O Esquecimento - Reprodução defeituosa (amnésia da lembrança)
Por Dr. Wagner Paulon
05/12/2009
É o "esquecimento" comum de coisas muito conhecidas, que todos nós
experimentamos todos os dias. Em contraste com a amnésia (defeito de
registro) que acabamos de descrever, esse tipo muito raramente é
devido à lesão cerebral. As células nervosas ficam intatas: as
lembranças estão ali, mas alguma coisa interfere em sua chamada no
tempo preciso. Qual a interferência?
Doutor Sigmund Freud foi o primeiro a mostrar-nos o que praticamente
todos os psiquiatras e psicólogos agora acreditam: um desejo de não
lembrar desvia ou bloqueia o desejo de lembrar. Nietzsche resumiu
isso tudo, tanto o processo como sua base psicológica, em Além do
Bem e do Mal, desta forma: "Eu fiz isto, diz minha memória. Eu não
podia ter feito isso, diz meu orgulho, mantendo-se inexorável. A
memória, por fim, acaba cedendo".
Sabe isso a moça cujo namorado, desafortunadamente, se esqueceu de
um compromisso e, assim, não compareceu ao encontro marcado. Ele
poderá apresentar desculpas: poderá, mesmo, confessar francamente
haver esquecido. Será em vão. Ela sabe, talvez melhor que ele, que
inconscientemente (se não conscientemente) ele na realidade não
desejava ir ao encontro. Ela talvez nada saiba de psicologia e
anormalidades, mas "sente", e está certa.
Esquecemo-nos, igualmente, das dívidas: dos dez reais que devo a meu
amigo; a aposta perdida no jogo de cartas, na semana passada; a
conta da loja do João. Costumamos esquecer-nos das coisas que não
desejamos lembrar.
Isso sempre acontece até na ciência. Darwin escreveu em sua
autobiografia que, durante muitos anos, "seguia rigorosamente uma
regra: sempre que deparava com um fato publicado, com uma nova
observação ou idéia que se opunha a meus resultados gerais, fazia
sem falta, ou imediatamente, um memorando a respeito, pois descobri,
pela experiência, que tais fatos e idéias podiam muito bem escapar à
memória mais facilmente que os que eram favoráveis".
Um médico amigo relatou ao Dr. Ernest Jones o seguinte caso:
A esposa dele estava gravemente enferma com certa doença obscura, no
estômago, que podia muito bem ter sido tuberculose; quando ponderava
ansiosamente sobre a possível natureza da moléstia, observou à
esposa: "Conforta-nos pensar que não houve caso de tuberculose em
sua família". Ela voltou-se para ele muito admirada e disse:
"Esqueceu-se você de que minha mãe morreu em conseqüência de
tuberculose e que minha irmã se refez dessa moléstia depois que os
médicos a julgaram um caso perdido?" A ansiedade dele, receoso que
os sintomas obscuros fossem de tuberculose, fizera-o esquecer-se de
certos fatos que lhe eram completamente conhecidos.
Pode-se, às vezes, dissecar claramente o processo de associação que
conduz ao esquecimento de uma lembrança e a substituição de outras.
(Isso ocorre diariamente no curso da psicanálise de pacientes.).
Dr. Wagner Paulon - Formação em psicanálise (Escola Paulista),
mestre em psicopatologia (Escola Paulista), psicologia (Saint
Meinrad College) USA, pedagogia (FEC ABC), MBA (University Abet)
USA, curso de especialização em entorpecentes (USP), psicanalista
por muitos anos de vários hospitais de São Paulo.