O que é Psicologia
Por Alexandre Pedrassoli
30/05/2008
Este artigo foi escrito propositalmente em linguagem acessível e em
tom coloquial, para não se tornar chato e pedante, uma vez que é
para leigos. Se você quer um artigo científico, entre no
www.scielo.br ou no scholar.google.com e procure lá. Bom, também tem
outras coisas mais sisudas e “científicas” neste mesmo site. Dá uma
olhada, quem sabe?
Então tá. Daí você navegou por uns sites, leu que psicologia é isso
e aquilo e ainda não entendeu direito. Porque uns falam que a
psicologia estuda o comportamento, outros dizem que é o estudo da
consciência, outros que é o estudo da mente. Aí tem o Freud fumando
charuto e escutando um paciente que fica deitado, falando sem parar.
Mas de vez em quando aparece uma notícia de que um psicólogo
conseguiu ensinar um chimpanzé a apertar uns botões e ficou super
feliz (o psicólogo, não o chimpanzé). E aí tem um outro que estuda
parapsicologia e faz estudos com telepatia e outras coisas do além.
Você até já aprendeu que a palavra psicologia significa “estudo da
alma”, mas parece que o único que mexe com essa coisa de alma é o
cara da parapsicologia, às voltas com suas almas penadas...
Bom, se você pensa que agora sim, vai ter uma explicação simples e
definitiva, dançou. Porque eu também não sei definir bem o que é
psicologia, afinal até entre os psicólogos há divergências. Mas
vamos tentar juntos chegar a algumas idéias. Quem sabe no final
deste texto, você chega a uma definição de psicologia melhor que a
minha. Daí você me manda um comentário e a gente conversa.
Comecemos pelo modo mais simples: o “pai dos burros”, também
conhecido como dicionário (eu sei, o termo é politicamente
incorreto, mas vá lá). O dicionário Houaiss Online traz as seguintes
definições para a palavra psicologia:
1 Rubrica: psicologia. Ciência que trata dos estados e processos
mentais
2 Rubrica: psicologia. Estudo do comportamento humano ou animal
3 Conjunto dos traços psicológicos característicos de um indivíduo
ou de um povo, uma comunidade, uma geração etc. Ex.: <ele conhece
bem a p. do pai dele> <não entendo a p. dos jovens> <a p. dos
ingleses>
4 Curso universitário onde se ensinam os principais ramos da
psicologia, bem como ciências afins, e que forma o psicólogo. Ex.:
aluno de p.
5 atividade psicológica ou mental característica de uma pessoa ou
situação
6 capacidade inata ou aprendida para lidar com outras pessoas,
levando em conta suas características psicológicas; tato,
compreensão, jeito. Ex.: é preciso p. para lidar com delinqüentes
7 análise ou estudo psicológico de um livro, uma obra de arte, um
fato, um fenômeno, uma característica de algo etc. Ex.: <a p. do
conto francês> <a p. dos shows de rock>
Pronto, começou a encrenca! Sete definições! Bom, vamos por partes.
Tá vendo aquelas duas primeiras onde aparece “Rubrica: psicologia”?
Isso significa que quem fez essas definições foi a própria
psicologia. As outras definições, de 3 a 7, são usos mais do
dia-a-dia para a palavra, que não dizem respeito à ciência da
Psicologia. As definições que nos interessam são as duas primeiras:
“estudo dos estados e processos mentais” e “estudo do comportamento
humano ou animal”. Vamos dar uma olhada nelas.
Mas antes de qualquer coisa, você precisa saber que há muita
discordância entre os diversos teóricos da psicologia. Ao longo da
história da psicologia, muitos pesquisadores lançaram críticas aos
seus antecessores e propuseram novas formas de estudar os processos
psicológicos. Algumas vezes, isso fez com que a forma anterior fosse
abandonada para sempre. Outras vezes, a nova proposta não matou a
teoria anterior, mas criou uma nova corrente de pensamento, fazendo
com que as duas correntes, a nova e a antiga, continuassem seguindo
seus rumos de forma independente. Um exemplo disso foi quando
Sigmund Freud criou a psicanálise, por volta do ano 1900, afirmando
a existência do inconsciente, uma parte de nossa mente que guarda
pensamentos e idéias que não podemos perceber conscientemente.
Outras linhas de psicologia já existiam antes de Freud, e muitos dos
antigos psicólogos não aceitaram a nova proposta. E de fato, muitos
não aceitam até hoje, o que faz com que ainda existam duas linhas
diferentes dentro da psicologia, que surgiram a partir da divisão
iniciada por Freud.
