Processo de Individuação
Por Silvia Malamud
28/05/2009
Estudo de caso: Processo de individuação atingindo a trama
transgeracional da estrutura familiar.
Como sempre, as histórias aqui são verdadeiras, apenas com os nomes
trocados. Pacientes que, embora concordem com a exposição, sabem que
estão totalmente protegidos e que situações e lugares são também
remodelados, mas não o tipo de ambiente emocional e o seguimento
evolutivo dos casos propostos.
Neste relato, a trama familiar revela-se durante e após um longo
período de casamento quando um dos componentes conquista o seu
processo de individuação.
Rubens, 39 anos, foi criado numa família oriental em meio a moldes
bastante austeros. Teve um pai (falecido) extremamente autoritário,
uma mãe distante e passiva, uma irmã, três anos mais velha do que
ele e um irmão cinco anos mais jovem, que faleceu atropelado por um
ônibus quando voltava da escola com sua mãe. Fato marcante, ocorrido
ao mesmo tempo em que outros acontecimentos penosos aconteceram na
trama familiar. Veremos na seqüência das explanações.
Em seus relatos, Rubens conta que Augusto, seu pai, abandonou a
profissão de origem logo que se casou em nome de abraçar a profissão
do sogro. Segundo os seus relatos, provavelmente, em busca de
sucesso material. Conta também que, aos 10 anos, seu pai perde
drasticamente todo o dinheiro acumulado nesses anos de casamento e
que a vida da família, antes com muito dinheiro, muda para a
situação oposta. Em meio a estas intercorrências, a família vai para
um bairro menos favorecido e, todos, após este momento, começam a
viver com sérias limitações financeiras. E no apogeu de toda esta
mudança de vida é que acontece o atropelamento e morte de seu irmão
mais novo.
O pai ainda tenta algumas empreitadas, mas todas acabam por afundar
ainda mais a família e, com o decorrer do tempo, todos passam a ser
ajudados financeiramente por uma pequena herança que o sogro havia
deixado, além da ajuda de alguns familiares próximos do lado da
esposa.
Ainda nesse tempo, Augusto teve que ficar com a mãe por que a mesma
não conseguia se auto-sustentar e, assim, permaneceu subjugado aos
ditames da mesma, até o dia de sua morte. Ele sempre quis demonstrar
aos filhos o quanto amava essa mãe e, por modelo, como que deveriam
agir para com ele.
Com a chegada da avó paterna, também com personalidade autoritária,
a irmã de Rubens se vê obrigada a dormir com a mesma e ele, por
falta de espaço, passa a dormir na casa de um vizinho.
Augusto mantém uma relação de idealismo em relação à filha mais
velha e de esquecimento em relação ao agora filho menor, Rubens. A
mãe segue os passos comportamentais do pai em relação aos filhos.
No decorrer das consultas, torna-se evidente o quanto esse pai tinha
de sentimento de impotência e de ódio não vivenciado por essa mãe e
o quanto que ele idealizava a mulher perfeita em sua filha.
Rubens lembra que certa feita quando adoecido, foi privado de se
tratar por um médico especifico em benefício das necessidades sempre
mais importantes da irmã.
Ao que toda esta trama indica, Augusto via e projetava a si mesmo no
seu filho Rubens, ou seja, alguém não visto pela mãe autoritária e
que queria a todo custo ser visto. Augusto queria o amor da mãe e
passou uma vida inteira com a sensação que devia favores para a
mesma. Por conseqüência, apenas olhou para esse filho quando este se
sobressaiu um pouco pela opção da escolha profissional que fez. Na
época em que Rubens estava se formando em ciências contábeis, o pai
quase que assume o lugar profissional do filho invadindo,
inadequadamente, os seus espaços de estudo e de início de trabalho
avisando a todos de que Rubens era seu filho.
Rubens conta toda a sua história familiar com grande dificuldade de
entrar em contato com seus reais sentimentos. Como mecanismo de
defesa, apresenta-se dissociado de sentimentos de raiva, magoa
desamparo e etc.
Rubens vem de uma família técnica em saber lidar com a realidade,
mas com profundas fendas emocionais que são mascaradas pela exatidão
da conduta austera e linear.
Vamos aos exemplos e desenvolvimentos desta trama familiar...:
- A irmã casa-se com um rapaz promissor e que mais na frente
revela-se numa importante alteração emocional. Este rapaz possui um
irmão mais velho que recebeu todos os louros e atenção dos pais. O
irmão foi e é o filho idealizado e ele sempre foi visto sem grandes
pretensões. Este rapaz, ao contrário do irmão venerado pela mãe é
rejeitado pela mesma e acaba tendo uma ligação muito forte com a
mãe. O lugar para existir desse rapaz é o de não existir e como
conseqüência fica grudado nessa mãe o tempo todo na busca de um
olhar mais significativo.
Do mesmo modo que o pai de Rubens, este rapaz possui um ódio não
vivenciado pela mãe e que, na relação a dois, é altamente projetado
na parceira, a irmã de Rubens, isso a ponto dela correr risco de
vida. Assustada com os homens, ela resolve se separar ficando
protegida ao lado do pai, no reinado da filha idealizada. Esta moça
fez algumas tentativas infrutíferas com outros homens ao longo de
sua vida, sempre porem com a bandeira da idealização do pai, mas
ocorre que ninguém suporta uma mulher tão especial e ela acaba
ficando no lugar seguro, que é ao lado desse pai.
