Jung e os conceitos básicos da Psicologia Analítica
Por Vanilde Gerolim Portillo
26/10/2001
Psicologia Analítica foi o nome escolhido por JUNG para abarcar todo
o seu sistema teórico. É uma obra ampla e tem raízes profundas.
Abordaremos, aqui, portanto, apenas os conceitos que ajudarão a
elucidar este trabalho.
O que nos chama a atenção, ao contatarmos a obra de Jung, é que os
termos ou nomes adotados por ele, para discriminar seus conceitos,
têm perfeita conexão com o fato ou com o aspecto analisado em si.
Não são termos inventados ao acaso e que nada significam, mas sim
termos que carregam e explicam o seu próprio conteúdo.
Jung foi sujeito de suas próprias experiências no que se refere à
investigação do inconsciente. Tudo o que ocorria com ele, incluindo
os sonhos, fantasias, intuições, etc., que para a maioria das
pessoas passaria despercebido, era para Jung uma fonte de pesquisa e
análise. Homem extremamente intuitivo, sempre se interessou pelos
fenômenos psíquicos.
Foi médico e psiquiatra; nasceu na cidade de Keswill, na Suíça em
26/07/1875 e viveu até 06/06/1961.
Conviveu com Bleuler, Adler, Freud e outros grandes nomes da
psiquiatria. Fora da área médica, Jung manteve contatos e trocou
idéias com grandes gênios como Einstein, Pauli, e outros. Estudou
profundamente os grandes filósofos como Schopenhauer, Nitzsche e
Kant.
Foi buscar lastro para suas idéias na Alquimia, na Mitologia, nos
povos primitivos da Ásia, África e Índios Pueblos da América do
Norte. Visitou, entre tantos lugares, a Índia em busca de respostas
para suas dúvidas mais íntimas.
Filho de religiosos, seu pai era pastor luterano, desde cedo teve
contato com a idéia de um Deus e bem cedo começou o questionamento
sobre a origem e a finalidade da vida humana, perguntas para as
quais não obteve resposta através de seu pai, nem tão pouco nos
livros religiosos e escritos da época.
Jung aproximou-se da filosofia e religiões orientais, conheceu e
estudou o I Ching e encontrou ressonância nos simbolismos destas
culturas na compreensão do desenvolvimento humano. Introduziu uma
nova maneira de praticar a psicologia clínica, uma nova visão de
mundo e do homem. Salientava, sempre que tinha oportunidade, que o
homem deveria ser visto por inteiro, ou seja, como um todo;
pertencente a uma comunidade, num determinado momento, não poderia,
portanto, ser visto, dissociado do seu contexto social, cultural e
universal.
Quando Jung manteve contato com a obra de Freud, ficou tão
entusiasmado com o trabalho deste outro gênio que não tardou em
conhecê-lo.
A admiração foi mútua, Freud também gostou do jovem Suíço e logo fez
dele um dos difusores de suas idéias. O “casamento”, porém, durou
pouco.
Jung mostrava-se inquieto com algumas posições de Freud a respeito,
principalmente, da teoria da libido. Freud, por sua vez, não admitia
ver a sua teoria por outro ângulo, não dava abertura para outras
interpretações diferentes das dele.
Jung não aceitava as insistências de Freud, de que as causas dos
conflitos psíquicos envolveriam algum trauma sempre de natureza
sexual. Freud, por outro lado, não admitia o interesse de Jung pelos
fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si.
O rompimento entre os dois causou profundas mágoas para ambos os
lados. Mágoas que, até hoje, notam-se entre os seguidores de ambos.
Não é raro deparamos com críticas sobre um ou outro nos jornais, ou
obras literárias ironizando um dos dois.
O rompimento de Jung com Freud, entretanto, acaba por trazer ao
mundo um grande benefício. Jung teve que alçar vôo sozinho em busca
de respostas para si mesmo e, de certa forma, para provar que suas
idéias eram válidas e as de Freud tinham valores parciais, mergulhou
no mais profundo de sua alma, conectou-se com seu inconsciente e
buscou lá inspiração e coragem parar mudar a face da psicologia.
