Identidade ou Identificação Estética?
Por Márcia Vasconcellos de Lima e Silva
06/12/2009
Refletindo sobre este tema e analisando as pessoas de modo geral,
fica difícil entender quem elas de fato querem ser ou acham que são.
Vivemos na pós-modernidade. Diversos pensadores brilhantes concordam
em afirmar que as relações atuais são fluidas, baseadas em trocas
superficiais e líquidas - no dizer de Bauman. Vivemos em uma
sociedade do espetáculo segundo Debord, mergulhados na cultura do
narcisismo, como definido por Lasch. Nesta conjuntura a aparência
conta muito mais do que o conteúdo.
Sendo assim cabe um questionamento: até que ponto as pessoas estão
satisfeitas (minoria) e insatisfeitas consigo mesmo na busca dos
padrões impostos pela mídia e cultura, que são cada vez mais
acirrados, porém que, de fato, nada teriam a ver com sua verdadeira
personalidade (seu verdadeiro self, como Winnicott diria).
Falando a respeito de corpos e dos conceitos sociais do que é ser
belo, atraente, bem cuidado, enfim, aprovado com selo de qualidade
ISO 2000, imaginemos, hipoteticamente, uma situação inusitada, quase
tema de roteiro de um intrigante filme de ficção cult ?
aparentemente antagônico, mas não neste caso.
Ao se preparar para dormir, a carioca Úrsula se põe diante do
espelho com ar intrigante. Observa-se atentamente. Detalhada e
minuciosamente. Mais de dez minutos. Vira-se, olha-se de um lado, do
outro, penteia seus longos cachos dourados novamente, verifica sua
camisola sedutora, e dá uma olhada em seus peitos siliconados.
Curvas aparentemente perfeitas. Mas, falta algo. Sempre tem alguma
coisa por fazer. O fato de ser loira (natural), bronzeada de praia,
olhos esverdeados, corpo sarado e escultural, conseguido a base de
muita disciplina, dedicação, academia e dietas severas, encontrar-se
no auge de seus 25 anos de idade, bem resolvida profissionalmente
com uma vida social ativa, não parece ser suficiente. Nada nunca é
suficiente. Ela não consegue imaginar o que precisaria modificar,
mas já exausta de um dia cansativo, apaga a luz, dirige-se para sua
cama e adormece, não sem antes tentar visualizar alguma solução para
o pretenso problema ? que nem sabe ao certo, o que é.
Ao acordar bem cedo para malhar, arruma-se como usualmente costuma
fazer. Sai e caminha até a academia. Não sem antes, porém,
deparar-se com cenas aterrorizantes, que a deixam completamente
desnorteada, estarrecida e paralisada no meio da rua. Sem entender o
que está acontecendo, desaba num choro compulsivo e soluça aos
prantos... O que aconteceu com o mundo que até ontem à noite
cultuava e destacava pessoais normais como ela? Deve estar sonhando.
Não pode ser verdade.
Os diversos outdoors espalhados pela cidade, capas de revistas
masculinas... tudo modificado. As mulheres curvilíneas, de formas
pouco, médio ou bem arredondadas, naturais (digo, sem nenhum recurso
tecnológico revolucionário) tomaram conta do pedaço. A Renascença
está de volta.
Úrsula já perdeu a noção de tempo, espaço, não sabe quem é, para
onde vai, o que fazer, com quem falar. Enquanto recomeça a andar na
calçada vagarosamente, recebe olhares reprovadores, críticos. Todos
a olham de cima abaixo, julgando-a uma pessoa à margem do ideal de
beleza da nova realidade cultural.
Aos poucos percebe que não somente ela, mas todas as suas amigas de
malhação, a maioria dos colegas de trabalho e os demais de sua
categoria hedonista, auto-centrada e alienada se si mesmo,
encontram-se em pânico, alguns cogitando até o suicídio.
Com um grito de horror, acorda. Olha para o relógio. São 4h da
manhã. Era apenas um pesadelo.
O que pretendo ressaltar com esta pequena estória é que também do
outro lado da moeda, os gordinhos também viessem a sofrer de
implicações mentais complicadas de gerenciar. Pois quando o seu
critério é o dos outros, e os outros mudam, você perde aquilo que
acreditava ser o seu referencial.
Você saberia responder se tem identidade própria? Não se deixa levar
pela influência cultural do meio em que se insere? Acredita ser
auto-centrado? Ou é do tipo Maria vai com as outras, sendo engolido
(a) pela mídia e alienação social típica da globalização ( somos
todos iguais ), em um processo de identificação narcísica que não o
(a) permite o deslocamento necessário para se tornar sujeito de sua
própria vida e não objeto de consumo da vida dos outros?
Pense nisto. E faça um teste. Lembre-se da personagem Úrsula e
responda para você mesmo as seguintes questões.
Como se sente com seu corpo atualmente?
O que os outros costumam falar a respeito?
Qual a importância que você, de fato, dá ao que os outros pensam?
Como seria se amanhã você acordasse e os padrões hoje estabelecidos
houvessem sido modificados pelo extremo oposto?
Visualize-se na situação inversa da que vive atualmente. Quais as
implicações que poderiam ter em sua vida?
Talvez a reflexão acerca destas e outras questões que possam surgir
em sua mente, o (a) ajudem a compreender qual o papel que você tem
no mundo e o que o mundo espera de você.
Enquanto você não disser ao mundo quem você é, ele sempre dirá o que
quer que você seja.