Psicologia Transpessoal
Por Alexandre Pedrassoli
10/07/2006
A psicologia, uma ciência bastante recente em termos históricos,
ainda está à espera de uma unificação, uma lei geral que coordene
suas diversas visões, por vezes antagônicas. Alguns autores admitem
inclusive a existência não de uma única disciplina chamada
psicologia, mas de diversas psicologias. Realmente, as diversas
abordagens psicológicas, como a psicanálise, o behaviorismo e o
humanismo, entre outras, divergem em sua essência, já que apresentam
diferentes visões do ser humano. São portanto, incompatíveis, desde
seus pressupostos mais elementares.
Pode-se dizer que a psicologia transpessoal é a primeira tentativa
de integrar as diferentes visões de homem em uma visão mais ampla e
abrangente, onde as divergências de opinião não sejam mais vistas
como antagonismos, mas como visões complementares e não-excludentes
sobre o mesmo objeto de estudo: o ser humano.
O termo transpessoal significa “além do pessoal” ou “além da
personalidade”. Utiliza-se esse termo porque a psicologia
transpessoal ocupa-se de capacidades humanas que estão além da
esfera do ego. A abordagem transpessoal procura integrar em sua
visão todo o potencial humano que está ainda por desenvolver. Essas
capacidades potenciais estão relacionadas à existência de estados
superiores de consciência, ainda desconhecidas para a maior parte da
humanidade. O caminho para atingir esses estados é o caminho da
autotranscendência, ou superação do ego individual. Daí os termos:
superação do ego, além do ego, trans-ego, transpessoal.
A psicologia transpessoal é também a primeira corrente da psicologia
a considerar expressamente que o homem possui uma dimensão
espiritual. Chega a ser uma ironia que a psicologia, que adotou uma
palavra que significa “estudo da alma” para definir a si própria (do
grego: psykh(o) = alma e logía = ciência, estudo sistemático), não
tivesse até então se interessado em estudar mais detidamente a
espiritualidade humana. O Prof. Dr. Elias Boainain Jr., em sua tese
de doutorado sobre as dimensões transpessoais da psicologia
rogeriana (veja Carl Rogers), fala-nos sobre a espiritualidade como
um dos objetos de estudo da psicologia transpessoal:
A espiritualidade, ou a dimensão espiritual do homem [...]
identifica o Movimento Transpessoal como a primeira corrente da
Psicologia contemporânea que dedica atenção sistemática e
privilegiada à dimensão espiritual da experiência humana, até então
ignorada, negada, negligenciada ou reduzida a derivações secundárias
de outras faixas inferiores do ser, como a sexualidade e a
agressividade sublimadas, por exemplo. O próprio uso mais ou menos
freqüente e generalizado do termo espiritual que os transpessoais
fazem, tomando emprestado à Religião este e outros vocábulos, na
falta de termos próprios na tradição psicológica ocidental, fala-nos
do desinteresse da Psicologia pelo assunto. (BOAINAIN JR., 1996)
Histórico
Reconhece-se atualmente na psicologia quatro grandes correntes, ou
“forças”. A Primeira Força é a abordagem comportamental ou
Behaviorismo. A Segunda Força é a Psicanálise, fundada por Sigmund
Freud e a Terceira Força é a Psicologia Humanista. A Psicologia
Transpessoal surgiu então com a proposta de ser a Quarta Força da
Psicologia. De modo diferente das 3 forças que a antecederam, a
Psicologia Transpessoal não aparece com contestação das correntes já
vigentes, mas como uma evolução natural da Terceira Força, a
Psicologia Humanista. De fato, é de dentro do movimento humanista
que surgem alguns dos “fundadores” do movimento transpessoal. Dentre
eles, destacam-se Abraham Maslow (1908-1970) e Antony Sutich
(1907-1976). Em seu livro Introdução à Psicologia do Ser, na edição
de 1968, Maslow aponta para o surgimento da Quarta Força:
Devo também dizer que considero a Psicologia Humanista, ou Terceira
Força em Psicologia, apenas transitória, uma preparação para uma
Quarta Força ainda "mais elevada", transpessoal, trans-humana,
centrada mais no cosmos que nas necessidades e interesses humanos,
indo além do humanismo, da identidade, da individuação (...).
(MASLOW, 1998, p.ii).
Em 1967, um comitê liderado por Sutich e do qual participaram nomes
como James Fadiman, Michael Murphy, Miles Vich e Sidney Jourard,
passa a reunir-se para organizar a publicação de uma revista de
Psicologia Trans-Humanística, primeiro nome dado à nova abordagem.
Em 1968, o mesmo comitê, com a participação de Viktor Frankl e
Stanislav Grof, mudam o nome para Revista de Psicologia Transpessoal
(Journal of Transpersonal Psychology) e a revista é lançada em 1969.
É a partir de então que o termo “transpessoal” passa a ganhar força.
