A Mente Humana
Por Dr. Wagner Paulon
05/04/2008
Da mesma forma que somos donos de um grande armazém de lembranças,
podemos reconhecer, apreciar e ambicionar vasto número de
oportunidades para satisfazer nossos instintos, o que é inteiramente
negado às árvores, aos cães e às minhocas. Mas o espírito é mais que
simples lembrança e aforismo.
Esses contentamentos, afinal, utilizam o mesmo equipamento físico e
simples que os cães e, até certo ponto, as minhocas têm em comum
conosco. (Nisto o reino vegetal é diferente, é claro.) Passear,
lutar, sentir, respirar, ouvir um concerto, amar ou candidatar-se a
deputado, tudo isso requer maquinaria não só física como
psicológica. São produtos dos estímulos a agirem — através do
espírito — sobre os músculos e as glândulas.
O intercâmbio de fatores psicológicos e físicos, de fato, é tal que,
salvo para fins teóricos, são quase inseparáveis. Costumava haver
disputas entre psicólogos sobre se um homem corria porque estava com
medo ou estava com medo porque corria. Sabemos agora que ambas as
atitudes são verdadeiras; a corrida faz parte da ação do espírito,
naquela questão, tanto quanto o empalidecimento da pele ou a
palpitação do coração, o arrepio dos cabelos ou a ilusão de ter
visto um espectro.
Consiste numa tarefa irrealizável, debater com vantagem sobre
diferentes tipos de espírito sem se referir a todos os vários
fatores que passam a formar os diferentes tipos de seres humanos.
Psicólogos costumavam pensar que o espírito era, simplesmente,
função do cérebro, do mesmo modo que a bílis é produto do fígado e a
respiração função dos pulmões. Sabemos, agora, que se requer muito
mais que dois pulmões para fins de respiração (também um nariz,
traquéia, alguns músculos do peito, um diafragma e um centro
regulador). Sabemos, do mesmo modo, que o cérebro é apenas um dos
órgãos do espírito, isto é, apenas parte do mecanismo que auxilia o
indivíduo em suas adaptações.
A psique depende, até certo ponto, do armazém de lembranças do
cérebro; mas depende também das extremidades nervosas sensórias, na
pele, e das extremidades nervosas motoras, nos músculos; depende dos
próprios músculos e, até certo ponto, de todas as estruturas físicas
do corpo.
Diante destes fatores acima citados concluímos que, ao escrevermos
sobre a "mente humana", devemos abandonar o projeto de escrever a
respeito dela no sentido de constituir o pequeno repositório de
truques do cérebro. Temos que escrever sobre ela como processo de
ajustamento. E, nisso, encontramos dificuldade, pois escrever sobre
processos é matéria sem substância; é nos seres humanos e na maneira
pela qual esses processos a eles se aplicam que as pessoas estão
interessadas. Como poderemos indicar que nosso centro de interesse
está no ser humano como um amontoado de instintos, hábitos,
lembranças, órgãos, músculos e sensações, passando tudo por um
processo, um processo constantemente em transformação, no esforço de
tornar-se mais confortável, constantemente modificando seu ambiente
para o mesmo fim e constantemente sendo modificado por seu ambiente,
às vezes para melhor e outras para pior?
O termo (Personalidade) “Organização constituída por todas as
características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um
indivíduo" serve a nosso fim. Ela, naturalmente, tem sido empregada
para descrever quase tudo, desde os atributos da alma até aos de um
novo talco. Do modo por que vou usá-la, significa o indivíduo como
um todo, sua altura e seu peso, seus amores e ódios, sua pressão
sangüínea e seus reflexos; seus sorrisos e esperanças, suas pernas
tortas e suas amídalas inflamadas. Significa tudo que qualquer
pessoa é e tudo que ela esteja procurando ser. É esse o significado
psiquiátrico moderno do termo “personalidade” (Organização
constituída por todas as características cognitivas, afetivas,
volitivas e físicas de um indivíduo).
Dr. Wagner Paulon - Formação em psicanálise (Escola Paulista),
mestre em psicopatologia (Escola Paulista), psicologia (Saint
Meinrad College) USA, pedagogia (FEC ABC), MBA (University Abet)
USA, curso de especialização em entorpecentes (USP), psicanalista
por muitos anos de vários hospitais de São Paulo.