Voltemos então ao dicionário. Vamos pegar a definição “ciência do
comportamento humano ou animal”. Parece simples e óbvio, afinal todo
mundo sabe o que é comportamento, não é? Não, não é. Diga-me você
então o que é comportamento. É difícil descrever? Então vamos por
exemplos. Falar é um comportamento? Sim. Andar é um comportamento?
Sim. Até aí está muito fácil. Mas aí podemos complicar um pouco.
Lembrar é um comportamento? Imaginar é um comportamento? E sonhar,
seria um comportamento? Você pode responder sim ou não a estas
perguntas, dependendo do que você entende por comportamento. Da
mesma forma, no começo da história da psicologia moderna, lá entre
os anos 1800 e 1900, alguns cientistas disseram sim e outros
disseram não. E, é claro, cada um achava que estava mais certo que o
outro. E mesmo entre os que concordavam com o “sim”, surgiam outras
divergências. Eles pensavam: Tudo bem, vamos admitir que imaginar
seja um comportamento. Mas como medir a imaginação? Como observá-la
objetivamente ocorrendo na mente de uma pessoa? A necessidade de
medir o fenômeno e de observá-lo objetivamente era uma exigência da
ciência tradicional, criada nos moldes das ciências naturais
(Física, Química, etc.). E a psicologia queria ser uma ciência,
então precisava adequar-se. Aí, para resolver o problema de como
medir, uns criavam engenhosos processos, treinando a pessoa para que
ela aprendesse como relatar detalhadamente o que se passava em sua
mente, ou ainda faziam medidas de alterações fisiológicas no
organismo da pessoa, associando as alterações orgânicas aos
processos mentais que não podiam ser medidos diretamente. Outros
ainda, desprezaram esses processos que não podiam ser diretamente
observados, dizendo que se não era possível medi-los, então não
deviam fazer parte da psicologia. Outros, mais arrojados, e
principalmente depois de 1900, começaram a suspeitar que aquele
modelo de ciência não era mais suficiente para explicar os fenômenos
psicológicos e começaram a propor novos modelos.
Em determinados momentos históricos surgiram visões radicalmente
novas sobre o ser humano, e daí uma nova corrente de pensamento
passava a desenvolver a psicologia segundo essa visão. Questões
filosóficas ainda sem resposta, como qual a dose de livre-arbítrio
que cada indivíduo possui, são uma das chaves para compreender
porque as correntes psicológicas não conseguiam, e ainda não
conseguem, aceitar umas às outras e formar um corpo único para a
psicologia. Mas não se preocupe, a psicologia é ainda bebê.
Historicamente ela acabou de nascer. É possível que no futuro todas
as correntes de pensamento acabem convergindo para um mesmo ponto e
uma unificação seja possível.
Foi assim que, a cada novo assunto estudado e a cada nova pergunta
formulada, surgiram divergências de opiniões, criaram-se novas
correntes de pensamento, iniciaram-se novos embates e discussões.
Cada nova linha de pensamento recebeu novos adeptos, que
acrescentaram informações ou corrigiram afirmações feitas
anteriormente. De todas essas reviravoltas, chegamos hoje a uma
psicologia que se apresenta em três grandes correntes de pensamento,
ou três “forças”. Cada uma delas tende a rejeitar as outras e
procurar impor-se como a que melhor explica o ser humano. Cada uma
delas tem sua própria definição de psicologia e sua própria visão de
homem. Há ainda uma quarta força, que representa a primeira
tentativa de unificação das três anteriores. Vamos a elas:
A Primeira Força
A primeira força em Psicologia é o Behaviorismo, ou
Comportamentalismo, ou ainda Psicologia Comportamental. Para esta
força caberia perfeitamente aquela definição que encontramos no
dicionário: “estudo do comportamento humano ou animal”. A abordagem
comportamental surgiu trazendo em si a noção de que era possível
prever o comportamento humano ou animal, pois o comportamento era
sempre determinado por uma série de variáveis. Se fosse possível
conhecer todas as variáveis, seria possível prever o comportamento
do indivíduo. Também seria possível controlar seu comportamento,
manipulando-se as variáveis que determinavam aquele comportamento.
Afirma que o ser humano é condicionado, ou seja, seu comportamento é
aprendido e ele tende a repeti-lo quando recebe uma recompensa por
ele e tende a abandoná-lo quando não recebe nada em troca ou quando
recebe uma punição.
