Crise de Identidade
Por Tom Coelho
22/08/2003
“Não passei pela crise dos 40. Na verdade, tenho crises diárias.”
(José Mayer)
Dia destes viajei para ministrar mais uma palestra. O trajeto de ida
foi à bordo de um avião e tripulação da Varig. Ao término do vôo, a
comissária comunicou aos passageiros: “Obrigado por voar Varig-TAM.
Varig: ontem, hoje e sempre”.
Meu retorno deu-se através de um avião e tripulação da TAM. Desta
vez os agradecimentos tiveram o seguinte formato: “Obrigado por voar
TAM-Varig. TAM: uma empresa que tem orgulho de ser brasileira”.
Naquelas poucas palavras estava a síntese da crise de identidade
proporcionada por processos de fusão ou incorporação de empresas que
deixam para considerar, por último, o aspecto humano. Não se trata
apenas da diferença entre os slogans e do conflito entre as cores
azul e vermelha. Trata-se de culturas distintas e de empresas com
modelos de negócio diferenciados. Trata-se de anos de disputa pelo
espaço físico nos saguões dos aeroportos e pelo espaço subjetivo na
mente dos consumidores. E, mais do que isso, trata-se de um jogo
sobre quem permanecerá em exercício e sobre quem irá engrossar as
estatísticas de desemprego.
Há uma tensão estampada no rosto destes profissionais. Não bastasse
atuarem num negócio que tem a responsabilidade imanente da segurança
e a pressão contínua envolvendo prazos e horários – as pessoas não
compram assentos em aviões, compram economia de tempo – agora
vêem-se às voltas com a incerteza de seus próprios futuros.
Quando um jogador de futebol atinge determinada idade e abandona os
gramados, ele pode se tornar um técnico, montar uma escolinha ou
investir em outras atividades fazendo uso dos recursos financeiros
acumulados ao longo de sua carreira. Quando um executivo deixa seu
posto, por opção ou por dispensa, pode buscar uma recolocação no
mercado, tornar-se um consultor ou partir para uma carreira
empreendedora. Mas o que pode fazer um profissional cuja expertise é
pilotar aviões, caso seja demitido? Quantos conseguirão se recolocar
num mercado formado basicamente por apenas três agremiações, de uma
das quais ele está saindo?
Evitarei dispor de meu espaço e de seu tempo para relatar números
sobre a situação financeira destas duas companhias. Tampouco tenho
propriedade para falar sobre a tal crise da aviação civil, embora
julgue incompreensível o resultado negativo de uma equação cujas
variáveis são passagens mais caras, serviços mais modestos e aumento
da taxa de ocupação dos vôos. Intriga-me o fato de as companhias
aéreas optarem pela efemeridade dos assentos vagos em detrimento de
sua ocupação promocional com custo mais acessível. Esclarece-me o
fato de outro player, a Gol, optar por sequer distribuir jornais em
virtude de seu último balanço ter apontado um lucro líquido por
passageiro transportado da ordem de R$ 0,80. Ou seja, a mera
distribuição de um jornal seria suficiente para tornar a operação
deficitária.
Interessa-me saber o que farão com os milhares de profissionais
envolvidos, mais do que a cor da última linha do balanço. O Estado
brasileiro se desenvolveu e esqueceu a nação, as empresas
brasileiras cresceram e esqueceram as pessoas que nelas trabalham.
Crise e Oportunidade
É velha a estória de que toda crise traz consigo ruptura e
oportunidade. A sabedoria chinesa (wei-chi) e grega (kairós) nos
legaram isso. O curioso é que estamos permanentemente em crise,
nunca satisfeitos com o que temos. Feito crianças que lutam para
serem presenteadas com um brinquedo novo e o abandonam após quinze
minutos de divertimento, estamos sempre descontentes. Nossas crises
pessoais são diárias. Nossas empresas estão em crises constantes.
Nosso país atravessa uma crise ininterrupta. Por isso, resta-nos o
tempo todo a necessidade de mudar e a urgência de fazê-lo enquanto
ainda nos resta tempo. O tempo é longo, mas nossos dias são breves.
Assim, aos que atravessam crises, tenho muitos desejos. Desejo-lhes
primeiro o discernimento, porque é preciso separar as crises reais
das imaginárias e distinguir o “mudar” do “mudar para melhor”.
Desejo-lhes a flexibilidade, pois deve-se aprender a curvar-se
diante da inexorabilidade dos fatos mesmo quando confrontados com os
argumentos mais sólidos. Desejo-lhes a ousadia, porque é preferível
tentar e arriscar a inclinar-se frente ao receio e às adversidades.
Desejo-lhes a criatividade, pois o mundo solicita que se faça
diferente para que se possa evoluir. Mas, sobretudo, desejo-lhes a
coragem, para dominar o medo, para realizar escolhas, para abdicar
da estabilidade infeliz, para combater a hesitação, para negar o que
não lhes convém e para exigir o que lhes é próprio, por direito
divino. Você faz o que te dá medo e ganha coragem depois. Não antes.
É assim que funciona.
Mediante o uso destes atributos, empresas poderão cultivar o desafio
de ingressar em novos mercados, casamentos de conveniência poderão
permitir-se capitular, talentos artísticos enrustidos atrás de mesas
de escritório poderão ser revelados.
Mediante o uso destes atributos, seus relacionamentos poderão ser
mais verdadeiros, seu trabalho mais digno, sua compaixão mais
autêntica, suas posses mais honestas e seu espírito mais elevado.
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela
ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de
Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e
palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq
e Membro Executivo do NJE/Fiesp.