O Mito de Perseu
Por Alexandre Quinta Nova Teixeira
28/04/2007
1 - O MITO:
O mito de Perseu começa com a luta de seu avô ( Acrísio ) com seu
irmão gêmeo ( Preto ), pelo trono de Argos. O avô de Perseu vence e
cede o trono de Tirinto para Preto.
Do casamento de Acrísio com Eurídece nasce Dânae. Acrísio consulta o
oráculo sendo alertado que se Dânae gerasse um filho, este mataria o
avô. Desta forma Acrísio fica atemorizado e coloca Dânae numa câmara
de bronze subterrania para que esta não tivesse contato com homem.
Mas este recurso não foi eficaz e Dânae engravida. Não se sabe quem
e nem como Dânae engravidou. Sobre este assunto há duas versões: a
primeira diz que seu tio Preto é quem fecundou Dânae enquanto a
outra versão diz que Zeus se apaixonou pela princesa e fecundou-a
sob chuva de ouro.
Como a câmara não deu certo o rei de Argos expulsa Dânae com seu
filho Perseu, pois a suas leis não foram cumpridas. Com isto os dois
vão ao mar numa arca.
Perseu e sua mãe acabam chegando a ilha de Sírifos ( ilha dos
mortos), onde o seu rei era Polidectes ( recebedor de muitos). Em
Sírifos Dânae e Perseu são recolhidos por Dictis ( a rede ), que é
um homem humilde irmão do rei. Este protege o Perseu e a sua mãe em
sua casa. Desta forma Dictis cria Perseu que se torna um homem
jovem, forte e esbelto. Nesta condição Perseu irá proteger a sua mãe
dos assédios sexuais do rei.
O rei organiza um banquete e convida vários súditos que lhe oferecem
cavalos como forma de agradecimento, com exceção de Perseu que
movido por um súbito orgulho oferece ao rei a cabeça de Medusa.
Polidectes aceita a oferta, pois ele vê que da impossível tarefa uma
possibilidade de ficar com Dânae.
Com a separação de sua mãe Perseu vai contar com o auxilio
sobrenatural, que são os espíritos tutelares. Estes espíritos são:
Hermes, que é o deus da comunicação e da hermenêutica oculta, e
Atená, que é a deusa da inteligência.
Estes deuses deram objetos que iriam auxiliar Perseu na batalha com
a Medusa. Atená lhe dá um escudo semelhante a um espelho e o
aconselha para não olhar direto para Medusa, pois assim ele seria
petrificado. Hermes dá a Perseu uma espada para ele cortar a cabeça
da Medusa.
Assim Perseu sai do Ocidente para o Oriente, afim de enfrentar o seu
primeiro obstáculo que são as Gréias. Elas eram em número de três e
só possuíam um único olho e por isto montavam guarda no caminho em
turnos, estando duas dormindo e uma vigiando. Somente as Gréias
sabiam do caminho para chegar nas Gorgonas, que são três Esteno e
Euríole ( imortais ) e Medusa que é mortal .
Desta forma Perseu roubou o olho da Gréia e promete devolve-lo se
elas mostrassem o caminho até as ninfas e as Gorgonas. Com isto
Perseu consegue facilmente da informação que ele precisava.
Depois das Gréias, Perseu vai ao encontro das ninfas onde ele obtém
o capuz da invisibilidade de Hades, sandálias com asas que permitem
voasse e um kíbisis, que é uma sacola para transportar a cabeça da
Medusa.
Só aí, munido de todo este arsenal mágico, que Perseu está
habilitado para enfrentar a Medusa. A Medusa é representada com uma
face monstruosa, sempre de frente seus cabelos são em forma de
serpente, orelhas como as de um boi e a sua língua de fora.
Quando encontra a Medusa, Perseu paira, voando sobre ela e contempla
a sua imagem no espelho. Assim o herói evita olhar Medusa de frente
e se transformar em pedra. Desta forma Perseu consegue decapitar a
cabeça da Medusa, e do seu pescoço saem o gigante Crisaor e o cavalo
alado Pégaso.
