A Psicopatologia Hoje, Ontem e Amanhã
Por Dr. Wagner Paulon
02/05/2008
A palavra psicopatologia é de origem grega - psykhé, alma, e
patologia. Formalmente seria uma patologia do espírito. Ideação
essa, que poderia levar a uma conceituação errônea do problema. A
alma, o psíquico, no sentido de espírito, não pode adoecer e, desse
modo, é impróprio falar de enfermidades da alma, o que constituiria
uma "metáfora inaudita", conforme a enigmática expressão de
Kronfeld.
Enfermidade existe unicamente no biológico, melhor dizendo, no
antropológico. Razão pela qual, Binswanger nos fala de uma
"antropose", com o objetivo de indicar a preponderância dos sintomas
psíquicos. É mais ou menos o conceito de Kurt Schneider, quando
afirma que só existe enfermidade no corporal: "Os fenômenos
psíquicos são patológicos somente quando sua existência está
condicionada por alterações patológicas do corpo".
Karl Theodor Jaspers fez a primeira tentativa de conceituar a
Psicopatologia. Desde a primeira edição de sua famosa Allgemeine
Psychopatologie que procurou conceituá-la como ciência pura que visa
exclusivamente o conhecimento. Com essa orientação, a Psicopatologia
tem por objetivo estudar a vida psíquica anormal independentemente
dos problemas clínicos. Para Karl Theodor Jaspers, a Psicopatologia
"não tem a missão de recapitular todos os resultados, senão de
formar um todo, sua função visa o esclarecimento, a ordenação, a
cultura. Tem de esclarecer o saber nos tipos básicos dos fatos e na
multiplicidade dos métodos, resumi-los numa ordenação natural e,
finalmente, levá-los à autoconsciência no todo cultural do homem.
Cumpre uma tarefa específica que vai além da investigação especial
do conhecimento".
Completando o pensamento de Karl Theodor Jaspers, diz Gabriel
Deshaies que, na medida em que aspira ao conhecimento científico, "a
Psicopatologia não se define por dogmas consagrados, senão pelo
objetivo de certa investigação sobre o homem enfermo". A psiquiatria
clínica constitui uma ciência aplicada às alterações psíquicas e
seus problemas correlatos, como o diagnóstico, o tratamento e a
profilaxia das doenças mentais. Enquanto a Psicopatologia tem um
âmbito mais restrito, visando conhecer os fenômenos psíquicos
patológicos e, assim, oferecer à psiquiatria as bases para a
compreensão de sua origem, mecanismo íntimo e futuro
desenvolvimento. Compete à Psicopatologia reunir os materiais para a
elaboração -da teoria do conhecimento dos fenômenos com os quais a
psiquiatria possa coordenar sua ação curativa e preventiva.
Eugen Minkowski (Abril 17, 1885 - Novembro 17, 1972), afirmava que o
“termo psicopatologia corresponde mais a uma ‘psicologia do
patológico’ do que a uma ‘patologia do psicológico’”. Em sua
opinião, a psicologia do patológico se refere à descrição global da
experiência vivida pelo enfermo, como expressão original da vida
interior tal como o doente a constitui. Minkowski admite que uma
parte das pesquisas de L. Binswanger e de V. von Gebsattel
representam um exemplo desse tipo, como também as concepções de
Bleuler quando estuda o conjunto da existência do paciente como
forma de adaptação original à enfermidade. Neste sentido, a
psicopatologia procura compreender os elementos específicos do
Erlebnisse (experiência, vivência) patológico do enfermo psíquico,
permanecendo aberta a questão de determinar qual o tipo de
compreensão que se torna pertinente.
Meio século antes esses problemas já eram discutidos. Em 1914, o
psicólogo e médico francês Charles Blondel, em sua obra "La
conscience morbide" chamava a atenção para o fato de que, em sua
opinião, os psiquiatras não compreendiam o que se passava com os
doentes mentais. Considerava que, quando se define a alucinação como
"uma percepção sem objeto" ou quando se diz que "o delírio é um
juízo falso ao qual se aferra o enfermo apesar de todas as provas em
contrário", recorre-se a fórmulas verbais que, sem serem
tecnicamente falsas, não levam à compreensão do que significa de
fato, para o paciente, a experiência alucinatória ou delirante e o
que realmente experimenta no curso de tais experiências. Blondel
mostra que o enfermo psíquico vive em um mundo diferente,
inacessível aos métodos de experimentação e introspecção.
Considerava ainda que isto se aplica não só às psicoses maiores,
como também aos sutis sentimentos de vagas ameaças e de
despersonalização que ocorrem nos estados iniciais da esquizofrenia.
Foram essas dificuldades que levaram os psiquiatras a procurar apoio
na fenomenologia, método de investigação que possibilita penetrar no
mundo subjetivo dos enfermos psíquicos.
Por exemplo, para Karl Theodor Jaspers, as vias de acesso ao fato
psicopatológico são a compreensão e a explicação: a primeira é um
método subjetivo; a segunda, um procedimento objetivo. A compreensão
consiste num esforço de penetração e de intuição do fenômeno mórbido
com seu significado, tal como o considera o enfermo. A explanação é
uma ação intelectual que completa a compreensão, por sua
interpretação e ao estabelecer laços de causalidade entre os
diferentes dados proporcionados pela observação. Jaspers centraliza
a sua atenção no estudo do fenômeno psíquico fundamental: a
vivência. Para alcançar a vivência, é necessário fazer uma descrição
minuciosa das experiências subjetivas do enfermo e classificá-las,
depois do examinador ter interpretado os fenômenos observados. Como
as vivências do paciente são subjetivas e inacessíveis à observação
direta, o observador procura estudar "diretamente as suas próprias
vivências". É através da comparação entre as próprias vivências e
aquelas captadas no indivíduo examinado que se pode chegar a uma
verdadeira investigação fenomenológica. A essa metodologia, Jaspers
denomina "penetração empática". Para isso, é necessário interpretar
os gestos, e comportamento, as expressões do enfermo. Não se trata
de registrá-los, de maneira objetiva, mas de ensaiá-los, como faz um
ator. Além disso, o interrogatório dirigido pelo examinador conduz à
captação de confidencias, autodescrições, através das quais se
revelam as suas vivências.
Os elementos estudados contribuem para o conhecimento de três
espécies de fenômenos: a) aqueles que conhecemos por nossa própria
experiência; b) fenômenos que são acentuações, diminuições ou
contaminações de experiências pessoais; c) fenômenos que se
caracterizam pelo fato de não poderem ser representados no espírito
de maneira compreensiva. Só podem ser abordados, no máximo, por
analogia. A esse grupo pertencem as experiências que se denominam de
"primárias", em que se podem incluir muitos dos fenômenos
psicopatológicos estudados.
Dr. Wagner Paulon - Formação em psicanálise (Escola Paulista),
mestre em psicopatologia (Escola Paulista), psicologia (Saint
Meinrad College) USA, pedagogia (FEC ABC), MBA (University Abet)
USA, curso de especialização em entorpecentes (USP), psicanalista
por muitos anos de vários hospitais de São Paulo.