O que é Psicologia
Por Alexandre Pedrassoli
30/05/2008


Este artigo foi escrito propositalmente em linguagem acessível e em tom coloquial, para não se tornar chato e pedante, uma vez que é para leigos. Se você quer um artigo científico, entre no www.scielo.br ou no scholar.google.com e procure lá. Bom, também tem outras coisas mais sisudas e “científicas” neste mesmo site. Dá uma olhada, quem sabe?

Então tá. Daí você navegou por uns sites, leu que psicologia é isso e aquilo e ainda não entendeu direito. Porque uns falam que a psicologia estuda o comportamento, outros dizem que é o estudo da consciência, outros que é o estudo da mente. Aí tem o Freud fumando charuto e escutando um paciente que fica deitado, falando sem parar. Mas de vez em quando aparece uma notícia de que um psicólogo conseguiu ensinar um chimpanzé a apertar uns botões e ficou super feliz (o psicólogo, não o chimpanzé). E aí tem um outro que estuda parapsicologia e faz estudos com telepatia e outras coisas do além. Você até já aprendeu que a palavra psicologia significa “estudo da alma”, mas parece que o único que mexe com essa coisa de alma é o cara da parapsicologia, às voltas com suas almas penadas...

Bom, se você pensa que agora sim, vai ter uma explicação simples e definitiva, dançou. Porque eu também não sei definir bem o que é psicologia, afinal até entre os psicólogos há divergências. Mas vamos tentar juntos chegar a algumas idéias. Quem sabe no final deste texto, você chega a uma definição de psicologia melhor que a minha. Daí você me manda um comentário e a gente conversa.

Comecemos pelo modo mais simples: o “pai dos burros”, também conhecido como dicionário (eu sei, o termo é politicamente incorreto, mas vá lá). O dicionário Houaiss Online traz as seguintes definições para a palavra psicologia:

1 Rubrica: psicologia. Ciência que trata dos estados e processos mentais
2 Rubrica: psicologia. Estudo do comportamento humano ou animal
3 Conjunto dos traços psicológicos característicos de um indivíduo ou de um povo, uma comunidade, uma geração etc. Ex.: <ele conhece bem a p. do pai dele> <não entendo a p. dos jovens> <a p. dos ingleses>
4 Curso universitário onde se ensinam os principais ramos da psicologia, bem como ciências afins, e que forma o psicólogo. Ex.: aluno de p.
5 atividade psicológica ou mental característica de uma pessoa ou situação
6 capacidade inata ou aprendida para lidar com outras pessoas, levando em conta suas características psicológicas; tato, compreensão, jeito. Ex.: é preciso p. para lidar com delinqüentes
7 análise ou estudo psicológico de um livro, uma obra de arte, um fato, um fenômeno, uma característica de algo etc. Ex.: <a p. do conto francês> <a p. dos shows de rock>

Pronto, começou a encrenca! Sete definições! Bom, vamos por partes. Tá vendo aquelas duas primeiras onde aparece “Rubrica: psicologia”? Isso significa que quem fez essas definições foi a própria psicologia. As outras definições, de 3 a 7, são usos mais do dia-a-dia para a palavra, que não dizem respeito à ciência da Psicologia. As definições que nos interessam são as duas primeiras: “estudo dos estados e processos mentais” e “estudo do comportamento humano ou animal”. Vamos dar uma olhada nelas.

Mas antes de qualquer coisa, você precisa saber que há muita discordância entre os diversos teóricos da psicologia. Ao longo da história da psicologia, muitos pesquisadores lançaram críticas aos seus antecessores e propuseram novas formas de estudar os processos psicológicos. Algumas vezes, isso fez com que a forma anterior fosse abandonada para sempre. Outras vezes, a nova proposta não matou a teoria anterior, mas criou uma nova corrente de pensamento, fazendo com que as duas correntes, a nova e a antiga, continuassem seguindo seus rumos de forma independente. Um exemplo disso foi quando Sigmund Freud criou a psicanálise, por volta do ano 1900, afirmando a existência do inconsciente, uma parte de nossa mente que guarda pensamentos e idéias que não podemos perceber conscientemente. Outras linhas de psicologia já existiam antes de Freud, e muitos dos antigos psicólogos não aceitaram a nova proposta. E de fato, muitos não aceitam até hoje, o que faz com que ainda existam duas linhas diferentes dentro da psicologia, que surgiram a partir da divisão iniciada por Freud.

