O Jogo da Ética na Empresa
Por Maria Rita Gramigna
01/08/2007
ÉTICA. Palavra curta, agradável aos ouvidos, incluída no vocabulário
gerencial - principalmente na última década.
Os códigos éticos - implícitos ou explícitos - dão o tom no
relacionamento cliente-fornecedor, indicam filosofias empresariais,
compõem missões, definem negócios, apontam diretrizes de ação.
Comentários e afirmações chamam a atenção para o tema:
- "Isto é falta de ética"!
- "Temos por princípios éticos respeitar o ser humano em suas
necessidades e potencial"
- "Nossa ética não permite tal decisão";
- "Nossos contratos são regidos por princípios éticos";
- "A ética do nosso negócio, etc... etc... etc...
O tempo das negociatas, dos conchavos, da corrupção (passiva ou
ativa), do "passar a perna" no cliente, do "puxar o tapete" do
colega, do "se apossar de idéias dos outros e omitir a autoria",
enfim, do "jeitinho brasileiro", vem sendo questionado e tornou-se
objeto de discussões cotidianas. Além das leis que protegem os
direitos das pessoas, o desenvolvimento da consciência crítica e da
cidadania se incorporam cada vez mais em nossa bagagem de valores.
Atitudes de indignação e reações contra a falta de ética estão
presentes no comportamento organizacional da maioria das empresas.
Pressupostos básicos proclamados por Pierre Weil, Oscar Motomura,
Takeshi Imai, Deming, Ishikawa e outros líderes em suas áreas de
atuação, apontam uma nova ordem e nos fazem repensar sobre nossa
visão de mundo e sobre o ser humano.
Neste texto, abordo o tema em questão, sem aprofundar no sentido
puro e simples da palavra ÉTICA, e sim oferecendo aos gerentes a
oportunidade de refletir sobre sua realidade empresarial, no que diz
respeito à ética vigente em suas organizações.
O QUE É ÉTICA?
Dentre os diversos conceitos pesquisados, chamou-me a atenção o de
Pierre Weil, em seu livro Organizações e Tecnologias para o Terceiro
Milênio: " Ética é o conjunto de valores construtivos que levam o
homem a se comportar de modo harmonioso" E vai mais além: "Certo
número de valores são intimamente ligados com a ética. São os
valores que determinam opiniões, atitudes e comportamentos de uma
pessoa. Quando são de natureza construtiva, as pessoas se
comportarão de modo ético; o contrário também é verdadeiro". Estes
valores, afirma, influenciam a qualidade de vida, o desenvolvimento
cultural e mesmo a preservação da própria cultura.
Os princípios éticos que deverão nortear a práxis nas sociedades do
próximo século vêm sendo alvo de discussão, reflexão e
questionamento nas diversas instituições existentes no BRASIL e no
mundo. Acordos de cooperação e parceria, livres mercados e convênios
de cooperação técnica, demonstram a necessidade do estabelecimento
de uma nova ordem ético-social.
Sabe-se, a princípio que os valores componentes de nosso código de
ética são aprendidos e incorporados sutilmente em nosso modo de ser.
A ÉTICA APRENDIDA
Nossas crenças determinam nosso comportamento na vida e na empresa.
A transcrição do artigo abaixo, publicado no Chicago Sun Times,
ilustra tal fato.
TUDO BEM FILHO, TODO MUNDO FAZ ISSO (Jack Griffin)
Johnny tinha seis anos e estava em companhia do pai quando este foi
flagrado em excesso de velocidade. O pai entregou ao guarda, junto à
sua carteira, uma nota de vinte dólares. "Está tudo bem, filho",
disse ele quando voltaram à estrada. "Todo mundo faz isso"!
Quando tinha oito anos, deixaram que Johnny assistisse a uma reunião
de família, dirigida pelo tio George, sobre as maneiras mais seguras
de sonegar o imposto de renda. "Está tudo bem, garoto", disse o tio.