O ponto crucial do desentendimento entre os dois gênios foi ponto de
partida para Jung. Enquanto a teoria de Freud busca as causas, a de
Jung busca a direção, a finalidade. Enquanto para Freud a libido é
somente sexual, para Jung a libido é toda a energia psíquica. Nise
da Silveira, descreve libido da seguinte maneira: “Libido é apetite,
é instinto permanente de vida que se manifesta pela fome, sede,
sexualidade, agressividade, necessidades e interesses diversos. Tudo
isso está compreendido no conceito de libido. A idéia Junguiana de
libido aproxima-se bastante da concepção de vontade, segundo
Schopenhauer. Entretanto Jung não chegou a essa formulação através
dos caminhos da reflexão filosófica. Foi a ela conduzido pela
observação empírica, no seu trabalho de médico psiquiatra.
Uma das maiores preocupações de Jung era a de sempre manter um “pé”
na ciência, buscava sempre comprovar suas idéias, pois além de
confrontar-se com as idéias do principal nome de então, Freud, tinha
que se confrontar com a existente e crescente racionalidade da
época.
O conceito de inconsciente também difere de Freud para Jung. Para
Freud, o inconsciente é um depósito de rejeitos do consciente,
isento de movimento e estático, se forma, portanto, a partir do
consciente. Para Jung o inconsciente existe “a priori”.
O ser humano nasce inconsciente e traz com ele muitos conteúdos
herdados dos ancestrais. Assim, o inconsciente existe “antes”, é
pré-existente ao consciente. Segundo Nise da Silveira, “Pode-se
representar a psique como um vasto oceano (inconsciente) no qual
emerge pequena ilha (consciente).”
Para Jung, o inconsciente não é estático e rígido formado pelos
conteúdos que são reprimidos pelo ego. Ao contrário, o inconsciente
é dinâmico, produz conteúdos, reagrupa os já existentes e trabalha
numa relação compensatória e complementar com o consciente. No
inconsciente encontram-se, em movimento, conteúdos pessoais,
adquiridos durante a vida e mais as produções do próprio
inconsciente. Jung classificou o inconsciente em Inconsciente
Pessoal (ou Individual) e Inconsciente Coletivo. O Inconsciente
Pessoal ou Individual é aquela camada mais superficial de conteúdos,
cujo marco divisório com o consciente não é tão rígido. É uma camada
de conteúdos que se acha contígua ao consciente. Estes conteúdos
subjazem no inconsciente por não possuírem carga energética
suficiente para emergir na consciência. Correspondem àqueles
aspectos que em algum momento do desenvolvimento da personalidade
não foram compatíveis com as tendências da consciência e foram,
portanto reprimidas. Também estão, no inconsciente pessoal,
percepções subliminares, ou seja, aquelas que foram captadas pelos
nossos sentidos de forma subliminar, que nem nos demos conta de
termos contato com o fato em si. Conteúdos da memória que não
necessitam estar presentes constantemente na consciência estão
presentes no inconsciente pessoal. Todos estes conteúdos formam no
Inconsciente Pessoal um grande banco de dados que poderão surgir na
consciência a qualquer momento.
Outros importantes conteúdos estão no inconsciente pessoal; são os
complexos. Os complexos são conteúdos de extrema importância para a
vida psíquica e estaremos abordando-os no decorrer do trabalho.
A grande descoberta de Jung foi o Inconsciente Coletivo. Segundo
ele, o inconsciente coletivo é a camada mais profunda da psique e
constitui-se dos materiais que foram herdados da humanidade. É nesta
camada que existem os traços funcionais como se fosses imagens
virtuais, comuns a todos os seres humanas e prontas para serem
concretizadas através das experiências reais. É nessa camada do
inconsciente que todos os humanos são iguais. A existência do
inconsciente coletivo não depende de experiências individuais, como
é o caso do inconsciente pessoal, porém, seu conteúdo precisa das
experiências reais para expressar-se, já que são predisposições
latentes.
Jung chamou de arquétipos a estes traços funcionais do inconsciente
coletivo. Salienta ele: “ Existem tantos arquétipos quantas as
situações típicas da vida. Uma repetição infinita gravou estas
experiências em nossa constituição psíquica, não sob a forma de
imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente como formas
sem conteúdo que representavam apenas a possibilidade de um certo
tipo de percepção e de ação.”