Voltemos então ao dicionário. Vamos pegar a definição “ciência do comportamento humano ou animal”. Parece simples e óbvio, afinal todo mundo sabe o que é comportamento, não é? Não, não é. Diga-me você então o que é comportamento. É difícil descrever? Então vamos por exemplos. Falar é um comportamento? Sim. Andar é um comportamento? Sim. Até aí está muito fácil. Mas aí podemos complicar um pouco. Lembrar é um comportamento? Imaginar é um comportamento? E sonhar, seria um comportamento? Você pode responder sim ou não a estas perguntas, dependendo do que você entende por comportamento. Da mesma forma, no começo da história da psicologia moderna, lá entre os anos 1800 e 1900, alguns cientistas disseram sim e outros disseram não. E, é claro, cada um achava que estava mais certo que o outro. E mesmo entre os que concordavam com o “sim”, surgiam outras divergências. Eles pensavam: Tudo bem, vamos admitir que imaginar seja um comportamento. Mas como medir a imaginação? Como observá-la objetivamente ocorrendo na mente de uma pessoa? A necessidade de medir o fenômeno e de observá-lo objetivamente era uma exigência da ciência tradicional, criada nos moldes das ciências naturais (Física, Química, etc.). E a psicologia queria ser uma ciência, então precisava adequar-se. Aí, para resolver o problema de como medir, uns criavam engenhosos processos, treinando a pessoa para que ela aprendesse como relatar detalhadamente o que se passava em sua mente, ou ainda faziam medidas de alterações fisiológicas no organismo da pessoa, associando as alterações orgânicas aos processos mentais que não podiam ser medidos diretamente. Outros ainda, desprezaram esses processos que não podiam ser diretamente observados, dizendo que se não era possível medi-los, então não deviam fazer parte da psicologia. Outros, mais arrojados, e principalmente depois de 1900, começaram a suspeitar que aquele modelo de ciência não era mais suficiente para explicar os fenômenos psicológicos e começaram a propor novos modelos.

Em determinados momentos históricos surgiram visões radicalmente novas sobre o ser humano, e daí uma nova corrente de pensamento passava a desenvolver a psicologia segundo essa visão. Questões filosóficas ainda sem resposta, como qual a dose de livre-arbítrio que cada indivíduo possui, são uma das chaves para compreender porque as correntes psicológicas não conseguiam, e ainda não conseguem, aceitar umas às outras e formar um corpo único para a psicologia. Mas não se preocupe, a psicologia é ainda bebê. Historicamente ela acabou de nascer. É possível que no futuro todas as correntes de pensamento acabem convergindo para um mesmo ponto e uma unificação seja possível.

Foi assim que, a cada novo assunto estudado e a cada nova pergunta formulada, surgiram divergências de opiniões, criaram-se novas correntes de pensamento, iniciaram-se novos embates e discussões. Cada nova linha de pensamento recebeu novos adeptos, que acrescentaram informações ou corrigiram afirmações feitas anteriormente. De todas essas reviravoltas, chegamos hoje a uma psicologia que se apresenta em três grandes correntes de pensamento, ou três “forças”. Cada uma delas tende a rejeitar as outras e procurar impor-se como a que melhor explica o ser humano. Cada uma delas tem sua própria definição de psicologia e sua própria visão de homem. Há ainda uma quarta força, que representa a primeira tentativa de unificação das três anteriores. Vamos a elas:



A Primeira Força

A primeira força em Psicologia é o Behaviorismo, ou Comportamentalismo, ou ainda Psicologia Comportamental. Para esta força caberia perfeitamente aquela definição que encontramos no dicionário: “estudo do comportamento humano ou animal”. A abordagem comportamental surgiu trazendo em si a noção de que era possível prever o comportamento humano ou animal, pois o comportamento era sempre determinado por uma série de variáveis. Se fosse possível conhecer todas as variáveis, seria possível prever o comportamento do indivíduo. Também seria possível controlar seu comportamento, manipulando-se as variáveis que determinavam aquele comportamento. Afirma que o ser humano é condicionado, ou seja, seu comportamento é aprendido e ele tende a repeti-lo quando recebe uma recompensa por ele e tende a abandoná-lo quando não recebe nada em troca ou quando recebe uma punição.