Depois de vencer a batalha com a Medusa, Perseu coloca a cabeça da
Górgona na kíbisis, o herói parte para Sérifo, auxiliado por sua
sandália alada. Passando pela Etiópia, encontrou um país assolado
por um flagelo. Isto porque a rainha local, Cassiopéia, julgou-se
ser mais bonita que a própria Hera. Como castigo, Posídon enviou um
terrível monstro para assolar o país. Consultado pelo oráculo, a
resposta foi que somente se a filha do rei, Andrômeda, fosse exposta
num rochedo, como sacrifício expiatório.
Neste instante, chegou Perseu , que se apaixonou pela bela vítima.
Com isto Perseu fez m pacto com o rei ,Cefeu, pedindo sua filha em
casamento tão logo vencesse o monstro.
Embora o herói tenha conseguido libertar Andrômeda o pacto não foi
cumprido, pois esta estava prometida a casamento a seu tio Fineu.
Ao descobrir a traição Perseu é ameaçado de morte. Com isto Perseu
mostra a cabeça de Medusa a Fineu e seus comparsas petrificando-os.
Assim Perseu rapta a filha de Cefeu, indo para Sérifo.
Quando o herói chegou em Sérifo com a cabeça da Medusa, Polidectes
não acredita que Perseu cumpre com sua promessa e quer atacá-lo.
Perseu, para se defender, usa a cabeça de Medusa e petrifica
Polidectes. Com isto o herói resgata sua mãe e vai para Argos.
Quando Perseu chega em Argos estão acontecendo uns jogos. Perseu
participa da prova de disco e joga o disco tão forte que mata o seu
avô que está na platéia. Assim se cumpre a profecia do oráculo.
2 - INTERPRETAÇÃO:
O Mito de Perseu está relacionado ao arquétipo do herói por diversos
autores. O herói é aquele que " nasceu para servir " sendo sempre
filho de um(a) deus(a) com um(a) mortal, tendo características
específicas desde sua vinda ao mundo. Neste trabalho pretendo
descrever a trajetória do herói e interpretar o mito descrito acima.
O significado do Perseu sugeri várias interpretações. J. Brandão na
sua pesquisa etimológica não é conclusiva, mas sugeri o significado
do "o sol nascente". Já Vernant partiu da etimologia do termo latino
" persona ", que significa a mascara ou papel social. Em ambos os
casos, a proximidade com a obscuridade é nítida em Perseu, ou seja
existe uma intima relação do nosso herói com o inconsciente.
Todo herói tem um nascimento complicado. No do Perseu não se sabe
exatamente como sua mãe engravidou. Com isto sua vinda ao mundo é
cercada de magia e mistério.
Dânae foi expulsa de Argos com o Perseu recém nascido. Os dois são
lançados ao mar. Com isto a exposição da criança, que é outra
característica de todos os heróis. Para J. Brandão a exposição está
ligada a rejeição pelo grupo social. Com esta atitude acontece a "
purificação das faltas da comunidades ", é como se a criança exposta
representasse tudo de mal que existe na comunidade, por isto ela foi
expulsa. A psicologia fala no " bode expiatório " que representa a
expulsão da criança por ser depositado tudo de ruim que acontece na
família ou na sociedade.
A exposição da criança é vista por Jung, como um arquétipo da
criança divina um símbolo do arquétipo do si-mesmo, que é o
organizador do processo de desenvolvimento da personalidade. Esta
idéia faz parte do inconsciente coletivo, onde Jesus também foi
exposto no seu nascimento.
Com a expulsão Perseu e sua mãe são jogados ao mar, que representa o
principio materno, numa arca.