Os arquétipos não são observáveis em si, só podemos percebê-los
através das imagens que ele proporciona. Continua Jung: “ “Imagens”
expressam não só a forma da atividade a ser exercida, mas também,
simultaneamente, a situação típica no qual se desencadeia a
atividade. Tais imagens são “imagens primordiais”, uma vez que são
peculiares à espécie, e se alguma vez foram “criadas”, a sua criação
coincide no mínimo com o início da espécie. O típico humano do homem
é a forma especificamente humana de suas atividades. O típico
específico já está contido no germe. A idéia de que ele não é
herdado, mas criado de novo em cada ser humano, seria tão absurda
quanto a concepção primitiva de que o Sol que nasce pela manhã é
diferente daquele que se pôs na véspera.”
Jung salienta que o mérito da observação de que os arquétipos
existem não pertence a ele e sim a PLATÃO, com seu pensamento “de
que a idéia é preexistente e supra-ordenada aos fenômenos em geral.”
Outros pensadores como ADOLF Bastian, evidenciam a ocorrência de
certas “idéias primordiais...” e outros, mais tarde, como DÜRKHEIM,
HUBERT e MAUSS “que falam de “categorias” próprias da fantasia” e
ainda Hermam USENER que reconhece “a pré-formação inconsciente na
figura de um pensamento inconsciente”
A contribuição de Jung se dá, entretanto, nas provas obtidas por
ele, que os arquétipos existem e aparecem sem influência de captação
externa. De acordo com Jung esta constatação “significa nada menos
do que a presença, em cada psique, de disposições vivas
inconscientes, e, nem por isso menos ativas, de formas ou idéias em
sentido platônico que instintivamente pré-formam e influenciam seu
pensar, sentir e agir.”
Alguns arquétipos foram amplamente enfatizados por Jung, pois
permeiam o desenvolvimento da personalidade e invariavelmente estão
bem próximo de nós, no nosso dia-a-dia e são mobilizados, pela
psique, tão logo surja uma situação típica. Falaremos sobre cada um
deles a seguir, a exceção do Arquétipo materno que será abordado no
capítulo III.
Com o desenvolvimento da consciência, o ser humano, que é gregário
por natureza, necessita desenvolver algumas características básicas
para a adaptação social em contraste com seus instintos animalescos.
É a persona o arquétipo desta adaptação.
O nome vem da antiga máscara usada no teatro grego para representar
esse ou aquele papel numa peça e tem, para Jung, o mesmo sentido, ou
seja; persona é a máscara ou fachada aparente do indivíduo exibida
de maneira a facilitar a comunicação com o seu mundo externo, com a
sociedade onde vive e de acordo com os papéis dele exigidos. O
objetivo principal é o de ser aceito pelo grupo social a que
pertence.
A persona é muito importante, na medida em que dependemos dela em
nossos relacionamentos diários, no trabalho, na roda de amigos ou na
convivência com o nosso grupo.
Como qualquer outro componente psíquico, a persona possui um lado
benéfico e outro maléfico. Em seus aspectos benéficos, a persona
auxilia a convivência em sociedade, extremamente importante em
nossos atuais dias. Também transmite uma certa sensação de
segurança, na medida em que cada um desempenha exatamente o papel
dele esperado, da melhor forma possível. Assim, espera-se de um
médico que se comporte como tal, que atenda o paciente e que o cure
dos males que o atingem. De um bombeiro, que seja solícito e
enfrente, sem grandes medos os incêndios, e assim por diante.
No sentido nefasto da persona, há o perigo de o indivíduo
identificar-se com o papel por ele desempenhado fazendo com que a
pessoa se distancie de sua própria natureza. Um médico, por exemplo,
não é médico o tempo todo. Em casa é o pai, o marido, o filho e
assim outras máscaras ele estará utilizando. Aqueles que são
possuídos por sua persona, tornam-se pessoas difíceis de conviver,
são rígidos em sua persona e exigem dos demais que se comportem
igual a ele.
A persona serve também como proteção contra nossas características
internas as quais achamos que nos desabonam e, portanto, queremos
esconder.