Em 1972, funda-se a Associação de Psicologia Transpessoal
(Association for Transpersonal Psychology). Marcia Tabone relata
esse período inicial:
Durante os dez primeiros anos de existência da Association for
Transpersonal Psychology, houve uma rápida evolução e a perspectiva
transpessoal transcendeu os limites da Psicologia, da Psiquiatria e
especialmente da Psicoterapia. As descobertas revolucionárias de
outras disciplinas, como a Física quântica relativista, a teoria dos
sistemas, a Parapsicologia, a Holografia, etc., confirmaram e
fundamentaram as constatações apresentadas pelo movimento
transpessoal. (TABONE, 1988, p.99)
Do surgimento do movimento até os dias de hoje, nota-se que houve
uma mudança de ênfase. Originalmente entusiasmada com os chamados
“estados alterados de consciência” (atualmente denominados “estados
inusuais de consciência”), passou gradualmente a procurar uma visão
integradora, que procurasse absorver as teorias antecessoras e dar
um corpo único à psicologia, de acordo com a nova visão de homem.
Autores como Roberto Assagioli, com sua Psicossíntese e Ken Wilber,
com a teoria do Espectro da Consciência que resultou na sua
Psicologia Integral, colaboraram para criar modelos abrangentes da
consciência humana, tentando englobar as demais correntes
psicológicas.
A Psicologia Transpessoal observou também que alguns estados
comumente classificados como “surtos psicóticos” se assemelhavam às
experiências místicas de vários povos, de diversas linhas religiosas
e espirituais. Passou então a considerar que alguns desses “surtos”
são na verdade experiências de transcendência ou de dissolução
temporária do ego, para uma ampliação de consciência. Stanislav Grof
chama esses estados de “emergência espiritual”, e ocupou-se de
estabelecer critérios para diferenciá-los dos surtos psicóticos.
Essas “experiências culminantes”, segundo a terminologia de Maslow,
são assim descritas por Grof.
Sentimentos de unidade com todo o universo. Visões e imagens de
épocas e locais distantes. Sensações de vibrantes correntes de
energia percorrendo o corpo, acompanhadas de espasmos e violentos
tremores. [...] Vívidos vislumbres de luzes brilhantes e das cores
do arco-íris. Temores de insanidade, e até de morte, iminente.
(GROF, 1989, p.23)
Segundo a Associação de Psicologia Transpessoal, estes são, entre
outros, os objetos de estudo dessa associação:
* Psicologia e Psicoterapia
* Meditação, caminhos e práticas espirituais
* Mudança e transformação pessoal
* Pesquisa da consciência
* Vício e recuperação
* Pesquisa de psicodélicos e estados alterados de consciência
* Morte e Experiências de Quase-Morte (EQM)
* Auto-realização e valores superiores
* A conexão mente-corpo
* Mitologia e Xamanismo
* Experiências culminantes
Atualmente, a Psicologia Transpessoal no Brasil encontra ainda
resistências junto ao meio acadêmico, embora um número crescente de
trabalhos nessa linha venha sendo produzido. Poucos cursos de
graduação em Psicologia oferecem a disciplina de Psicologia
Transpessoal, embora haja um gradual crescimento na oferta de cursos
de especialização nessa área. Nos Estados Unidos, há vários anos, já
existe a especialização em Psicologia Transpessoal, sob diversos
nomes. Um desses cursos em funcionamento é o de Psicologia Integral,
idealizado por Ken Wilber.
Links relacionados:
Journal of Transpersonal Psychology:
http://www.atpweb.org/journal.asp
Association for Transpersonal Psychology: http://www.atpweb.org/
ALUBRAT – Associação Luso-Brasileira de Transpessoal:
http://www.alubrat.net
Autores Relacionados:
Abraham Maslow
Anthony Sutich
Carl Gustav Jung (pesquisar livros)
Carl Rogers (pesquisar livros)
Frances Vaughan
Fritjof Capra (pesquisar livros)
Ken Wilber (pesquisar livros)
Pierre Weil (pesquisar livros)
Roger N. Walsh
Stanislav Grof (pesquisar livros)
Viktor Frankl (pesquisar livros)
Referências Bibliográficas
Association for Transpersonal Psychology. About ATP: Transpersonal
Perspective. Disponível em:
<http://www.atpweb.org/transperspect.asp>. Acesso em 8 maio 2008.
Boainain Jr., Elias. Transcentrando: Tornar-se transpessoal.
Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, Instituto de
psicologia. São Paulo, 1996.
Grof, Stanislav. Além do Cérebro. São Paulo: McGraw-Hill, 1988.
Grof, Stanislav; Grof, Christina. Emergência Espiritual. São Paulo:
Cultrix, 1989.
Maslow, Abraham M. Toward a Psychology of Being (Introdução à
Psicologia do Ser). 3.ed. Now York: John Wiley & Sons, 1998.
Tabone, Marcia. A Psicologia Transpessoal. São Paulo: Cultrix, 1988.
Fonte: site do autor: www.pedrassoli.psc.br