A Habilidade da Atenção
Irlei Wiesel
05/04/2008
Conta à lenda que após três anos de estudo, o noviço chega à morada
do mestre. Ele entra no cômodo, a cabeça fervilhando de idéias sobre
questões complicadas da metafísica budista, preparado para as
perguntas que o aguardam no exame.
- Só tenho uma pergunta – diz o mestre com voz grave.
- Estou pronto, mestre – ele responde.
- No caminho de entrada, as flores estavam à esquerda ou à direita
do guarda-sol?
O noviço se retira, desconcertado, para mais três anos de estudo.
Quem de nós desenvolveu a habilidade de prestar atenção nos
detalhes?
A grande maioria de nós costuma focar nas inúmeras tarefas a serem
realizadas, esquecendo-se de saborear as belezas naturais da vida.
Aliás, talvez você esteja se perguntando, a quais belezas refiro.
Refiro-me a tudo que perdemos no ato diário de simplesmente agirmos
e interagirmos, automaticamente, sem pensar, refletir ou observar.
Perdemos sinais importantes e pistas sutis sobre a trilha mais
apropriada. Isso acontece, por conta do descompasso do nosso
compasso.
É importante sabermos que a ATENÇÃO começa com a OBSERVAÇÃO. No
entanto, o que permeia a atividade humana é justamente a DESATENÇÃO.
Somos um povo desatento. Por isso, nossa mente mantém-se agitada e,
por esse motivo, torna-se difícil lembrar que as flores ficam à
esquerda do guarda-chuva. Uma mente agitada não se atém a um detalhe
tão insignificante como uma flor, muito menos ainda, observá-la para
saber se está à direita ou à esquerda. Qual a diferença em
desenvolver a atenção, afinal por que olhar uma flor, podendo olhar
para livros, internet, projetos, pesquisas, jornais.
Para muitos, olhar uma flor é tão banal quanto olhar o filho
brincando ou dizer-lhe que o ama ou sentar ao seu lado, ou levá-lo á
escola... Somos um povo desatento. Um filho cresce e não o
conhecemos, o pai ou a mãe envelhece, fisicamente e nós, como
filhos, estamos ocupados...A esposa ou o marido chora devido a um
conflito de identidade e nós contribuímos pouco para o alivio. Às
vezes, até murmuramos:
- Isso vai passar!
Somente um murmúrio, e mais nada.
De fato, passará. Só que há um detalhe, tudo passa e por esse motivo
passa também a oportunidade da contemplação, da atenção e, por
conseqüência, da serenidade.
De que somos feitos se não formos capazes de contemplar, de olhar o
outro, de olhar ao nosso redor, de expressar gratidão pela beleza
natural que brota do lado de fora da nossa janela, de pisar,
delicadamente, sobre uma grama fresquinha, de acompanhar o sol se
pôr, de chorar com a lua iluminando novos sonhos, enfim, de sermos
seres humanos em estado de espírito tranqüilo a ponto de
transcender, nem que seja por alguns segundos a cada dia. Nem que
dure o tempo de um abraço, o tempo de uma música, o tempo de um
segundo, fazendo com que nos sintamos eternos. Nosso espírito
necessita conectar com o eterno. Por esse motivo, estamos rodeados
por lindas possibilidades de conexão. Contudo, conectamos,
preferencialmente, com o que nos desequilibra. Acreditamos que é, no
desequilíbrio e no descompasso, que encontraremos o equilíbrio e o
compasso.
A ilusão cega. Amamos a cegueira, pois não podemos perder tempo,
procurando a luz.
Dessa forma, seguimos, acreditando firmemente que estamos indo para
algum lugar melhor, para um futuro mais promissor. É bom lembrarmos
que, aonde quer que cheguemos, chegaremos na nossa companhia. Isso
implica em uma pergunta:
- Como chegarei? Em pedaços ou atenta ao meu autodesenvolvimento?
Irlei Wiesel é Psicoterapeuta, Escritora.
E-mail: ilhw@terra.com.br
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