Entre em contato com a criança que existe em você!
Por Rosemeire Zago
08/10/2009
"A imagem da criança representa a mais poderosa e inelutável ânsia
em cada ser humano, ou seja, a ânsia de realizar a si próprio."
Jung
Geralmente, lembramos de todas as crianças que estão à nossa volta:
filhos, primos, netos, sobrinhos, vizinhos, filhos de amigos, mas,
provavelmente nos esquecemos da principal: nossa criança interior. É
isso mesmo, existe dentro de cada um de nós uma criança de 3, 4 ou 7
anos precisando muito de nós. Embora isso possa parecer estranho, é
muito importante esse reencontro para nosso crescimento emocional,
pois através do contato com nossa criança podemos curar muitas de
nossas feridas e compreender muitos de nossos conflitos.
A criança interior representa a nossa totalidade psíquica, a parte
genuína que vamos perdendo quando adultos. Ela está presente em
nossos sonhos, fantasias, desejos, imaginações, intuições, em nossa
capacidade de brincar, imaginar, criar e principalmente, na
sensibilidade. Para cuidarmos dela é preciso reconhecer sua presença
e perceber suas necessidades.
Ao estabelecer contato com sua criança interior, sem dúvida irá
conseguir libertar muitas emoções que estão presas em você desde a
infância. Em alguns momentos, esse encontro pode ser muito doloroso,
pois não é fácil recordar o que nos fez sofrer, mas ao mesmo tempo é
libertador lamentar com ela suas dores reprimidas, deixá-la chorar
livremente e principalmente descobrir que não é verdade o que nos
fizeram acreditar sobre quem somos. Mas é possível transformar toda
a dor ao reencontrar com essa criança que está dentro de você e que
apenas espera por seu amor.
Em nossa criança interior, tanto os momentos bons como ruins estão
gravados. O objetivo de reencontrar essa criança é resgatar o que
houve de bom e elaborar o que houve de ruim. Quando perdemos a
conexão com nossa criança, nos sentimos abandonados, sozinhos, mesmo
quando acompanhados, ou ainda, nos tornamos duros, inflexíveis,
frios, agressivos. A criança interior abandonada nos torna adultos
com medo de errar, sempre buscando aprovação, reconhecimento, enfim,
sempre buscando amor. Quando choramos, é nossa criança abandonada
chorando.
O modo como fomos tratados quando crianças é o modo como nos
trataremos pelo resto da vida e o modo como muitos ainda tratam seus
filhos. Inconscientemente, transformamos nossa vida numa eterna
corrida, buscando desesperadamente encontrar o que julgamos não
termos recebidos, e tentando resgatar depois de adultos, ainda que
muitas vezes de forma destrutiva, aquilo que acreditamos não ter
tido quando crianças. Mas isso pode mudar ao reencontrar sua criança
interior abandonada e perdida.
Todos aqueles que têm uma relação negativa com a figura de pai e/ou
mãe podem ter essa origem na infância, quando registraram que não
receberam atenção e afeto suficiente quando crianças. Quando
adultos, continuam sentindo-se indignos de amor, e por isso,
punem-se, mantendo relações destrutivas ou ainda, repetindo os
padrões que ficaram registrados. Outras pessoas deixam-se
influenciar por toda a vida por frases como criança não dá palpite
ou criança não sabe o que diz; e mesmo depois de adultas, omitem
suas opiniões e continuam a achar que suas idéias não têm qualquer
valor. Outras ainda passam o tempo inteiro pedindo desculpas por
existirem, como se fossem incapazes de parar de ouvir aquela frase
ouvida na infância: É tudo culpa sua.
Em geral, levamos dentro de nós uma imagem da infância ideal, aquela
em que o acolhimento e demonstrações de amor foram perfeitos. Essa
imagem muitas vezes poderá ser projetada nos outros e lamentando por
um ideal, idealizamos relacionamentos e aumentamos nossa solidão e
dor.
A criança só pode expressar seus sentimentos quando existe alguém
que os possa aceitar completamente, sem críticas, julgamentos,
comparações, entendendo-a e dando-lhe apoio. O que raramente
tivemos. Quando a criança não sente permissão para expressar
sentimentos, sejam estes quais forem, ela aprende que seus
sentimentos não importam, não se sentindo valorizada, amparada,
amada. A criança pensa que para satisfazer suas necessidades não
deve demonstrar que tem necessidades, reprimindo assim seus
sentimentos mais puros e com isso uma parte de seu verdadeiro eu.
Para curar nossas emoções reprimidas, temos de sair do esconderijo,
enfrentar as defesas, as máscaras e confiar em alguém. Sua criança
ferida precisa também de um aliado que não a envergonhe e que apóie
para testemunhar o abandono, a negligência, o abuso e a confusão.
Para curar suas feridas é necessário que reconheça sua dor. Você não
pode curar o que não pode sentir!
Quando você experimenta o antigo sentimento e fica ao lado da sua
criança interior, o trabalho de cura ocorre naturalmente. Se quiser,
poderá escrever. Escreva como se fosse essa criança. O que ela
pediria? O que diria? Escreva tudo que vier em sua mente, sem
julgamentos. Depois leia o que ela pede e procure atendê-la.
Lembre-se que as carências que sente hoje podem ser resultado da
falta de amor e compreensão que não recebeu quando era criança. Cabe
a você dar isso a ela hoje, dando-lhe muito carinho e compreensão
que necessita, em lugar de esperar que os outros façam isso por
você.
