Conecte-se com sua criança interior e atenda seus desejos
Por Rosemeire Zago
06/06/2010
Nesse artigo, peço licença a todos os leitores que sempre acompanham
meu trabalho para que hoje eu possa colocar o texto de outra pessoa,
a qual atendi e fez um trabalho muito profundo com sua criança
interior.
Cabe a você dar o que não recebeu à sua criança, dando-lhe muito
carinho e compreensão
Minha intenção é mostrar que quando falamos de criança interior,
muitas pessoas, por falta de conhecimento, pensam que é algo
supérfluo, sem importância e que não devemos mexer no que passou e
que está quieto. Mas se engana quem pensa que só porque não pensa
constantemente no passado, que ele não interfere no presente.
É claro que muitos de nossos conflitos são gerados por situações
muitas vezes externas a nós e do momento presente, mas a maioria dos
conflitos é interna e existe por ignorarmos a criança que fomos um
dia, com nossos desejos, sonhos e uma ânsia enorme por amor e
reconhecimento, que muitos carregam até hoje, adultos.
Quando oriento para entrar em contato com a criança interior,
reconheço o quanto é difícil, pois geralmente por medo, ela está bem
escondidinha em nosso inconsciente, com todas suas lembranças e
mágoas e esperando apenas que a deixemos se expressar. E quando isso
acontece, estamos próximos da cura.
O relato abaixo é de uma dessas pessoas que não entendia a origem de
seus conflitos internos e muito menos os relacionava com sua
infância. A queixa principal quando ela chegou ao consultório era
vergonha, uma vergonha exagerada que a fazia sentir que todos rissem
dela na rua, entre outras dificuldades.
Não foi fácil para que ela conseguisse contato com sua própria
criança, como para todos, mas quando ela se comprometeu com esse
trabalho e permitiu que sua criança falasse, muitas coisas se
esclareceram de acordo com seu histórico.
Quero dividir com vocês essa carta para que possam perceber que é
possível ouvir a criança que está aí dentro de você, bem
escondidinha, morrendo de medo em ser encontrada por alguém que a
abandone ou a maltrate de novo. Vamos ao desabafo dessa criança que
de alguma forma explica a origem de seus conflitos que perduram há
anos:
Desabafo
"Eu sou uma garotinha sem-graça. As pessoas não olham para mim. Eu
sou insignificante. Ninguém me vê. Não tenho atrativos. Minha mãe e
meu pai não me dizem que eu sou bonitinha, que eu sou querida,
engraçadinha, que tenho luz, que sou especial e iluminada. Eles nem
me vêem. Parece que sou transparente. Fico tão encolhidinha,
tentando me proteger, parece que estou sozinha no mundo. Tudo a
minha volta é ameaçador, como se não tivesse ninguém para me
proteger de qualquer perigo. Eu queria mesmo é que eles segurassem
na minha mão e fizessem eu sentir a proteção, a força deles, sentir
que estavam ao meu lado. Eles não me pegam no colo para que eu sinta
o calor deles e meu peito protegido. Sinto um vazio em meu peito, é
como se eu fosse ser agredida no peito, tamanha é minha necessidade
e sinto que preciso fechar mais ainda meu peito para me proteger.
Dói muito esse vazio. Eu quero colo! Eu quero que me apertem nos
braços para sentir o tamanho do amor deles, mas eles não fazem isso.
Dia após dia cresce esse buraco. Tenho vontade de gritar para que
eles percebam minha presença e me vejam. Eu choro, choro muito, mas
eles não entendem o que eu preciso, pensam que quero comer ou beber,
mas eu só quero carinho, atenção, colo, amor, mas eles continuam a
ame deixar chorando no berço.
Na verdade, eles não querem me ouvir chorar. Eles não entendem nada
do que eu sinto. São dois insensíveis, como se nunca tivessem sido
crianças. Não sentem amor, só cuidam do meu físico, hora de comer,
hora de tomar banho, hora de trocar, hora de dormir. Não conseguem
compreender o tamanho da minha solidão. Eles não brincam comigo para
eu me sentir importante. Não me incentivam, não me elogiam. Eu
procuro ser boazinha, e nem assim eles me dão atenção, afeto, calor.
Para completar, colocaram uma 'bruxa' para cuidar de mim, que só me
machuca ainda mais, me maltrata e também ignora minhas necessidades.
Minha mãe nem vê o que ela faz comigo. E quando descobre algo, não
me acolhe, não vê a minha dor, não me defende. Não me enxerga, e nem
vem curar a minha dor, que só aumenta. Parece que ninguém percebe
que criança tem mais necessidade de afeto e amor que comida.
