Final de Análise
Por Márcia Vasconcellos de Lima e Silva
1999

Ao optar por este tema, baseei-me no texto "Análise Terminável e Interminável"
escrito por Freud em 1937, um ano antes de seu falecimento.
Trata-se, a meu ver, de um texto belíssimo de Freud em que o mesmo ainda se preocupa em nos passar mais um pouco de sua experiência prática a fim de nos auxiliar acerca dos assuntos que concernem à técnica psicanalítica.
A questão de final de análise despertou o meu interesse particularmente pelo fato de suscitar muita polêmica e controvérsia. Afinal, quando é que o analista pode dar por encerrado seu trabalho terapêutico junto ao paciente ? Quando é que podemos considerar que o paciente já pode receber "alta" da análise?
Logo no início do texto Freud nos diz: "A experiência nos ensinou que a terapia psicanalítica - a libertação de alguém de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter neuróticas - é um assunto que consome tempo". Ora, quando Freud afirma isso ( considerando-se o fato de que naquela época só havia possibilidade de tratamento psicanalítico, segundo o próprio Freud, para os neuróticos - com os quais se podia fazer transferência ) quer dizer que o sujeito ao procurar tratamento o faz por uma inibição, um sintoma ou uma anormalidade de caráter neurótico - qualquer que seja - que leva `a angústia . Esta, por se tornar insuportável, transforma-se em demanda de análise por parte do paciente.
Como a Psicanálise trata da subjetividade do sujeito, não se pode precisar quanto tempo cronológico o paciente levará para apontar os primeiros sinais de que alguma elaboração interna está sendo realizada . Lacan, a esse respeito, contribui em muito quando nos fala do tempo lógico do sujeito, isto é, do tempo que o mesmo leva para fazer determinadas passagens. Este é, sem dúvida, um tempo que não pode ser demarcado a priori, caso contrário não estaríamos considerando as particularidades de cada um.
Ao citar o método proposto por Otto Rank em 1924 no livro "O Trauma do Nascimento", em que Rank supõe a neurose como uma "fixação primeva" da criança para com sua mãe - que poderia persistir como uma "repressão primeva" - e propõe que a neurose terminaria ao se lidar com esse trauma primevo através de uma análise subseqüente, Freud nos alerta para o fato de que o argumento de Rank há que ser considerado dentro da perspectiva do pós - guerra que a Europa estava passando, ou seja, como "... produto de seu tempo".
Aproveita a oportunidade para mencionar o Caso do Homem dos Lobos em que, num determinado momento da análise, Freud teve que estabelecer um prazo para o término da mesma, pois o progresso conseguido nos primeiros anos havia se interrompido por completo uma vez que a resistência deste paciente com relação ao tratamento havia aflorado de forma intensa, o que o estava prejudicando em muito.
É claro que devemos considerar isto um ato analítico, ou seja, o final da análise foi marcado por Freud a fim de que seu paciente trabalhasse em benefício próprio. Não foi algo feito inconsequentemente. Naquele momento, Freud fez aquilo que deveria ser feito. Porém, alguns anos mais tarde, este paciente em péssimas condições, retorna a Freud que nos diz, então: "... tive de ajudá-lo a dominar uma parte da transferência que não fora resolvida"( restos de transferência).
E com isso pode-se chegar a uma clara conclusão, qual seja : se a condição da análise é o estabelecimento da transferência, a condição para o final da análise é o término da transferência . Quero com isso pontuar que a entrada e a saída da análise podem ser medidas pela transferência.
Mas existem outras condições para o término da análise que devem ser levadas em consideração, também. São elas: "... que o paciente não mais esteja sofrendo de seus sintomas e tenha superado suas ansiedades e inibições" - Freud aqui retoma Inibição, Sintoma e Angústia o que foi citado no início do texto e mencionado no começo deste trabalho de outra forma; e "... que o analista julgue que foi tornado consciente tanto material reprimido, que foi explicada tanta coisa ininteligível, que foram vencidas tantas resistências internas, que não há necessidade de temer uma repetição do processo patológico em apreço".
Quanto à segunda condição colocada por Freud , apenas deixo aqui o registro da contribuição de seu artigo Recordar, Repetir e Elaborar que me parece ser apropriado ao que Freud acima colocou, principalmente quando disse não haver motivo para "... temer uma repetição do processo patológico em apreço"(grifos meus).
A meu ver, quando Freud faz essa pontuação, quer com isso dizer justamente que aquela repetição não deveria ocorrer novamente, visto já ter sido devidamente elaborada .
Freud menciona, ainda, no decorrer de seu texto dois aspectos que considero importante citar. O primeiro refere-se aos "... três fatores que reconhecemos como sendo decisivos para o sucesso ou não do tratamento analítico - a influência dos traumas, a força constitucional dos instintos (leia-se das pulsões) e as alterações do ego".
Assim, se uma dica de tratamento é analisar o movimento pulsional do sujeito em torno de um objeto - economia de gozo em torno de um objeto - , um dos meios de averiguação da possibilidade de término do tratamento é a desmontagem da pulsão, ou seja, o desvelamento do objeto com o qual o sujeito está implicado. Afinal de contas, sabemos que - em se tratando de alguma forma de neurose - são dois os destinos da pulsão: recalque e/ou sublimação (deslocamento) . De qualquer modo se consideramos a neurose vinculada à estrutura do sujeito, este jamais se tornará "normal".
O segundo aspecto refere-se à questão homem / mulher e final de análise. Ora, se homem e mulher não são simétricos presume-se, logicamente, que o final de análise para ambos é diferente. Já que suas respectivas posições e modos de lidar com a falta no Campo do Outro são diferentes, também. Se no caso da mulher referimo-nos à " inveja do pênis " , no caso do homem estamos falando de um temor à passividade, à feminilidade.
Finalizando, cito Freud ao nos advertir a respeito da impossibilidade de, através da análise, o paciente conseguir "... chegar a um nível de normalidade psíquica absoluta... tal como se, talvez, tivéssemos alcançado êxito em solucionar todas as repressões do paciente e em preencher todas as lacunas de sua lembrança".
É claro que o sujeito nunca deixará de ter uma questão, mas essa não é a questão do término da análise.
O final de análise em Freud se dá com a queda da transferência (para que não haja resíduos de transferência como no Caso do Homem dos Lobos).
O sujeito não deixará de ser neurótico, estruturalmente, mas passará de uma posição alienada para uma posição analisante; sairá de um discurso alienante para um discurso analista. Aprenderá a lidar melhor com suas questões - não é supor que sairá sem questões . Ou como disse Freud: "Nosso objetivo não será dissipar todas as peculiaridades do caráter humano em benefício de uma 'normalidade' esquemática, nem tampouco exigir que a pessoa que foi 'completamente analisada' não sinta paixões nem desenvolva conflitos internos. A missão da análise é garantir as melhores condições possíveis para as funções do ego; com isso, ela se desincumbiu de sua tarefa".

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

EDIÇÃO STANDARD BRASILEIRA DAS OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD. VOL. 23, IMAGO EDITORA/RJ.