Perdas ou Passagens Valiosas?
Por Luciana Horta
19/11/2008

Há quase dois anos atrás vivenciei um momento de perda valiosa na minha vida. Há pouco mais de uma semana outra vivência não desejada. As notícias das perdas soaram como uma bomba. Pensei que o chão estava se abrindo sob minhas pernas. Mas, por mais incrível que pareça, senti uma força e uma segurança que me sustentaram.

Não raro, principalmente em situações desconhecidas, pensamos coisas que não chegamos a sentir. É o que chamamos de ansiedade. Pensar no que vamos sentir antes que aconteça. Perdemos noites de sono, dias de tranqüilidade em vão. Quando é que eu podia imaginar perdas valiosas em minha vida? Só de pensar nesta hipótese sofria antecipadamente. Quando aconteceu, senti uma força enorme tomando conta do meu corpo. Senti também tristeza é claro. Mas, quando passei a enxergar as perdas de uma outra maneira, consegui limitar meu sofrimento.

Na verdade, hoje prefiro chamar de passagens valiosas...
Isto porque, por perdas se entende algo que dificilmente conseguiremos recuperar. E a vida é cheia de perdas... Já pensou que trabalho árduo correr atrás das perdas o tempo todo?
Já as passagens são acontecimentos que vivenciamos e que, por mais tempo que tenha acontecido, deixa rastros, não perdas e sim, memória.

Memória de PESSOAS muito queridas e amadas. PESSOAS cheias de sonhos e realidades ainda mais bonitas.
Realidades feitas à mão, tamanha a delicadeza. Feitas à mão, por terem sido construídas com trabalho. Realidades cheias de coragem, ação, carinho, honestidade e respeito aos demais.
Realidades que alguns consideram não valiosas, por não terem valor financeiro.
Mas, francamente, considero as mais valiosas, por mais que não sejam materiais, não sejam possíveis de serem tocadas... Mas são possíveis de serem vividas para sempre! Ninguém é capaz de roubar...

Você conhece alguém que seja feito de dinheiro? Alguém que seja feito de imóveis?
Se você conhece, pense a respeito deste ser, que com certeza não é humano, mas sim feito de matéria – talvez cimento, porcelana, granito, mármore – a matéria vai depender muito do grau de frieza.
Mas isto não nos importa. Vamos falar de memória.

Memória de ACONTECIMENTOS não desejados, mas que de certa maneira nos educaram – está certo que com bastante rispidez – mas, nos educaram. São ACONTECIMENTOS, que se a gente quiser, enxerga só o lado negativo – a perda, impedindo o crescimento. No entanto, com um pouco de esforço, conseguimos perceber os sinais de mudança necessários para nosso bem estar.

No início das passagens fica o rastro da memória e da dor.
A dor é profunda, é como se uma parte do nosso corpo físico tivesse sido amputada. Uma parte que nos era essencial a nossa sobrevivência... E, como acontece com membros amputados, a presença ainda é muito forte.
Sentimos uma impotência diante do acontecido que nos paralisa.
É o momento que nos prova em silêncio como somos egoístas.
Queremos o amado e, até nesta hora de separação, pensamos em nós mesmos, independente da vontade de Deus.
Buscamos justificativas e respostas o todo tempo.
Normalmente dizemos – ele era tão saudável ou ela era tão moça e com tanta vida pela frente!
Mais uma prova do nosso egoísmo.
O amado precisa está enfermo ou velho para ter que partir...
Mas a passagem pode ser suave, como o último suspiro de um passarinho...
Tal qual as outras passagens de nossas vidas...

Com o passar do tempo, a dor dá licença à memória. Dá licença a semente. Dá licença ao renascimento.
Não concordo com os que dizem que não querem ficar para semente. Eu quero. Quero que minha semente se desabroche em memória, na saudade das carícias vivenciadas com total entrega sem exigência de devolução, tal qual aconteceu nas passagens que vivenciei nos últimos tempos.
E esta semente não tem a ver com corpo físico e, sim, espiritual.
Por isso o SER amado vive para sempre.

Você pode escolher viver esta experiência como perda ou passagem. Ou melhor ainda, como continuidade da semente...
Depende exclusivamente de você.
Se você optar pela presença da dor, o sofrimento se perpetuará.
Agora, se optar pela presença da memória, certamente receberá presentes inusitados, como se estivesse encontrando o SER amado como velhos conhecidos...

Luciana Horta é Psicóloga, Especialista em Gestão de Pessoas (RH) e em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Mestranda em Administração e Professora Universitária. E-mail: hortaluciana@yahoo.com.br