Como a psique possui uma dinâmica de compensação energética entre os
seus conteúdos, podemos entender que, em uma super valorização da
persona, haverá, internamente, uma forte tendência à compensação
através de outros arquétipos, são eles: sombra e anima/animus.
Sendo a persona a face externa da psique, a face interna, a formar o
equilíbrio são os arquétipos da anima e animus. O arquétipo da
anima, constitui o lado feminino no homem, e o arquétipo do animus
constitui o lado masculino na psique da mulher. Ambos os sexos
possuem aspectos do sexo oposto, não só biologicamente, através dos
hormônios e genes, como também, psicologicamente através de
sentimentos e atitudes.
O homem traz consigo, como herança, a imagem de mulher. Não a imagem
de uma ou de outra mulher especificamente, mas sim uma imagem
arquetípica, ou seja, formada ao longo da existência humana e
sedimentada através das experiências masculinas com o sexo oposto.
Cada mulher, por sua vez, desenvolveu seu arquétipo de animus
através das experiências com o homem durante toda a evolução da
humanidade.
Embora, anima e animus desempenhem função semelhante no homem e na
mulher, não são, entretanto, o oposto exato. Segundo Humbert, “Anima
e animus não são simétricos, têm seus efeitos próprios: possessão
pelos humores para a anima inconsciente, pelas opiniões para o
animus inconsciente.”
A anima, quando em estado inconsciente pode fazer com que o homem,
numa possessão extrema, tenha comportamento tipicamente feminino,
como alterações repentinas de humor, falta de controle emocional.
Em seu aspecto positivo a anima, quando reconhecida e integrada à
consciência, servirá como guia e despertará, no homem o desejo de
união e de vínculo com o feminino e com a vida. A anima será a
“mensageira do inconsciente” tal como o deus Hermes da mitologia
Grega.
A valorização social do comportamento viril no homem, desde criança,
e o desencorajamento do comportamento mais agressivo nas mulheres,
poderá provocar uma anima ou animus subdesenvolvidos e
potencialmente carregados de energia, atuando no inconsciente.
Um animus atuando totalmente inconsciente poderá se manifestar de
maneira também negativa, provocando alterações no comportamento e
sentimentos da mulher. Segundo Jung: “em sua primeira forma
inconsciente o animus é uma instância que engendra opiniões
espontâneas, não premeditadas; exerce influência dominante sobre a
vida emocional da mulher.”
O animus e a anima devidamente reconhecidos e integrados ao ego,
contribuirão para a maturidade do psiquismo. Jung salienta que o
trabalho de integração da anima é tarefa difícil. Diz ele: “Se o
confronto com a sombra é obra do aprendiz, o confronto com a anima é
obra-prima. A relação com a anima é outro teste de coragem, uma
prova de fogo para as forças espirituais e morais do homem. Jamais
devemos esquecer que, em se tratando da anima, estamos lidando com
realidades psíquicas, as quais até então nunca foram apropriadas
pelo homem, uma vez que se mantinham foram de seu âmbito psíquico,
sob a forma de projeções.”
Anima e animus são responsáveis pelas qualidades das relações com
pessoas do sexo oposto. Enquanto inconscientes, o contato com estes
arquétipos são feitos em forma de projeções.
O homem, quando se apaixona por uma mulher, está projetando a imagem
da mulher que ele tem internalizada. É fato que a pessoa que recebe
a projeção é portadora, como dizia Jung, de um “gancho” que a aceita
perfeitamente. O ato de apaixonar-se e decepcionar-se, nada mais é
do que projeção e retirada da projeção do objeto externo. Geralmente
o que se ouve é que a pessoa amada deixou de ser aquela por quem ele
se apaixonou, quando na verdade ela nunca foi, só serviu como
suporte da projeção de seus próprios conteúdos internos.
Para o homem a mãe é o primeiro “gancho” a receber a projeção da
anima, ainda quando menino, o que se dá inconscientemente. Depois,
com o crescimento e sua saída do ninho, o filho vai, aos poucos,
retirando esta projeção e lançando-a a outras mulheres que continua
sendo um processo inconsciente. A qualidade, do relacionamento
mãe-filho, será essencial e determinará a qualidade dos próximos
relacionamentos, com outras mulheres. Salienta Jung: “Para o filho,
a anima oculta-se no poder dominador da mãe e a ligação sentimental
com ela dura às vezes a vida inteira, prejudicando gravemente o
destino do homem ou, inversamente, animando a sua coragem para os
atos mais arrojados.”