Um exemplo clássico é o da criança birrenta. A criança pede um doce. A mãe diz que não vai dar. A criança começa então a gritar, espernear, se joga no chão e puxa os cabelos (é, meu amigo, é provável que você já tenha feito isso um dia, lembra?). Aí a mãe se apavora, morre de vergonha e, para acabar com aquela cena de horror, vai correndo pegar o doce para a criança. A criança, instantaneamente exorcizada, pára de chorar e se empanturra com a guloseima. Pergunta: qual será o comportamento da criança da próxima vez que ela quiser alguma coisa e a mãe recusar? É previsível: birra de novo! Por quê? Porque da primeira vez a birra foi recompensada com o doce. A mãe desavisada acha que resolveu o problema mas o que fez foi reforçar aquele comportamento da criança. Pode-se eliminar esse comportamento indesejável? Sim, elimine-se a recompensa e o comportamento será extinto. Se a mãe tolerar algumas vezes a birra da criança sem dar o doce, a criança vai deixar de fazer birra porque percebe que aquele comportamento não lhe traz nenhum ganho. Portanto, segundo esse raciocínio é possível não só prever mas também controlar o comportamento de um indivíduo. Se você já assistiu Laranja Mecânica, saiba que o filme é uma crítica às técnicas comportamentais de modelagem do comportamento humano, que estavam em alta na época do filme (1971). Se não assistiu, assista e você vai entender. Mas vá preparado: o filme tem algumas cenas bem violentas. Depois não diga que não avisei.

A abordagem comportamental utilizou experimentos com animais para fundamentar as bases do comportamento humano. É muito criticada por isso pelas outras abordagens, que a julgam uma visão muito simplista do ser humano, por reduzi-lo a suas semelhanças com o animal e a seus comportamentos condicionados, perdendo de vista toda a riqueza da condição humana. Um dos grandes nomes do Behaviorismo, B. F. Skinner, assim responde às críticas de que o modelo comportamental não admite liberdade de escolha ao ser humano:

Eu creio que uma análise científica do comportamento deve supor que o comportamento de uma pessoa está controlado por suas histórias genética e ambiental, e não pela pessoa mesma como agente iniciador e criativo; [...] não podemos provar que o comportamento humano como um todo está completamente determinado, mas esta proposição vai-se fazendo mais plausível à medida em que se acumulam os fatos, e creio que há chegado ao ponto em que se deve considerar seriamente suas implicações.

A psicologia comportamental representa a tentativa mais bem-sucedida de adequar a psicologia ao modelo tradicional de ciência. Faz críticas a outras linhas justamente porque as demais não se encaixam perfeitamente nesse modelo de ciência, e recebe críticas dos que a julgam excessivamente rígida e presa a um modelo de ciência em extinção, baseado nas ciências naturais.


A Segunda Força

A segunda força é a Psicanálise, criada por Sigmund Freud, por volta de 1900. A grande inovação trazida por Freud foi introduzir na psicologia a noção do inconsciente. Segundo a visão psicanalítica, a mente humana é composta por uma parte consciente e uma parte inconsciente. A parte consciente contém todos os conhecimentos e informações que utilizamos conscientemente. Nossos pensamentos, emoções conhecidas, memórias, reflexões e devaneios estão todos lá. Mas essa é apenas uma parte muito pequena da mente. A outra parte, o inconsciente, é muitas vezes maior que a parte consciente. Lá estão nossos instintos e impulsos primitivos, e as coisas que não aceitamos sobre nós mesmos. Normalmente não temos acesso a essa parte, mas ela funciona e governa nossos comportamentos, independente de nossa vontade. Enquanto essa parte desconhecida governa nosso comportamento, não temos controle pleno sobre nossos atos. O trabalho do terapeuta então é trazer os conteúdos inconscientes para a consciência, de modo que tenhamos a possibilidade de tomar decisões mais de acordo com nossa vontade consciente.