E meu pai, onde está? Ele nem vem me ver, passa dias e dias sem
aparecer. E quando aparece nem conversa comigo, não me faz mimos,
não me dá carinho. Ele não sente nada por mim. Sinto que estou
ficando cada vez mais transparente! Dói tanta essa solidão! Será que
sou feia, errada, desprezível? Sou tão sem-graça, que ninguém me dá
atenção? Eles me torturam com essa indiferença. Como que eu queria
apenas me sentir amada! Que passassem a mão na minha cabecinha, nos
meus braços, nas minhas costas, para sentir o afago e o calor deles.
Eu queria ouvir que sou especial, importante, linda, esperta, meiga,
doce, que mereço ser amada e ser feliz. Mas do jeito que me tratam,
me sinto cada vez mais abandonada, rejeitada, como se estivesse
atrapalhando algo.
Como pedir que me dêem atenção, brinquem comigo, me façam ninar, me
balancem em seus colos, me beijem??? Queria pedir que beijassem meu
rosto, que segurassem em minha mão, me pegassem no colo e dissessem
que me amam. Mas não posso pedir, sei que eles não querem me dar
nada disso, pois se quisessem já teriam me dado e eu não precisaria
nem pensar em pedir. Espero que me levem para passear, para brincar
com outras crianças. Quero me sentir normal, viver no meio de outras
pessoas, assim não vou me assustar quando tiver que ir para escola.
Preciso de segurança para sair de casa e ter a certeza que não vão
me abandonar, mas na verdade me abandonam todos os dias. Por favor,
me diga que eu não preciso ter medo de nada, de ninguém.
Vocês me fizeram viver isolada do mundo, escondida, como se eu fosse
um pecado a ser escondido. Não podia nem conviver com pessoas da
família. Tinha que ser um bicho do mato. Não podia ser apresentada
nem para o mundo real, não é pai? O que eu fiz de tão errado?
Quanta vergonha vocês me fizeram sentir. Não sabia nem do quê, mas
morria de vergonha de mim mesma. Quem sou eu, como acreditar e
caminhar com segurança diante de tanto desprezo e indiferença?
Droga, o que vocês fizeram comigo?"
Talvez você se reconheça nesse desabafo, ou então, resolva ouvir o
que sua própria criança tem a falar. Não tenha medo, esse processo a
princípio pode causar dor, mas não mais do que aquela que você já
tem sentido há muito tempo, talvez há anos, e te garanto, é
libertador.
Para curar suas feridas é necessário que reconheça sua dor. Você não
pode curar o que não pode sentir! Quando você experimenta o antigo
sentimento e fica ao lado da sua criança interior, o trabalho de
cura ocorre naturalmente. Se quiser, poderá escrever. Escreva como
se fosse essa criança. O que ela pediria? O que diria? Escreva tudo
que vier em sua mente, sem julgamentos. Depois leia o que ela pede e
procure atendê-la, seja compreensivo com ela, como esperava que
tivessem sido quando era criança.
Muitos conflitos são gerados pela expectativa de aprovação e
reconhecimento, que perpetuam por anos, nos trazendo decepções e
dor. Lembre-se que as carências que sente hoje podem ser resultado
da falta de amor e compreensão que não recebeu quando era criança.
Isso não quer dizer que nossos pais não sentiam amor, mas
provavelmente eles não podiam dar algo que também nunca receberam. E
as crianças não captam apenas o que é verbalizado, mas muito mais o
que é sentido por eles. E se os pais transferem falta de amor,
atenção, carinho, para a criança, é que, além de nunca terem
recebido, também não sentem por eles próprios, ou seja, ninguém pode
dar alquilo que não tem, o que se torna um círculo vicioso.
E nós, como adultos, devemos entender isso, pois a partir do momento
que tomamos consciência do que nos aconteceu, o círculo se quebra.
Cabe a você dar o que não recebeu à sua criança, dando-lhe muito
carinho e compreensão que necessita, em lugar de esperar que os
outros façam isso por você.
Mas para dar o que ela precisa, é importante que você a ouça. Deixe
que ela fale tudo que sente. Não critique, não julgue, apenas ouça.
Depois que ela falar tudo que quer, procure compreender seus
sentimentos mais profundos e respeitar cada um deles. Fazendo isso,
irá descobrir que o maior e mais profundo amor é aquele que você
pode doar a si mesmo! Faça isso por sua criança, faça isso por você!
E se quiser, depois me escreva contando como se sentiu e o que
descobriu de si mesmo.
Rosemeire Zago é psicóloga clínica, com abordagem junguiana e
especialização em Psicossomática. Desenvolve o autoconhecimento
através de técnicas de relaxamento, interpretação de sonhos,
importância das coincidências significativas, mensagens e sinais na
vida de cada um, promovendo também o reencontro com a criança
interior. Email: r.zago@uol.com.br