Outros aspectos do relacionamento mãe-filho serão analisados no
capítulo subseqüente.
Jung define projeção da seguinte forma: “ a projeção é um processo
inconsciente automático, através do qual um conteúdo inconsciente
para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este
conteúdo pareça pertencer ao objeto. A projeção cessa no momento em
que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o conteúdo
pertence ao sujeito.”
Enquanto a anima ou animus, projeta-se no sexo oposto, determinando
a qualidade das relações entre os sexos, a sombra influirá nas
relações com pessoas do mesmo sexo.
A sombra apresenta-se como o mais poderoso de todos os arquétipos,
já que é a fonte de tudo o que existe de melhor e de pior no ser
humano. Como todo e qualquer elemento psíquico, a sombra possui
aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento da
personalidade.
Se a persona é desenvolvida com o objetivo de facilitar a
convivência do homem na sociedade onde vive, onde, então, se
apresentarão aqueles conteúdos não compatíveis com esta adaptação? A
sombra é o arquétipo receptáculo dos aspectos que foram suprimidos
no desenvolvimento da persona, e mais que isto, ela contém conteúdos
que nem chegaram a passar pelo crivo do consciente. Estes conteúdos
podem, potencialmente, emergir a qualquer momento na consciência, se
considerados do ponto de vista energético.
Quanto mais unilateral se torna o consciente; tanto mais a persona é
banhada de purpurina e mais acentuados são os elementos que compõem
a sombra. Importante salientar, no entanto, que a sombra não é o
lado oposto da consciência, mas representa o que falta a cada
personalidade consciente.
Um dos maiores trabalhos no processo de individuação, que consiste
no desenvolvimento da personalidade total, é sem dúvida a integração
da sombra na consciência. Uma vez reconhecida, a sombra, como parte
de si mesmo, o ser humano irá fazê-lo constantemente, pois os
conteúdos sombrios não se esgotam, porque sempre que houver processo
de escolha, consciente, haverá também, o lado que ficou
negligenciado ou não escolhido, aquele que poderia ter sido vivido e
não foi. Neste sentido, a sombra estará sempre ao lado do indivíduo
e focaliza o resultado de suas escolhas.
Normalmente, reconhecer a sombra implica em “arrumar encrenca” e
colocar em questionamento toda a consciência de si: os hábitos,
crenças, valores, afetividade, etc. É um mergulho no desconhecido, é
ficar sem chão, é perder o apoio.
Sendo o confronto com a sombra um dos primeiros aspectos do processo
de individuação, é necessário um ego bem estruturado para reconhecer
que tudo aquilo que projetamos nos outros, principalmente as coisas
que menos gostamos, são nossas e de mais ninguém.
A sombra não possui, porém, somente aspectos negativos e rejeitados.
Possui também aspectos que impulsionam o ser humano para a
criatividade e busca de soluções, quando os recursos conscientes se
esgotaram. Por sorte, a sombra é insistente e não se sente acuada
com a repressão exercida pela consciência. Sempre arranja um jeito
de se manifestar, a inspiração é uma destas maneiras. Uma vida sem a
presença da sombra torna-se sem brilho e sem criatividade.
Quando, para a nossa adaptação social, desenvolvemos a persona,
somos obrigados a descartar vários aspectos que não condizem com a
atitude da consciência naquele momento. Estes aspectos poderão ser
úteis em outra época de nossas vidas, poderão voltar, uma vez que
não serão mais prejudiciais à nossa adaptação e poderão mudar o rumo
de nossa história.
A sombra, quando trabalha em harmonia com o ego, deixa a vida mais
colorida e rica.