Freud identificou e criou algumas formas de acessar o inconsciente: inicialmente trabalhou com a hipnose, mas posteriormente abandonou-a por encontrar outros métodos mais eficientes. Os principais são os sonhos, o método de associação livre e os atos falhos ou lapsos. Freud afirmou que os sonhos são uma realização de desejos inconscientes. No sonho, acontece aquilo que você deseja. Mas sempre é um desejo que você mesmo não aceita que possui, normalmente por razões morais. Por exemplo, você teve uma séria briga com seu pai e no mesmo dia sonhou que ele estava caindo num abismo. Isso pode indicar que naquele momento você desejou a morte de seu pai. Por ser um desejo moralmente inaceitável, ele permanece inconsciente e se realiza através do sonho. É claro que este é um exemplo bem didático e simplista. Normalmente, mesmo nos sonhos o desejo inconsciente aparece de forma bem mais disfarçada. Um outro método de acesso ao inconsciente é a associação livre. Esse método foi criado por Freud e consiste em pedir que o paciente vá falando livremente sobre qualquer assunto a partir de um dado tema. Analisando as divagações do paciente por assuntos aparentemente sem qualquer relação entre si, pode-se encontrar as conexões inconscientes. Por isso aquela imagem clássica do paciente deitado no divã e falando sem parar, enquanto o terapeuta só escuta.

O homem é visto por Freud como um ser que busca o prazer e evita o desprazer, guiado fundamentalmente por instintos primitivos. Freud era psiquiatra e seus estudos foram quase todos feitos sobre pessoas com distúrbios psíquicos. É criticado, portanto, por focalizar excessivamente a doença e não a saúde. A psicanálise é ainda considerada por muitos uma abordagem não científica, pois alegam que não se pode comprovar a existência do inconsciente. Outra crítica refere-se ao que se chama “determinismo psíquico”, ou seja, o homem não tem liberdade de escolha, uma vez que está sempre sendo guiado por desejos inconscientes.


A Terceira Força

A Psicologia Humanista representa a terceira força em psicologia. Surgiu entre as décadas de 1950 e 1960, como reação e crítica às duas forças anteriores, que na época dominavam o cenário. Não há um fundador ou teórico que iniciou essa abordagem, mas normalmente considera-se Abraham Maslow o pai da Psicologia Humanista, principalmente pelo seu papel como articulador e organizador do movimento. Maslow, junto com Anthony Sutich, foram os principais responsáveis pelo lançamento, nos Estados Unidos, da Revista de Psicologia Humanista em 1961, e pela fundação da Association for Humanistic Psychology, em 1962. Maslow dizia que o Behaviorismo e Psicanálise não se preocupavam com o tema da saúde psicológica e propôs-se a trabalhar nesse sentido. Suas teorias foram construídas pela observação não de pessoas doentes, mas de pessoas com saúde mental acima da média, ou pessoas auto-realizadoras, como ele as denominou. Deve-se destacar ainda o nome de Carl Rogers, com sua Terapia Centrada na Pessoa, um dos grandes colaboradores do movimento humanista, principalmente na fundamentação teórica dessa nova forma de psicologia.

O movimento humanista teve apoio e influência de psicólogos e teóricos de diversas áreas, incluindo as teorias de discípulos dissidentes de Freud, como Adler, Jung, Otto Rank, William Reich e Ferenczi. Teve forte influência da Psicologia da Gestalt alemã, com sua visão holística e organísmica, a ainda das Psicologias Existenciais e da Fenomenologia.

A Psicologia Humanista vê o processo psicoterapêutico como uma técnica de crescimento pessoal ou de desenvolvimento do potencial humano, e não como técnica de tratamento de doenças mentais. Portanto, se você ainda achava que psicólogo é coisa pra louco, saiba que foi o movimento humanista que mudou essa história. Eles passaram a defender a idéia de que a psicoterapia era um processo de autoconhecimento, útil a qualquer pessoa. Deixaram de chamar o paciente de “paciente”, passando a chamá-lo “cliente”. Os humanistas afirmam que as pessoas só podem ser compreendidas como indivíduos. Não se pode conhecer uma pessoa a partir de dados estatísticos da população ou a partir de estudos com animais, uma crítica aos métodos do behaviorismo e da ciência tradicional. E ainda, as pessoas precisam ser compreendidas de forma completa e dentro de seu ambiente natural, e não através de análise de partes do comportamento ou através de experiências em laboratório.

