Confiar sem se machucar?
Por Rosemeire Zago
05/11/2009
Quase sempre criamos expectativas em nossas relações pessoais,
afetivas, familiares. Confiamos, acreditamos, gostamos e muitas
vezes nos decepcionamos e nos machucamos. Criamos ilusões diante de
quem conhecemos e quando estes têm comportamentos inesperados, o
chão de nossa segurança desaparece e nos sentimos ameaçados. Quando
isso acontece, muitas vezes custamos a acreditar nos fatos, apesar
deles serem reais e estarem à nossa frente. Como defesa para não
sentirmos a dor, negamos, fugimos, mas logo a mágoa volta para nos
lembrar que fomos enganados, traídos.
Muitas vezes, dependendo do grau do envolvimento, acabamos por
confundir a realidade com nossas necessidades e vemos o outro como
desejamos que fosse e não como ele se apresenta. Ou seja, com muita
facilidade confundimos ideal com real. Claro que outras vezes, o
outro faz de tudo para acreditarmos que ele seja como anjo, mas com
o tempo percebemos que estava muito distante disso.
Os principais responsáveis por nossas desilusões somos nós mesmos,
pois idealizamos a outra pessoa e, ainda que inconscientemente,
projetamos nela a responsabilidade de satisfazer nossas
necessidades. Assim, perdemos a capacidade de discernir a realidade
da necessidade e a própria responsabilidade de suprirmos nossas
carências.
Se reparar melhor e voltar um pouco ao passado, talvez perceba que
foi enganado, na verdade, por ignorar sua intuição, sua voz
interior, que quase sempre diz: não vai dar certo, não confie, não
vá adiante. Ignoramos nossos valores como se não fosse correto
confiar em nossa própria voz. E aí nos enganamos e nos machucamos.
Isso quer dizer que não devemos acreditar nas pessoas? Devemos
acreditar acima de tudo em nós mesmos, e muitas pessoas confiam mais
em outras pessoas do que em si próprias e esse não é o melhor
caminho. O que devemos evitar é colocar todo nosso referencial de
vida e valores no outro, deixar de viver a própria vida e viver a
vida do outro. Não podemos perder nosso referencial interno, pois ao
mantermos nossas referências, ficará mais difícil alguém nos
decepcionar a ponto de nos perdermos de nós mesmos.
Algumas pessoas sofrem demais, porque na verdade, esperam demais, ou
ao menos, esperam que o outro tenha respeito e valores semelhantes
aos seus, o que nem sempre acontece.
Confiar em alguém nos dias de hoje é algo muito delicado. Se você se
considera uma vítima constante de pessoas assim, não será hora de
parar um pouco e repensar sobre seus próprios valores e a forma de
conduzir a própria vida? Ou ainda, não confiar tanto assim? Você
pode sofrer por ter sido enganado, mas sofrerá muito mais por ter se
deixado enganar. De nada adiantará ficar revoltado, brigar com o
mundo, achar que não se deve mais acreditar no ser humano. Mas
talvez seja importante para você acreditar acima de tudo em você
mesmo.
Lembre-se que quem engana ao outro, na verdade, está enganando e
fugindo de si próprio. Ou seja, quem brinca com os sentimentos de
alguém, quem machuca o outro, está desrespeitando antes de tudo a si
mesmo, escondendo-se atrás de máscaras por não conseguir suportar
seus intensos conflitos internos. Parece que pessoas assim se
esquecem que com o tempo as conseqüências podem se inverter, tendo
efeito bumerangue: vai e volta. Estão tão atentas como lesar ou
prejudicar o outro que nem conseguem perceber o mal que estão
causando a si mesmas e nem se dão chance de descobrirem que podem
ser muito felizes sem ser preciso machucar alguém.
Em qualquer relacionamento, e independente do tempo que se mantenha,
podemos ouvir o que nos dizem, entender o que pensam, ou melhor,
dizem pensar, mas dificilmente saberemos o que realmente sentem. Se
até nossos próprios sentimentos nos fogem ao controle, imagine o que
o outro sente. Amizade, cumplicidade, ética, responsabilidade,
comprometimento, respeito, são valores hoje muito difíceis de serem
encontrados.
Talvez por isso, seja tão importante valorizarmos aqueles que nos
são caros, que mostram coerência entre o que sentem, fazem e falam.
E mais importante ainda, é valorizarmos nossa intuição, que muitas
vezes nos diz para não seguirmos adiante, mas ignoramos e seguimos
em frente e depois nos decepcionamos, não só com o outro, mas também
com nós mesmos. Por isso, observe mais, fale menos e tenha a certeza
que para alguém ser especial para você e participar da sua vida,
deve respeitar ao outro como a si mesmo o que, infelizmente, poucos
conseguem.
Por tudo isso, confie acima de tudo em você! E no máximo em uma
folha de papel em branco, se quiser desabafar. E lembre-se do
escreveu Jean Paul Sartre: Não importa o que fizeram com nós, o que
importa é aquilo que fazemos com o que fizeram de nós.
Rosemeire Zago é psicóloga clínica, com abordagem junguiana e
especialização em Psicossomática. Desenvolve o autoconhecimento
através de técnicas de relaxamento, interpretação de sonhos,
importância das coincidências significativas, mensagens e sinais na
vida de cada um, promovendo também o reencontro com a criança
interior. Email: r.zago@uol.com.br