Jung mergulhava em seu próprio inconsciente e trazia à luz, aspectos
que o ajudavam a entender o seu mundo e de seus pacientes. Muitas
vezes observou, nos sonhos e fantasias dos pacientes e nas suas
próprias fantasias, que os temas eram recorrentes, cujas diferenças
ficavam a cargo das experiências individuais de cada um, mas o cerne
do tema era o mesmo. Ao estudar mitologia entendeu que o mito é uma
projeção do inconsciente coletivo e refez a história de muitos
deuses e heróis da mitologia através de uma visão psicológica. Viu
no mito uma forma de expressão do inconsciente e passou a
utilizá-los no entendimento de suas própria fantasias e sonhos, como
também de seus pacientes.
A grande busca de Jung consistia em conhecer a si mesmo e o
significado da vida. Em suas pesquisas, percebeu que a psique trilha
um único objetivo, que é o encontro com seu próprio centro, a
unicidade, é o retorno do ego às suas origens. Deu então a esse
objetivo da vida psíquica o nome de Individuação, que não é
repentino, mas sim, se apresenta como um processo.
A motivação para a individuação é inata, porém o processo, em si, só
se dá no confronto do consciente com o inconsciente, o que resulta
num amadurecimento dos componentes da personalidade e na união
destes numa síntese, como também na realização de um indivíduo único
e inteiro.
O processo de individuação é o eixo da psicologia Junguiana. É
através dele que a pessoa vai se conhecendo, retirando suas
máscaras, retirando as projeções lançadas anteriormente no mundo
externo e integrando-as a si mesmo. Não se trata de um processo
fácil e simples, nem tampouco ocorre linearmente. É um processo
doloroso, difícil e ocorre em um movimento circunvolutório
direcionado a um novo centro psíquico, o Self.
O Self é o centro de toda a personalidade. Dele emana todo o
potencial energético de que a psique dispõe. É o ordenador dos
processos psíquicos. Conforme Hall observa “O Self é o principal
arquétipo do inconsciente coletivo, assim como o sol é o centro do
sistema solar. O Self é o arquétipo da ordem, da organização e da
unificação; atrai a si e harmoniza os demais arquétipos e suas
atuações nos complexos e na consciência, une a personalidade,
conferindo-lhe um senso de “unidade” e firmeza.”
O objetivo de toda personalidade é chegar ao autoconhecimento que é
conhecer o próprio Self. Jung conceituou o Self da seguinte forma:
“O Self representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a
realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra
sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia para
que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali,
exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha
consciência do que acontece, quer não.”
Jung buscou na Alquimia o respaldo para, de certo modo, validar sua
teoria da individuação. Percebeu que o aspecto simbólico da alquimia
representa o processo de individuação, onde o alquimista busca,
através de etapas, encontrar o ouro. Não se trata, entretanto, do
ouro enquanto metal precioso, porém de sua simbologia enquanto
preciosidade, numinosidade.
Jung reconhece que a individuação, embora seja um impulso inato, só
é possível quando da participação do ego, formando o eixo ego-Self,
um depende do outro. O ego é a maneira que a consciência tem de
tomar conhecimento do Self e sem este conhecimento não haverá
integração de conteúdos inconscientes, nem tão pouco individuação
como uma “expansão da consciência”.
Enquanto Jung trabalhava no hospital de Burgholzli, em 1900,
organizou um laboratório experimental de psicopatologia com o
objetivo de investigar reações psíquicas, através de um teste
desenvolvido por ele; “Teste de Associação de Palavras”. Os
resultados deste teste levaram Jung a formular, mais tarde, a teoria
dos complexos.
Para Jung os complexos são os caminhos que nos permite chegar ao
inconsciente. “A via regia que nos leva ao inconsciente, entretanto,
não são os sonhos, como ele [Freud] pensava, mas os complexos,
responsáveis pelos sonhos e sintomas.”
Portadores de uma carga energética substancial, os complexos têm
como núcleo o arquétipo e, em torno deste núcleo vão se concentrando
idéias ou pensamentos cheios de afetividade. Estruturam-se como
entidades autônomas quando uma parte da psique for cindida por causa
de um trauma, um choque emocional ou um conflito moral. Quando
totalmente inconscientes atuam livremente e podem tomar o ego.
Geralmente, aquelas situações em que ocorrem alterações da
consciência e também comportamentais, sem motivo aparente, são
manifestações da possessão do complexo sobre o ego.