Tom Greening é psicoterapeuta humanista e foi editor da Revista de Psicologia Humanista de 1971 a 2005. Ele descreve os cinco postulados básicos da Psicologia Humanista desta forma:
1) Seres humanos são mais do que a soma de suas partes. Não podem ser reduzidos a partes ou funções que os compõem.
2) Seres humanos só podem ser compreendidos no contexto humano.
3) Seres humanos são conscientes e conscientes de si mesmos.
4) Seres humanos têm livre-arbítrio e responsabilidade por suas escolhas.
5) Seres humanos são intencionais, perseguem objetivos, sabem que podem alterar eventos futuros e estão em busca de sentido, valor e criatividade.

O movimento humanista, em seu início, atraiu todo tipo de contestadores do sistema e logo sofreu críticas de quem o acusava de ser um movimento pouco sério. Também recebe críticas por não se adequar totalmente ao modelo tradicional de ciência, e por seu amplo escopo, que por reunir interesses de diversas correntes de pensamento, pode parecer um pouco mal-definido para quem não segue essa abordagem.


A Quarta Força

Se a terceira força já é criticada pelo seu escopo muito abrangente, aqui ele se torna ainda mais amplo. A quarta força da psicologia é a Psicologia Transpessoal. De modo diferente das outras três, a abordagem transpessoal surgiu como conseqüência da terceira força. É uma ampliação de Psicologia Humanista e não uma crítica a ela. Foram os mesmos Abraham Maslow e Anthony Sutich, articuladores do movimento humanista, os responsáveis por organizar e dar corpo ao movimento transpessoal. O movimento inicia-se em meados da década de 1960. Em 1969 foi criada a Revista de Psicologia Transpessoal e em 1972 funda-se a Association for Transpersonal Psychology.

O movimento transpessoal inicia seu surgimento quando os psicólogos humanistas começaram a observar, em atendimentos clínicos e em trabalhos com grupos, fenômenos que atestavam que o potencial humano era muito maior do que eles inicialmente imaginavam. Havia fenômenos e percepções que as pessoas tinham, que não podiam ser explicados pela percepção dos cinco sentidos, pois pareciam estar além disso. Estranhas sensações de poder e de bem-estar surgiam repentinamente, tanto para o terapeuta quanto para o cliente, quando ambos entravam em contato profundo durante uma sessão de terapia. Nesses momentos, os terapeutas relatavam que de repente não percebiam a barreira entre si e o cliente. Era como se eles fossem apenas um. Nos experimentos com grupos, duas ou mais pessoas sonhavam o mesmo sonho, ou compartilhavam imagens, ou tinham repentinas e profundas experiências interiores que mudavam radicalmente seu modo de ser. Um dos que relataram esses momentos durante a o atendimento terapêutico foi Carl Rogers, o psicólogo humanista, na última fase de seu trabalho, a partir de meados de 1970. Ele descreve esses momentos:

Sinto que nos melhores momentos da terapia há um mútuo estado alterado de consciência. Que ambos, de alguma forma, transcendemos um pouquinho o que somos ordinariamente, e que há uma comunicação acontecendo, que nenhum de nós compreende mas que é muito reflexiva. (Rogers, citado por Wood, 1991, p. 71)

Na tentativa de compreender esses “momentos mágicos” da psicoterapia, em que a consciência parece avançar além dos limites do próprio corpo para se fundir com a consciência do cliente, alguns psicólogos começaram a encontrar descrições de estados semelhantes em tradições filosóficas orientais, como o zen-budismo e o taoísmo, e também nas práticas de ioga e artes marciais. Tradições esotéricas de todas as religiões (cabala, sufismo, mística cristã) relatavam experiências consideradas místicas, que coincidiam com aquelas experiências de grupos em que pessoas passavam por repentinas e profundas transformações de seu modo de ser.

Começou então a surgir uma nova proposta de psicologia, que incorporava a dimensão espiritual do ser humano, e considerava a existência de níveis de consciência superiores ao nosso nível “normal”. A Psicologia Transpessoal contou ainda com os pesquisadores que faziam experimentos com drogas psicodélicas (Stanislav Grof, Aldous Huxley), incorporou a nova visão de mundo trazida pela Física Quântica, afirmando que a consciência pode interferir diretamente na realidade, reafirmaram a auto-realização dos humanistas e incluíram a noção de auto-transcendência, a necessidade de superar a si mesmo enquanto pessoa, para atingir níveis mais elevados de consciência, e daí o nome transpessoal (além do pessoal). Ken Wilber, um dos grandes teóricos da linha transpessoal, em 1977, propôs o modelo que chamou de Espectro da Consciência, em que aponta a existência de diversos níveis de consciência, afirmando que cada abordagem psicológica especializou-se em trabalhar em determinado nível, mas que uma abordagem completa deve considerar todos os níveis. Fundou então a linha que ele denominou Psicologia Integral, talvez a primeira tentativa de fornecer uma compreensão global e não-excludente de todas as abordagens em Psicologia.

