua anima.
Assim, salienta Jung, “para o homem a mãe é o tipo de algo estranho,
ainda a ser vivenciado e preenchido pelo mundo imagístico do
inconsciente latente.”
A mãe, para o homem tem um caráter simbólico cuja idealização se faz
presente. Esta idealização resulta de um pensamento mágico, de um
desejo de despotencializar a influência de um objeto, no caso o que
se teme é a influência do inconsciente. Enquanto a mulher se
identifica diretamente com a mãe, o homem identifica-se com o
“filho” da Grande Mãe, que na mitologia sempre aparece ao lado dela.
Esse filho aparece na maioria dos mitos que apresentam
características do Arquétipo da Grande Mãe e significa o
“filho-amante”, aquele que ficou preso à mãe e que é devorado ou
destruído por ela. Essa mãe-terrível, como já vimos, é um dos
aspectos do arquétipo materno.
Na mulher, o complexo materno poderá incentivar exageradamente o
instinto materno ou inibi-lo profundamente. No homem, entretanto,
haverá uma deformação do instinto masculino por uma sexualização
anormal. Jung enfatiza que, “A mãe é o primeiro ser feminino com o
qual o futuro homem entra em contato e ela não pode deixar de
aludir, direta ou indiretamente, grosseira ou delicadamente,
consciente ou inconsciente à masculinidade do filho, tal como este
último toma consciência gradual da feminilidade da mãe ou pelo menos
responde de forma inconsciente e instintiva a ela. No filho, a
simples relação de identidade ou de resistência no tocante à
diferenciação são continuadamente atravessados pelos fatores de
atração ou repulsa erótica.”
Segundo Jung, os efeitos do complexo materno no filho, poderão
redundar nos seguintes distúrbios psíquicos: homossexualismo,
donjuanismo, impotência sexual. Neste último, o complexo paterno
estará atuando também de maneira negativa. No homossexualismo a
heterossexualidade do filho fica presa à mãe de forma inconsciente.
No donjuanismo a imagem da mãe é a imagem da mulher perfeita, que
não possui defeito e que está sempre de prontidão para atender os
desejos do homem. Von Franz refere-se ao sujeito que apresenta este
distúrbio da seguinte forma: “Ele procura uma mãe-deusa, portanto,
cada vez que se apaixona por uma mulher, mas logo descobre que ela é
um ser humano comum. Por ter sido atraído sexualmente por ela, toda
a paixão de repente desaparece e ele decepciona-se e a deixa,...”
Está sempre procurando a imagem da mãe nas outras mulheres e sempre
repete a mesma história.
O Puer Aeternus, que aparece marcadamente no donjuanismo, também é
um distúrbio decorrente do complexo materno. Constitui-se num
distúrbio bastante importante do complexo materno uma vez que impede
o crescimento do indivíduo e seu ajustamento social.
A palavra Puer Aeternus aparece primeiramente nas Metamorfoses de
Ovídio para referir-se ao Deus-criança. Na mitologia grega este
Deus-criança é identificado, principalmente, com Dionísio e Eros.
Hoje, usa-se o termo Puer Aeternus com o significado de “juventude
eterna”, mas é também usado para aludir-se àqueles homens que tem um
exacerbado complexo materno e que tem como características alguns
comportamentos específicos.
Geralmente, o tipo puer é aquele tipo de homem que permanece como
adolescente por muito tempo e, às vezes, até em idades avançadas
comporta-se caracteristicamente como jovens de 17 anos e nutre uma
forte dependência da mãe. São, muitas vezes, arrogantes e possuem
dificuldades de adaptação social; sentem-se como indivíduos
especiais e, portanto, nada está bom para eles.
Jung salienta, ainda, que mesmo dentro do contexto negativo do puer,
existem aspectos positivos: “O que é donjuanismo negativo pode
significar uma masculinidade arrojada, uma ambição por metas
supremas, em seu aspecto positivo; além de uma violência frente a
toda estupidez, obstinação, injustiça e preguiça, uma prontidão para
sacrificar-se pelo que reconhece como correto tocando as raias do
heroísmo; perseverança, inflexibilidade e tenaz força de vontade;
uma curiosidade que não se assusta diante dos enigmas do mundo; e,
finalmente, um espírito revolucionário, que constrói uma morada para
seus semelhantes ou renova a face do mundo.”
O lado oposto e complementar do puer é o Senex, suas características
são de uma persona rígida, envelhecida, extremamente austera e
principalmente fechada para novas possibilidades. É o típico
rabugento que além de tudo tem problemas, também em relação à
integração de sua anima. Em um ego senex, encontraremos um puer
atuando na sombra e vice-versa. Qualquer um dos dois pólos
unilateralizado se traduz em perigo para o desenvolvimento psíquico.
O ideal seria o balanceamento entre os dois. Segundo Hillman, o puer
e o senex são aspectos polares de um mesmo arquétipo; o arquétipo
Senex-Puer e os termos “senex negativo” e “senex positivo” decorrem
da divisão deste arquétipo. Afirma, ele: “Atitudes e comportamento
do senex negativo decorrem desse arquétipo dividido, enquanto
atitudes e comportamento do senex positivo refletem sua união; de
forma que o termo “senex positivo” ou velho sábio referem-se
meramente à continuação transformada do puer”.
Como pudemos ver, a constelação de um complexo materno no homem
poderá trazer-lhe problemas que, se não observados e trabalhados
adequadamente, destruirão a sua vida ou pelo menos atrapalharão de
forma impiedosa o seu desenvolvimento e sua maturidade psicológica.
Vanilde Gerolim Portillo - Psicóloga Clínica - Pós-Graduada e
Especialista Junguiana - Atende em seu consultório em São Paulo:
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