Jung salienta que pode se dizer dos complexos em termos científicos,
o seguinte; “...o complexo emocionalmente carregado é a imagem de
uma determinada situação psíquica com uma carga emocional intensa
que se mostra, assim, incompatível com a habitual disposição ou
atitude da consciência. Essa imagem é dotada de certa coesão
interna, possui sua própria totalidade e dispõe, ainda, de um grau
relativamente alto de autonomia. Isto é, está muito pouco sujeita às
disposições da consciência e, por isso, comporta-se na esfera da
consciência como um corpus alienum (corpo alheio) cheio de vida...”
Os complexos não são em si negativos, seus efeitos, no entanto,
poderão ser. Porém como são nós de energia que possibilitam a
movimentação da psique acabam por se tornarem grandes aliados que
impulsionam o ser humano para o desenvolvimento psíquico. Podemos
superar um complexo vivendo-o intensamente e compreendendo o papel
que exercem nos padrões de comportamento e nas reações emocionais.
No seu sentido positivo, os complexos poderão ser uma fonte de
inspiração para futuras realizações. Von Franz descreve os complexos
da seguinte maneira: “Os complexos são os motores da psique. São
como diferentes núcleos, que impulsionam e vitalizam a psique. Se
não tivéssemos complexos, estaríamos mortos.”
Não existe um número fechado de complexos sobre os quais poderíamos
discorrer, porém existem aqueles que, pela sua constelação mais
freqüente, são mais fáceis de serem analisados, como o complexo
materno, o complexo paterno, o complexo de poder, o complexo de
inferioridade, o de superioridade, etc.
Para Jung, o Ego é um complexo; o “complexo do ego”. Diz ele, sobre
o Ego: “É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção
geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de
nossa memória. Todos temos uma certa idéia de já termos existido,
quer dizer, de nossa vida em épocas passadas; todos acumulamos uma
longa série de recordações. Esses dois fatores são os principais
componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um
complexo de fatos psíquicos.”
O complexo do ego, entretanto, é diferente dos outros complexos,
porque se impõe como centro da consciência e atrai para si os demais
conteúdos conscientes, visa também, mais do que outro complexo, a
totalidade.
Embora a psique seja composta de estruturas bastante diversas,
muitas vezes se opondo umas às outras, existe entre elas uma forte
interação que poderão se dar de três formas. Uma estrutura pode
compensar a fraqueza da outra, um componente pode se contrapor a
outro, e duas ou mais estruturas podem se unir formando uma síntese.
A compensação pode se dar, por exemplo, entre o ego e a anima de um
homem, assim como o ego e o animus de uma mulher. O ego normal do
homem é masculino enquanto a anima é feminina e na mulher sendo o
ego feminino o animus é masculino. Assim, uma masculinidade
exacerbada num homem pode estar mostrando um inconsciente frágil,
delicado e sensível, neste caso o inconsciente atua de maneira
compensatória proporcionando uma espécie de equilíbrio entre os
elementos contrastantes, evitando uma desintegração da psique.
As tensões oriundas dos conflitos entre as instâncias da psique são
inevitáveis e imprescindíveis, pois, são elas que constituem a
própria essência da vida. Os conflitos existem porque existem
oposições em qualquer parte da personalidade e o ego deve atender às
exigências externas da sociedade e as exigências internas do
inconsciente coletivo. Jung achava que sempre era possível haver uma
união dos contrários e com isso surgir um terceiro elemento da
síntese dos dois numa função que ele chamou de função transcendente.
Segundo Hall, “Essa função é dotada da capacidade de unir todas as
tendências contrárias da personalidade e de trabalhar para que se
atinja a meta da totalidade.”
Os conceitos apresentados neste capítulo constituem os princípios
básicos da Psicologia Analítica na qual me oriento para a execução
deste trabalho. A teoria Junguiana da personalidade humana é muito
mais ampla do que o aqui exposto e vale a pena ser estudada mais
profundamente, entretanto, os conteúdos aqui considerados são
suficientes para o desenvolvimento do trabalho.
Vanilde Gerolim Portillo - Psicóloga Clínica - Pós-Graduada e
Especialista Junguiana - Atende em seu consultório em São Paulo:
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