Quando criança, talvez não pudéssemos modificar ou entender a
realidade, mas agora, adultos, podemos e devemos nos tornar
responsáveis por essa criança, como se fôssemos nosso próprio pai e
mãe.
Como tem se tratado? Com compreensão, amor? Quando vai ouvir a você
mesmo? Espero que você tenha autoconfiança suficiente para ser o
aliado da sua criança interior no trabalho com a dor. Você pode não
confiar absolutamente em ninguém, mas você pode confiar em si mesmo.
De todas as pessoas que você conhece na vida, você é a única a quem
nunca vai abandonar e a única que nunca vai perder.
Entre em contato com sua criança. Converse sempre com sua criança e
procure agradá-la. Lembre-se do que gostava de comer na infância ou
o que gostaria de comer hoje caso fosse criança. Vá comprar e
delicie-se. Do que você gostava de brincar? Lembre-se de algumas
brincadeiras e não se acanhe, vá brincar! Que tal se deixar rolar na
grama? Melhor ainda se for junto com aquela pessoa especial que você
ama. Ou ainda, fazer aquela pipa e sair para empinar. Relembre,
invente!
O importante é você se permitir ficar mais relaxado e muito mais
alegre. Você logo irá perceber a diferença dentro de você. O
reencontro com a criança interior cura muitas doenças, feridas
emocionais, diminui o estresse, pois te permite brincar, relaxar,
enfim, te traz de volta à vida!
É importante lembrar que a necessidade desse encontro com a criança
interior faz parte da jornada de todo ser humano que está em busca
de crescimento. Na realidade, o processo desse reencontro é a busca
de si mesmo, de seu self, de seu verdadeiro “eu”.
Para encontrar essa criança abandonada o mais indicado é através do
processo analítico, ou seja, da psicoterapia com base no
inconsciente, amparando essa criança e compreendendo seus
sentimentos, pois a cura só acontece quando lamentamos nossos
sentimentos mais íntimos. Caso tenha dificuldade em fazer esse
processo sozinho, busque a indicação de um profissional que trabalhe
com essa abordagem.
Dia 12 é dia das crianças e o que você vai fazer nesse dia tão
especial? Pense nas maneiras que poderá usar para entrar em contato
com sua criança interior. Faça uma lista com 10 maneiras de se
divertir. Que tal algumas atividades bem “infantis”? Você pode ir a
um parque de diversões, no circo, desenhar com lápis de cor, enfim,
escolha suas próprias brincadeiras. Feita a lista, procure se
envolver em pelo menos algumas atividades toda semana. Espero que
você descubra muitas maneiras de se divertir! Sua criança agradece!
E lembre-se do escreveu Jean Paul Sartre:
“Não importa o que fizeram com nós,
o que importa é aquilo que fazemos
com o que fizeram de nós”.
Indicação bibliográfica para quem deseja se aprofundar no assunto
sobre criança interior:
- Jeremiah Abrams (org.). O Reencontro da Criança Interior, Ed.
Cultrix.
- John Brasdshaw. Volta ao Lar, Ed.Rocco.
- John Brasdshaw. Curando a Vergonha Que Impede de Viver. Ed. Rosa
dos Tempos.
- Alice Miller. O Drama da Criança bem Dotada. Summus Editorial.
- Dica de filmes:
Um filme muito interessante é Voltando a Viver, com Derek Luke e
Denzel Washington. Baseado em fatos reais, conta a história de um
marinheiro rebelde que recebe ordens para consultar-se com o
psiquiatra da marinha, pois precisa aprender a dominar seu
temperamento instável. Ao relembrar a história, ele faz uma viagem
emocionante ao confrontar-se com seu doloroso passado e mudar toda
sua trajetória de vida. O filme reflete muito bem as conseqüências
emocionais de quem passou por maus-tratos na infância, com agressões
físicas, sexuais e psicológicas. Para quem deseja assistir, vale à
pena ficar atento ao momento que o marinheiro reencontra-se na porta
da casa com a família que o “criou”, e ao tentarem abraçá-lo,
perceba sua atitude que demonstra o quanto passou a respeitar os
próprios sentimentos. Mostra ainda que é possível aprender a lidar
com um passado que tanto machuca.
Outro filme que gosto muito é Duas Vidas, com Bruce Willis. Apesar
de ser uma gostosa comédia, mostra de maneira clara a importância
dos acontecimentos durante a infância e suas conseqüencias
emocionais quando adultos.
Você já imaginou como seria encontrar consigo mesmo quando tinha 8
anos? O que essa criança lhe diria? O filme mostra esse encontro,
como se fosse real! Mas real mesmo é a mudança que isso tudo irá
fazer na vida de Russ.
Observe com atenção a parte do filme em que o pequeno Russ chega da
escola com sua mãe, e seu pai lha dá uma bronca daquelas, fazendo-o
se sentir culpado pela morte dela. A partir desse momento, ele
desenvolve um “tique” nos olhos e nunca mais chora... até completar
40 anos.
- Indicação de sites:
http://www.memorychips.com.br/Lembra27.htm
www.arcadovelho.com.br
Rosemeire Zago é psicóloga clínica, com abordagem junguiana e
especialização em Psicossomática. Desenvolve o autoconhecimento
através de técnicas de relaxamento, interpretação de sonhos,
importância das coincidências significativas, mensagens e sinais na
vida de cada um, promovendo também o reencontro com a criança
interior. Email: r.zago@uol.com.br