A abordagem transpessoal recebe severas críticas dos que a consideram mística, não-científica. Há, entretanto, um número crescente de trabalhos, teóricos e práticos, publicados dentro dessa abordagem. A visão transpessoal critica a atitude das três outras forças, que tentam defender a sua visão como única e procura trabalhar de forma a integrar todas as abordagens.

Concluindo

Bom, se você pensou que ia ter uma definição simples para a psicologia, eu sinto muito. Essa definição simples não existe. Mas isso não é privilégio da psicologia. Pergunte para um biólogo o que é a Biologia. Se ele disser que é o “estudo da vida”, pergunte então o que é a vida. Acho que ele vai se enrolar um pouco para responder. Ou pergunte para um físico o que é a matéria e você encontrará várias respostas diferentes. E para cada resposta diferente, você vai ter uma noção diferente do que é a Física. É assim também para a Psicologia. Uma ciência onde o homem busca a compreensão de si mesmo não tem como ter uma definição simples.

Como você pôde perceber, cada corrente de pensamento acaba apresentando sua própria visão de homem e sua própria definição de qual é o objeto de estudo de psicologia.

Ah, é claro, o dicionário! Eu já ia me esquecendo. Você deve ter notado que as definições do dicionário dizem muito pouco sobre o que é a psicologia. Pode-se pensar em muitas outras definições, dependendo da abordagem. Os transpessoais poderiam dizer “estudo da consciência em seus diversos níveis”, os humanistas poderiam dizer “estudo do potencial humano” e os psicanalistas poderiam criar algo como “estudo dos mecanismos psíquicos conscientes e inconscientes”. Todos eles dizem algo sobre a psicologia, mas cada um diz apenas uma parte. A definição que encontramos no dicionário, “estudo do comportamento humano ou animal”, cabe perfeitamente para a primeira força, o behaviorismo, mas seria prontamente rejeitada pelos humanistas, que não admitem as experiências em laboratório com animais. Devo dizer também que a outra definição do dicionário, “ciência que trata dos estados e processos mentais”, é a definição geralmente usada pela Psicologia Cognitiva, que é em muitos aspectos uma extensão da Psicologia Comportamental, tanto que atualmente estão em alta as Terapias Cognitivo-Comportamentais.

E como eu falei de parapsicologia no começo, cabe ainda uma informação. A parapsicologia não faz parte da psicologia e não é reconhecida no corpo teórico da psicologia. Porém, alguns psicólogos humanistas acabaram de forma inesperada esbarrando em alguns fenômenos anteriormente estudados pela parapsicologia, o que os levou a fundar a Psicologia Transpessoal.

Espero que tenha ajudado um pouco a dar uma visão geral das muitas facetas da psicologia. Espero também ter colaborado para aumentar seu interesse pelo assunto, e que você continue estudando. Ficaria muito feliz de receber seus comentários, perguntas e sugestões. Em breve, espero publicar mais a respeito do assunto, que para mim é fascinante. Até lá.


Referências Bibliográficas

Boainain Jr., Elias. Transcentrando: Tornar-se transpessoal. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Instituto de psicologia. São Paulo, 1996.

Fadiman, James; Frager, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1979.

Hall, Calvin Springer; Lindzey, Garner. Teorias da Personalidade. São Paulo: EPU, 1984.

Maslow, Abraham M. Toward a Psychology of Being. 3.ed. Now York: John Wiley & Sons, 1998.

Rogers, Carl R. Tornar-se pessoa. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Schultz, Duane P; Schultz, Sydney E. História da Psicologia Moderna. 15.ed. São Paulo: Cultrix, 2002.

Wood, John Keith. Dimensões dos Grandes Grupos. In: Brandão, Denis H. S.; Crema, Roberto. Visão Holística em Psicologia e Educação. São Paulo: Summus, 1991. p. 67-73.

Fonte: site do autor: www.pedrassoli.psc.br