Para este pai, a esposa vive ao seu lado como uma sombra sem maiores
significados. Projeta nela pelo desprezo, todo ódio que tem pelas
mulheres, ou seja, pela própria mãe.
No tempo previsto como correto, Rubens ruma para encontrar uma
parceira e mesmo que não tenha consciência plena deste fato, esta
deverá ser nos moldes dos desejos e dos desígnios dessa trama
familiar.
Rubens conta que, logo de princípio, sente-se apaixonar por
Clarissa. Diz que foi como se já a conhecesse. Logo que se casam,
porém, entende que ela era exigente como sua mãe... E diz que nunca
estava satisfeita com nada, além de estar totalmente despreparada
para ser uma boa esposa ou boa dona de casa.
A história de Clarissa: Clarissa vem de um lar emocional e
afetivamente ativo. Dissabores e amores são constantemente revelados
na trama relacional. Ao contrário de Rubens, antes do casamento
Clarissa tem uma vida de construção de patrimônio por intermédio de
seu pai e da dedicação da mãe. Clarissa tem mais dois irmãos e é a
caçula entre eles.
Quando encontra Rubens, numa festa de ginásio, acredita que
encontrou o amor de sua vida. Um rapaz falante, cheio de idéias e de
verdades que, enfim, faziam sentido. Namoram por cerca de 3 anos e,
durante o período de namoro, Clarissa conta que começa a perceber
atitudes em Rubens que a faziam questionar se seria realmente feliz
com ele. Rubens dizia que nunca admitia um erro porque na “verdade”
(dele) nunca errava.
Ambos se casaram e com o tempo a história pessoal dos dois foi se
revelando na relação. Rubens, sem opção, foi gradativamente
demonstrando a sua identificação com o pai. Ao seu modo, pouco a
pouco foi tirando o espaço vital de sua esposa... Era melhor mãe do
que ela, cozinhava melhor e etc. Além de tudo isso, agia como o
pai... Não a ouvia. Desenvolveu uma relação perversa onde
externamente vivia para o mundo e para o pai uma relação de
aparências afetivas e, na intimidade da vida do casal, sequer
conversava com ela. Desde o início, demonstrou pouco interesse por
temas que gerassem qualquer tipo de intimidade afetiva no casal.
Clarissa acredita que pelo fato de não ter muita consciência sobre o
que estaria ocorrendo de fato, sentia-se triste e solitária. Revela
que não tinha como entender claramente a situação da trama na qual
estaria envolvida. Anos a fio, iludiu-se achando que tudo mudaria
para melhor nas raras vezes em que Rubens oferecia um olhar mais
direto ou mesmo uma nesga de afeto.
Com o passar do tempo e por não agüentar mais a sensação de solidão
e de incongruência entre o que acontecia dentro de sua suposta
intimidade com o marido versus com o mundo exterior, Clarissa decide
encarar um processo terapêutico. Por fim, entende que as pessoas não
mudam assim fácil quando não existe um trabalho interior sério.
Rubens, tomado pelos seus assuntos inconscientes foi gradativamente
acirrando suas questões emocionais mal resolvidas. Clarissa chega
num ponto de insuportabilidade extrema e decide o famoso "ou vai ou
racha!" Exige que ambos façam uma terapia de casal para que possam
dar alguma chance de serem efetivamente felizes. Rubens, a
princípio, não entende o motivo da queixa...
Ambos vão para a terapia. Subitamente, na terapia de casal, Clarissa
cai em si mesma e entende toda a trama relacional que vive, os quês
e os porquês. A partir daí, Clarissa definitivamente busca por um
ponto final naquele ciclo vicioso. Decide que não será como a sogra
foi e que sua historia de vida, a partir deste momento, será outra,
ou seja, a sua própria...
Inconformado por seu personagem ter sido denunciado, Rubens usa de
todas as manipulações possíveis para manter o status anterior. Não
sabe ser diferente do que lhe foi “ensinado”. Destila ódio e tenta
impor medo, caso sua parceira ousasse sair do vício emocional no
qual ambos estavam envolvidos. Tudo em vão. Clarissa já havia
acordado e decidira simplesmente ser. Ser indivídua Indivisível e
única.
Sua decisão de mudança abalou toda a sua estrutura interna e a de
todos os membros da família.- Uma denúncia e uma mudança sem volta.
E, você, companheiro de jornada terrena, tem coragem de revelar a si
mesmo a trama emocional na qual está envolvido, ousando promover
sérias mudanças existenciais em sua vida? Tem coragem para se
desembaraçar e se libertar de algum tipo de vício emocional adoecido
onde se vê atado?
Se a sua resposta é SIM, não vacile, sua vida é única e você merece
sair da anestesia, ousando apostar em você mesmo. Ousando se
diferenciar para efetivamente nascer e ser um. Sentir-se vivo. Com a
vida validada não tem preço.
Pense nisso e se for seu caso aja de imediato buscando encontrar a
si mesmo. Você deve isso a você mesmo se estiver em alguma situação
emocional claustrofóbica. Lembre-se de que sua existência é sagrada.
Tenha coragem e se necessário (na maioria das vezes é) busque
auxilio terapêutico.
Silvia Malamud é Psicóloga e atua em seu consultório em São Paulo.
Tel. (11) 9938.3142 - deixar recado. Autora do Livro: Projeto
Secreto Universos. Email: silvimak@gmail.com