Um exemplo clássico é o da criança birrenta. A criança pede um doce.
A mãe diz que não vai dar. A criança começa então a gritar,
espernear, se joga no chão e puxa os cabelos (é, meu amigo, é
provável que você já tenha feito isso um dia, lembra?). Aí a mãe se
apavora, morre de vergonha e, para acabar com aquela cena de horror,
vai correndo pegar o doce para a criança. A criança,
instantaneamente exorcizada, pára de chorar e se empanturra com a
guloseima. Pergunta: qual será o comportamento da criança da próxima
vez que ela quiser alguma coisa e a mãe recusar? É previsível: birra
de novo! Por quê? Porque da primeira vez a birra foi recompensada
com o doce. A mãe desavisada acha que resolveu o problema mas o que
fez foi reforçar aquele comportamento da criança. Pode-se eliminar
esse comportamento indesejável? Sim, elimine-se a recompensa e o
comportamento será extinto. Se a mãe tolerar algumas vezes a birra
da criança sem dar o doce, a criança vai deixar de fazer birra
porque percebe que aquele comportamento não lhe traz nenhum ganho.
Portanto, segundo esse raciocínio é possível não só prever mas
também controlar o comportamento de um indivíduo. Se você já
assistiu Laranja Mecânica, saiba que o filme é uma crítica às
técnicas comportamentais de modelagem do comportamento humano, que
estavam em alta na época do filme (1971). Se não assistiu, assista e
você vai entender. Mas vá preparado: o filme tem algumas cenas bem
violentas. Depois não diga que não avisei.
A abordagem comportamental utilizou experimentos com animais para
fundamentar as bases do comportamento humano. É muito criticada por
isso pelas outras abordagens, que a julgam uma visão muito simplista
do ser humano, por reduzi-lo a suas semelhanças com o animal e a
seus comportamentos condicionados, perdendo de vista toda a riqueza
da condição humana. Um dos grandes nomes do Behaviorismo, B. F.
Skinner, assim responde às críticas de que o modelo comportamental
não admite liberdade de escolha ao ser humano:
Eu creio que uma análise científica do comportamento deve supor que
o comportamento de uma pessoa está controlado por suas histórias
genética e ambiental, e não pela pessoa mesma como agente iniciador
e criativo; [...] não podemos provar que o comportamento humano como
um todo está completamente determinado, mas esta proposição vai-se
fazendo mais plausível à medida em que se acumulam os fatos, e creio
que há chegado ao ponto em que se deve considerar seriamente suas
implicações.
A psicologia comportamental representa a tentativa mais bem-sucedida
de adequar a psicologia ao modelo tradicional de ciência. Faz
críticas a outras linhas justamente porque as demais não se encaixam
perfeitamente nesse modelo de ciência, e recebe críticas dos que a
julgam excessivamente rígida e presa a um modelo de ciência em
extinção, baseado nas ciências naturais.
A Segunda Força
A segunda força é a Psicanálise, criada por Sigmund Freud, por volta
de 1900. A grande inovação trazida por Freud foi introduzir na
psicologia a noção do inconsciente. Segundo a visão psicanalítica, a
mente humana é composta por uma parte consciente e uma parte
inconsciente. A parte consciente contém todos os conhecimentos e
informações que utilizamos conscientemente. Nossos pensamentos,
emoções conhecidas, memórias, reflexões e devaneios estão todos lá.
Mas essa é apenas uma parte muito pequena da mente. A outra parte, o
inconsciente, é muitas vezes maior que a parte consciente. Lá estão
nossos instintos e impulsos primitivos, e as coisas que não
aceitamos sobre nós mesmos. Normalmente não temos acesso a essa
parte, mas ela funciona e governa nossos comportamentos,
independente de nossa vontade. Enquanto essa parte desconhecida
governa nosso comportamento, não temos controle pleno sobre nossos
atos. O trabalho do terapeuta então é trazer os conteúdos
inconscientes para a consciência, de modo que tenhamos a
possibilidade de tomar decisões mais de acordo com nossa vontade
consciente.
Freud identificou e criou algumas formas de acessar o inconsciente:
inicialmente trabalhou com a hipnose, mas posteriormente abandonou-a
por encontrar outros métodos mais eficientes. Os principais são os
sonhos, o método de associação livre e os atos falhos ou lapsos.