"Todo mundo faz isso"!
Aos nove anos, a mãe levou-o pela primeira vez ao teatro. O
bilheteiro não conseguia arranjar lugares até que a mãe de Johnny
lhe deu, por fora, cinco dólares. "Tudo bem, filho", disse ela,
"Todo mundo faz isso!"
Com doze anos ele quebrou os óculos a caminho da escola. A tia
Francine convenceu a companhia de seguro que eles haviam sido
roubados e recebeu uma indenização de 75 dólares. "Está tudo bem,
garoto", disse ela. "Todo mundo faz isso".
Aos quinze anos, foi escolhido para jogar como lateral-direito no
time de futebol da escola. Os treinadores lhe ensinaram como
interceptar e, ao mesmo tempo, agarrar o adversário pela camisa, sem
ser visto pelo juiz. "Tudo bem, garoto", disse o treinador. "Todo
mundo faz isso"!
Aos dezesseis anos, arranjou seu primeiro emprego nas férias de
verão, trabalhando num supermercado. Seu trabalho: pôr os morangos
maduros demais no fundo das caixas e os bons em cima, para ludibriar
o freguês. "Tudo bem, garoto", disse o gerente. "Todo mundo faz
isso"!
Já com 18 anos, Johnny e um vizinho candidataram-se a uma bolsa de
estudos. Johnny era um estudante medíocre. O vizinho era um dos
primeiros da classe, mas um fracasso como lateral-direito do time de
futebol. Johnny ganhou a bolsa. "Está tudo bem", disseram os pais.
"Todo mundo faz isso"!
Quando tinha 19 anos, um dos colegas mais adiantados lhe ofereceu,
por cinquenta dólares, as questões que iam cair na prova. " Tudo bem
garoto", disse ele. "Todo mundo faz isso"!
Johnny, flagrado colando, foi expulso da sala e voltou para casa com
o rabo entre as pernas. "Como você pôde fazer isso com sua mãe e
comigo?", disse o pai. "Você nunca aprendeu estas coisas em casa!".
O tio e a tia também ficaram chocados.
Se há uma coisa que o mundo adulto não pode tolerar é um garoto que
cola nos exames... (extraído do livro O poder da administração
ética, de Kenneth Blanchard e Norman Vincent Peale - Ed. Record).
O EXEMPLO
Tal como no caso de Johnny, adotamos comportamentos e atitudes que
correspondem ao nosso aprendizado junto às pessoas que fizeram e
fazem parte de nosso meio familiar, social e empresarial. Cada um de
nós tem suas matrizes de identidade que nos legaram seus códigos de
ética. Por outro lado, na medida em que repetimos a história,
transformamo-nos em novas matrizes: pontos de referência para os que
estão à nossa volta.
Quando vou trabalhar questões referentes a poder e ética nas
organizações, costumo usar jogos e simulações que permitam ao grupo
colocar em prática seus valores, para depois abrir fóruns de
discussão sobre os comportamentos que permearam as jogadas.
O quadro abaixo permite que cada participante tenha a oportunidade
de rever suas necessidades pessoais e identificar sua postura
básica. Como resultado, o grupo chega ao diagnóstico de suas
tendências à ética construtiva e/ou destrutiva.