Perseu e sua mãe escapam das águas chegando na ilha dos Sérifo.Com
isso nosso herói inicia a sua trajetória, com uma Katábasis, ou seja
descida ao reino dos mortos para uma posterior restauração da
consciência.
Quando Perseu oferece a cabeça da Medusa ao rei de Sérifos, há uma
separação da sua mãe e seu grupo de origem. Segundo Campbell, esta
separação é o primeiro passo da trajetória do herói. Para que o
herói execute sua tarefa é necessário que este tenha auxilio de
forças sobrenaturais "Espíritos Tutelares". Só assim, com seus
poderes mágicos, o herói está apto a cumprir sua tarefa. Separado de
sua mãe Perseu contará com a ajuda dos deuses Hermes e Atená. Assim
Perseu abandona a consciência entrando nas profundezas de seu
inconsciente.
No confronto de Perseu e Medusa é o ponto principal do mito, sendo
importante comentar o sentido arquetípico desta parte. Segundo
Vernant Medusa, Ártemis e Dioniso são poderes ritualisticamente
configurados como mascarados. Neste sentido a máscara, com sua
característica, separa a identidade da alteridade. Segundo Vernant
este conceito da alteridade é representado na Medusa não como um
outro homem, mas o outro do homem, isto é, a morte em vida
simbolizando um estado psicótico. Com isto Medusa representa um
estado caótico do inconsciente, com inversão e deformidade que
desafiam qualquer lógica racional. Isto acontece porque ao decapitar
a cabeça " mascara" da Medusa surge dela o gigante Crisaor e o
cavalo Pégasos.
Do ponto de vista psicológico o tema da petrificação está
relacionado com estados psicóticos. A paralisação nos traz em mente
uma extrema regressão de pacientes em estupor catatônicos, que é a
forma mais grave da esquizofrenia.
Quando Perseu decapita Medusa, ele destroi a imagem de sua mãe
negativa. Medusa simboliza a mãe que paralisa o filho não
possibilitando que ele se desenvolva. Enquanto que Dânae simboliza a
mãe positiva que é pura. Com isto um dos aspectos do herói
representa a necessidade de se afastar do seu herói. Isto só será
possível quando Perseu vence a Medusa, decapitando assim a sua
imagem de mãe negativa.
Depois que Perseu decapitou a cabeça da Medusa, o nosso herói volta
para Sérifo no caminho ele encontra Andrômeda e se apaixona, e
liberta ela do monstro. Nesta parte do mito Perseu resgata a sua
anima indiferenciada do arquétipo da grande mãe.
Outro ponto a ser discutido é que durante a sua trajetória o herói
não teve a presença do pai, já que sua mãe foi fecundada por Zeus.
Com isto o nosso herói não teve contato com arquétipo do pai.
Segundo Tavares" Portanto, em Perseu , a recusa ( Verleugnung)
também acontece em relação a imago do pai. Ou seja, existe um pai
que não existe. " De acordo com o autor esta recusa é fundamental
para uma estrutura perversa.
No mito Perseu traz a cabeça de Medusa para Polidectes. Esta parte
do mito representa a conscientização de conteúdos que estão no
inconsciente. Desta forma Perseu consegue integração de conteúdos
inconsciente.
Para Campbell, a grande façanha do herói supremo é alcançar o
conhecimento dessa unidade na multiplicidade e, em seguida, torna-la
conhecida. Esta façanha Perseu conseguiu ao decapitar a cabeça da
Medusa , que estava no inconsciente e trouxe ela para a consciência.
Para concluir é importante ressaltar que o mito de Perseu representa
a fortificação egoica e a indiferenciação do arquétipo da grande mãe
e aspectos infantis. Com isto o herói nos traz uma integração de
conteúdos inconscientes, nos possibilitando ser mais independente da
figura materna.
Referência Bibliograficas:
BOECHAT,W. Perseu e Medusa. In: Mitos e arquétipos do homem
contemporâneo. Ed. Vozes, Petropolis,RJ, 1996