Freud afirmou que os sonhos são uma realização de desejos
inconscientes. No sonho, acontece aquilo que você deseja. Mas sempre
é um desejo que você mesmo não aceita que possui, normalmente por
razões morais. Por exemplo, você teve uma séria briga com seu pai e
no mesmo dia sonhou que ele estava caindo num abismo. Isso pode
indicar que naquele momento você desejou a morte de seu pai. Por ser
um desejo moralmente inaceitável, ele permanece inconsciente e se
realiza através do sonho. É claro que este é um exemplo bem didático
e simplista. Normalmente, mesmo nos sonhos o desejo inconsciente
aparece de forma bem mais disfarçada. Um outro método de acesso ao
inconsciente é a associação livre. Esse método foi criado por Freud
e consiste em pedir que o paciente vá falando livremente sobre
qualquer assunto a partir de um dado tema. Analisando as divagações
do paciente por assuntos aparentemente sem qualquer relação entre
si, pode-se encontrar as conexões inconscientes. Por isso aquela
imagem clássica do paciente deitado no divã e falando sem parar,
enquanto o terapeuta só escuta.
O homem é visto por Freud como um ser que busca o prazer e evita o
desprazer, guiado fundamentalmente por instintos primitivos. Freud
era psiquiatra e seus estudos foram quase todos feitos sobre pessoas
com distúrbios psíquicos. É criticado, portanto, por focalizar
excessivamente a doença e não a saúde. A psicanálise é ainda
considerada por muitos uma abordagem não científica, pois alegam que
não se pode comprovar a existência do inconsciente. Outra crítica
refere-se ao que se chama “determinismo psíquico”, ou seja, o homem
não tem liberdade de escolha, uma vez que está sempre sendo guiado
por desejos inconscientes.
A Terceira Força
A Psicologia Humanista representa a terceira força em psicologia.
Surgiu entre as décadas de 1950 e 1960, como reação e crítica às
duas forças anteriores, que na época dominavam o cenário. Não há um
fundador ou teórico que iniciou essa abordagem, mas normalmente
considera-se Abraham Maslow o pai da Psicologia Humanista,
principalmente pelo seu papel como articulador e organizador do
movimento. Maslow, junto com Anthony Sutich, foram os principais
responsáveis pelo lançamento, nos Estados Unidos, da Revista de
Psicologia Humanista em 1961, e pela fundação da Association for
Humanistic Psychology, em 1962. Maslow dizia que o Behaviorismo e
Psicanálise não se preocupavam com o tema da saúde psicológica e
propôs-se a trabalhar nesse sentido. Suas teorias foram construídas
pela observação não de pessoas doentes, mas de pessoas com saúde
mental acima da média, ou pessoas auto-realizadoras, como ele as
denominou. Deve-se destacar ainda o nome de Carl Rogers, com sua
Terapia Centrada na Pessoa, um dos grandes colaboradores do
movimento humanista, principalmente na fundamentação teórica dessa
nova forma de psicologia.
O movimento humanista teve apoio e influência de psicólogos e
teóricos de diversas áreas, incluindo as teorias de discípulos
dissidentes de Freud, como Adler, Jung, Otto Rank, William Reich e
Ferenczi. Teve forte influência da Psicologia da Gestalt alemã, com
sua visão holística e organísmica, a ainda das Psicologias
Existenciais e da Fenomenologia.
A Psicologia Humanista vê o processo psicoterapêutico como uma
técnica de crescimento pessoal ou de desenvolvimento do potencial
humano, e não como técnica de tratamento de doenças mentais.
Portanto, se você ainda achava que psicólogo é coisa pra louco,
saiba que foi o movimento humanista que mudou essa história. Eles
passaram a defender a idéia de que a psicoterapia era um processo de
autoconhecimento, útil a qualquer pessoa. Deixaram de chamar o
paciente de “paciente”, passando a chamá-lo “cliente”. Os humanistas
afirmam que as pessoas só podem ser compreendidas como indivíduos.
Não se pode conhecer uma pessoa a partir de dados estatísticos da
população ou a partir de estudos com animais, uma crítica aos
métodos do behaviorismo e da ciência tradicional. E ainda, as
pessoas precisam ser compreendidas de forma completa e dentro de seu
ambiente natural, e não através de análise de partes do
comportamento ou através de experiências em laboratório.
Tom Greening é psicoterapeuta humanista e foi editor da Revista de
Psicologia Humanista de 1971 a 2005. Ele descreve os cinco
postulados básicos da Psicologia Humanista desta forma:
1) Seres humanos são mais do que a soma de suas partes. Não podem
ser reduzidos a partes ou funções que os compõem.