VALORES E COMPORTAMENTO
NECESSIDADES
ÉTICA DESTRUTIVA
ÉTICA CONSTRUTIVA
De transcender
• Comportamento dissociado
• Atitude preconceituosa
• Desconfiança, descrença
• Discurso diferente da práxis
• Comportamento hamonioso
• Atitude aberta e inteira
• Confiança, crença no valor dos ser humano no
• Discurso coerente com a práxis
De conhecer
• Manipulação da informação em benefício próprio
• Aprender para si
• Omissão, mentira
• Partilhamento de informações pelo bem coletivo
• Fazer uso do aprendizado - agir como educador, trocar
De criar
• Criação e inovação a qualquer preço, em benefício próprio
• Rigidez, Visão focada
• Inovação em benefício da coletividade
• Flexibilidade
• Visão expandida
De afeto
• Chantagem emocional
• Manipulação
• Egoísmo
• Mágoas, ressentimentos
• Altruísmo
• Ajuda, empatia
• Compreensão
• Capacidade para perdoar
De poder
• Dominação
• Autoritarismo
• Centralização
• Dependência
• Autonomia
• Liberdade de expressão
• Delegação
• Partilhamento de responsabilidades
De Prazer
• Possessividade, apego
• Auto-desqualificação e desqualificação do outro
• Desconfiança Confiança
• Identidade fraca e baixa estima
• Compartilhamento
• Qualificação do outro
• Presença de auto-estima e identidade fortalecida
• Confiança no outro e auto-confiança
De segurança
• Posse de idéias de outros com omissão de autoria idéias
• Busca de vantagens pessoais
• Agressividade
• Jogo ganha-perde
• Compartilhamento de idéias e divulgação das fontes
• Busca de vantagens coletivas
• Tranqüilidade
• Jogo ganha-ganha.
Os valores norteadores das pessoas que tendem a um comportamento
pautado pela ética destrutiva, partem da visão de um mundo
mecanicista, baseada na crença cartesiana de que o homem precisa de
controles e só age por coerção.
Aqueles que tendem à ética construtiva vêem o homem como um
organismo vivo, que contém os princípios do universo (paradigma
holístico). Acreditam que os valores precisam ser despertados e não
controlados, pois já estão dentro de cada pessoa.
As discussões a respeito da ética vigente nas organizações têm sido
ricas, principalmente por apontarem conseqüências dos dois modelos.
Os próprios gerentes, em sua auto-avaliação, citam a necessidade de
mudanças e demonstram comprometimento com melhorias.
As conclusões por eles obtidas, sinalizam direções de ação e
caracterizam os dois modelos de administração:
BASEADOS NA ÉTICA DESTRUTIVA
BASEADOS NA ÉTICA CONSTRUTIVA
• Venda pelo maior preço
• Aumentos de produtividade sem reversão parcial de lucros para os
trabalhadores
• Espionagem industrial
• Sonegação de impostos
• Despreocupação com o meio ambiente
• Despreocupação com a qualidade de vida do trabalhador
• Poder centralizado na mão de poucos
• Desconhecimento e desvalorização do potencial humano
• Clima de terrorismo
• Missão indefinida ou inexistente
• Objetivos pessoais em detrimento dos organizacionais
• Metas obscuras ou inexistentes
• Venda pelo preço justo
• Aumento de produtividade com reversão parcial de lucros para os
trabalhadores
• Benchmarking
• Impostos em dia
• Ecologia ambiental e humana
• Programas voltados para a qualidade de vida do trabalhador
• Poder descentralizado com definição de responsabilidades
• Conhecimento, valorização e aproveitamento do potencial humano
• Clima harmonioso
• Missão clara e compartilhada por todos
• Objetivos compartilhados, ligados à missão
• Metas claras e compartilhadas
No novo milênio, onde o realinhamento de crenças e o valor da ética
têm sido rediscutidos como conseqüência natural da cidadania e do
desenvolvimento da consciência crítica, precisamos estar atentos às
mudanças necessárias.
As fronteiras se flexibilizam ou se fecham na medida em que as
empresas adotam um ou outro modelo.
Cabe, portanto ao corpo gerencial incentivar e iniciar mudanças.
Maria Rita Gramigna é Mestre em Criatividade Total Aplicada pela
Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Graduada em
Pedagogia pela Universidade Federal de Minas Gerais e pós-graduada
em Administração de Recursos Humanos pela UNA – União de Negócios e
Administração (MG). Atua no Mapeamento de Competências, contatos
estratégicos com clientes, capacitação gerencial e treinamento da
equipe de consultores da MRG Consultoria e Treinamento Empresarial.