Rito de passagem
Irlei Wiesel
20/03/2009
Você conhece a lenda do rito de passagem da juventude dos índios
Cherokees?
O pai leva o filho à floresta durante o final da tarde, venda-lhe os
olhos e deixa-o sozinho. O filho fica sentado, sozinho, no topo de
uma montanha a noite toda e não pode remover a venda até os raios do
sol brilharem no dia seguinte.
Ele não pode gritar por socorro para ninguém.
Se ele passar a noite toda lá, será considerado um homem.
Ele não poderá contar a experiência aos outros meninos porque cada
um deverá tornar-se homem do seu próprio modo, enfrentando o medo do
desconhecido.
O menino está naturalmente amedrontado. Ele pode ouvir toda espécie
de barulho. Os animais selvagens podem, naturalmente, estar ao redor
dele. Talvez alguns humanos possam feri-lo. Os insetos e cobras
podem vir picá-lo. Ele pode estar com frio, fome e sede.
O vento sopra a grama e a terra sacode os tocos, mas ele fica
sentado, estoicamente, nunca removendo a venda.
Segundo os Cherokees, esse é o único modo de ele se tornar um homem.
Finalmente, após a noite horrível, o sol aparece e a venda é
removida.
Ele então descobre seu pai, sentado na montanha, perto dele.
Ele ficou a noite inteira protegendo seu filho do perigo.
Apesar de muitas vezes nos sentirmos sozinhos, devemos lembrar que
não estamos. A luz universal ilumina dia e noite nosso caminho.
Confiar nisso é algo confortante. A confiança de haver uma força
maior zelando por nós estimula a nossa coragem e sentimos um ímpeto
ainda forte de enfrentarmos as dificuldades naturais da vida.
No rito de passagem dos índios Cherokees, o pai manteve uma
distância adequada, para não interferir na escolha do filho. Devido
à escuridão da noite e à solidão da madrugada, o filho poderia ter
desistido instantaneamente. O pai, poderia ter usado sua influência
junto à tribo, para impedir que o filho passasse pela experiência e,
pior, que desistisse antes do amanhecer. A desistência seria uma
opção que certamente geraria conflito na tribo. No entanto, o pai
sentado ao lado do filho, resistia às inquietações e sugeria,
inconscientemente, ao filho de que ele era capaz.
Da mesma forma o filho enfrentando a situação, apesar da incerteza
dos detalhes, iniciava um exercício pessoal e intransferível. O
exercício da REVELAÇÃO.
O exercício da Revelação consiste em silenciar profundamente, para
que no silencio de todas as coisas, o nosso eu interior se
manifeste. Nessa manifestação, o dialogo interno determinará o
quanto de nós ainda está preso e amedrontado, o quanto de nós ainda
conserva o medo do desconhecido, o quanto de nós permanece conectado
à própria essência e o quanto de nós está desfocado, conectado aos
perigos externos. A nossa calmaria interna é indispensável para
enfrentarmos as tormentas e os perigos externos.
O que pautou a busca dos sábios índios foi a certeza no eu posso.
Eles, desde então, já conheciam a importância do centramento, do
caminho do meio, do equilíbrio, da força individual que habita os
seres humanos desde sempre.
Já passei pela experiência de vendar os olhos e caminhar com e sem
ajuda de alguém. O tempo de duração da venda foi de no máximo 20
minutos. Além disso, não me foi solicitado passar a noite ao
relento. Confesso, porém, que a experiência exigiu muito de mim. Ela
remete ao nosso lado escuro. O lado escuro que todos nós temos e que
todos nós desviamos tanto dos outros como de nós mesmos. O nosso
lado escuro é a ausência de luz em nós. Quando o jovem índio é
convidado a espiar a si mesmo, ele descobre logo na juventude, que
haverá um longo caminho para ser trilhado entre a luz e a escuridão.
E, aonde quer que ele vá, sempre haverá não só inúmeros convites
para seguir o lado escuro, mas também outros tantos para transcender
para luz.
Portanto, haja o que houver, lembremo-nos que, mesmo que pareça
estarmos sós, sempre alguém nos acompanhará.
Irlei Wiesel é Psicoterapeuta, Escritora.
E-mail: ilhw@terra.com.br
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