2) Seres humanos só podem ser compreendidos no contexto humano.
3) Seres humanos são conscientes e conscientes de si mesmos.
4) Seres humanos têm livre-arbítrio e responsabilidade por suas
escolhas.
5) Seres humanos são intencionais, perseguem objetivos, sabem que
podem alterar eventos futuros e estão em busca de sentido, valor e
criatividade.
O movimento humanista, em seu início, atraiu todo tipo de
contestadores do sistema e logo sofreu críticas de quem o acusava de
ser um movimento pouco sério. Também recebe críticas por não se
adequar totalmente ao modelo tradicional de ciência, e por seu amplo
escopo, que por reunir interesses de diversas correntes de
pensamento, pode parecer um pouco mal-definido para quem não segue
essa abordagem.
A Quarta Força
Se a terceira força já é criticada pelo seu escopo muito abrangente,
aqui ele se torna ainda mais amplo. A quarta força da psicologia é a
Psicologia Transpessoal. De modo diferente das outras três, a
abordagem transpessoal surgiu como conseqüência da terceira força. É
uma ampliação de Psicologia Humanista e não uma crítica a ela. Foram
os mesmos Abraham Maslow e Anthony Sutich, articuladores do
movimento humanista, os responsáveis por organizar e dar corpo ao
movimento transpessoal. O movimento inicia-se em meados da década de
1960. Em 1969 foi criada a Revista de Psicologia Transpessoal e em
1972 funda-se a Association for Transpersonal Psychology.
O movimento transpessoal inicia seu surgimento quando os psicólogos
humanistas começaram a observar, em atendimentos clínicos e em
trabalhos com grupos, fenômenos que atestavam que o potencial humano
era muito maior do que eles inicialmente imaginavam. Havia fenômenos
e percepções que as pessoas tinham, que não podiam ser explicados
pela percepção dos cinco sentidos, pois pareciam estar além disso.
Estranhas sensações de poder e de bem-estar surgiam repentinamente,
tanto para o terapeuta quanto para o cliente, quando ambos entravam
em contato profundo durante uma sessão de terapia. Nesses momentos,
os terapeutas relatavam que de repente não percebiam a barreira
entre si e o cliente. Era como se eles fossem apenas um. Nos
experimentos com grupos, duas ou mais pessoas sonhavam o mesmo
sonho, ou compartilhavam imagens, ou tinham repentinas e profundas
experiências interiores que mudavam radicalmente seu modo de ser. Um
dos que relataram esses momentos durante a o atendimento terapêutico
foi Carl Rogers, o psicólogo humanista, na última fase de seu
trabalho, a partir de meados de 1970. Ele descreve esses momentos:
Sinto que nos melhores momentos da terapia há um mútuo estado
alterado de consciência. Que ambos, de alguma forma, transcendemos
um pouquinho o que somos ordinariamente, e que há uma comunicação
acontecendo, que nenhum de nós compreende mas que é muito reflexiva.
(Rogers, citado por Wood, 1991, p. 71)
Na tentativa de compreender esses “momentos mágicos” da
psicoterapia, em que a consciência parece avançar além dos limites
do próprio corpo para se fundir com a consciência do cliente, alguns
psicólogos começaram a encontrar descrições de estados semelhantes
em tradições filosóficas orientais, como o zen-budismo e o taoísmo,
e também nas práticas de ioga e artes marciais. Tradições esotéricas
de todas as religiões (cabala, sufismo, mística cristã) relatavam
experiências consideradas místicas, que coincidiam com aquelas
experiências de grupos em que pessoas passavam por repentinas e
profundas transformações de seu modo de ser.
Começou então a surgir uma nova proposta de psicologia, que
incorporava a dimensão espiritual do ser humano, e considerava a
existência de níveis de consciência superiores ao nosso nível
“normal”. A Psicologia Transpessoal contou ainda com os
pesquisadores que faziam experimentos com drogas psicodélicas
(Stanislav Grof, Aldous Huxley), incorporou a nova visão de mundo
trazida pela Física Quântica, afirmando que a consciência pode
interferir diretamente na realidade, reafirmaram a auto-realização
dos humanistas e incluíram a noção de auto-transcendência, a
necessidade de superar a si mesmo enquanto pessoa, para atingir
níveis mais elevados de consciência, e daí o nome transpessoal (além
do pessoal). Ken Wilber, um dos grandes teóricos da linha
transpessoal, em 1977, propôs o modelo que chamou de Espectro da
Consciência, em que aponta a existência de diversos níveis de
consciência, afirmando que cada abordagem psicológica
especializou-se em trabalhar em determinado nível, mas que uma
abordagem completa deve considerar todos os níveis. Fundou então a
linha que ele denominou Psicologia Integral, talvez a primeira
tentativa de fornecer uma compreensão global e não-excludente de
todas as abordagens em Psicologia.
A abordagem transpessoal recebe severas críticas dos que a
consideram mística, não-científica. Há, entretanto, um número
crescente de trabalhos, teóricos e práticos, publicados dentro dessa
abordagem. A visão transpessoal critica a atitude das três outras
forças, que tentam defender a sua visão como única e procura
trabalhar de forma a integrar todas as abordagens.
Concluindo
Bom, se você pensou que ia ter uma definição simples para a
psicologia, eu sinto muito. Essa definição simples não existe. Mas
isso não é privilégio da psicologia. Pergunte para um biólogo o que
é a Biologia. Se ele disser que é o “estudo da vida”, pergunte então
o que é a vida. Acho que ele vai se enrolar um pouco para responder.
Ou pergunte para um físico o que é a matéria e você encontrará
várias respostas diferentes. E para cada resposta diferente, você
vai ter uma noção diferente do que é a Física. É assim também para a
Psicologia. Uma ciência onde o homem busca a compreensão de si mesmo
não tem como ter uma definição simples.
Como você pôde perceber, cada corrente de pensamento acaba
apresentando sua própria visão de homem e sua própria definição de
qual é o objeto de estudo de psicologia.
Ah, é claro, o dicionário! Eu já ia me esquecendo. Você deve ter
notado que as definições do dicionário dizem muito pouco sobre o que
é a psicologia. Pode-se pensar em muitas outras definições,
dependendo da abordagem. Os transpessoais poderiam dizer “estudo da
consciência em seus diversos níveis”, os humanistas poderiam dizer
“estudo do potencial humano” e os psicanalistas poderiam criar algo
como “estudo dos mecanismos psíquicos conscientes e inconscientes”.
Todos eles dizem algo sobre a psicologia, mas cada um diz apenas uma
parte. A definição que encontramos no dicionário, “estudo do
comportamento humano ou animal”, cabe perfeitamente para a primeira
força, o behaviorismo, mas seria prontamente rejeitada pelos
humanistas, que não admitem as experiências em laboratório com
animais. Devo dizer também que a outra definição do dicionário,
“ciência que trata dos estados e processos mentais”, é a definição
geralmente usada pela Psicologia Cognitiva, que é em muitos aspectos
uma extensão da Psicologia Comportamental, tanto que atualmente
estão em alta as Terapias Cognitivo-Comportamentais.
E como eu falei de parapsicologia no começo, cabe ainda uma
informação. A parapsicologia não faz parte da psicologia e não é
reconhecida no corpo teórico da psicologia. Porém, alguns psicólogos
humanistas acabaram de forma inesperada esbarrando em alguns
fenômenos anteriormente estudados pela parapsicologia, o que os
levou a fundar a Psicologia Transpessoal.
Espero que tenha ajudado um pouco a dar uma visão geral das muitas
facetas da psicologia. Espero também ter colaborado para aumentar
seu interesse pelo assunto, e que você continue estudando. Ficaria
muito feliz de receber seus comentários, perguntas e sugestões. Em
breve, espero publicar mais a respeito do assunto, que para mim é
fascinante. Até lá.
Referências Bibliográficas
Boainain Jr., Elias. Transcentrando: Tornar-se transpessoal.
Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Instituto de
psicologia. São Paulo, 1996.
Fadiman, James; Frager, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo:
Harper & Row do Brasil, 1979.
Hall, Calvin Springer; Lindzey, Garner. Teorias da Personalidade.
São Paulo: EPU, 1984.
Maslow, Abraham M. Toward a Psychology of Being. 3.ed. Now York:
John Wiley & Sons, 1998.
Rogers, Carl R. Tornar-se pessoa. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
Schultz, Duane P; Schultz, Sydney E. História da Psicologia Moderna.
15.ed. São Paulo: Cultrix, 2002.
Wood, John Keith. Dimensões dos Grandes Grupos. In: Brandão, Denis
H. S.; Crema, Roberto. Visão Holística em Psicologia e Educação. São
Paulo: Summus, 1991. p. 67-73.
Fonte: site do autor: www.pedrassoli.psc.br