Ser Humano ou Ser Profissional
Por Jerônimo Mendes
11/01/2009
Por várias empresas onde passei havia sempre um adepto do seguinte
discurso: eu não levo problemas do trabalho para casa e vice-versa;
aqui na empresa eu sou profissional. Ao dizer aquilo o sujeito
enchia a boca e estufava o peito enquanto eu tentava imaginar o tipo
de mágica necessário para se conseguir desassociar o pensamento de
ambientes tão intimamente ligados.
Como dizia a mestra Maria Schirato: você conhece alguma mãe que sai
de casa contente para o trabalho ao deixar o filho na cama com 38
graus de febre? Você conhece algum profissional que volta para casa
sorrindo, depois de levar uma babada inesquecível do chefe na frente
dos colegas?
Assim como é no trabalho é na vida pessoal. Ambos demandam por
responsabilidades, metas e objetivos, avaliações, solução de
problemas e conflitos de toda ordem, negociações o tempo todo. Em
casa é melhor, pois temos o direito de levantar um pouco mais tarde
e trabalhar de cueca, se as esposas deixarem. E geralmente, com
jeitinho, elas não contrariam.
Em todas as minhas palestras tenho defendido a indissociabilidade do
ser humano no mundo pessoal e no profissional embora existam limites
para ambos. É difícil acreditar que alguém possa ser diferente
utilizando-se da mesma mente, repleta de histórias e de vícios, e do
mesmo corpo.
Em outro artigo mencionei o caso de milhares de pessoas que saem de
casa na segunda-feira, descontentes, já pensando na sexta-feira, com
a terrível sensação de que a semana será um verdadeiro inferno.
Apenas para relembrar, se isso acontece com você, possivelmente você
está no lugar errado. Por essas e outras razões é que o imperdível
happy hour faz muito sucesso. Ali, você está livre da hostilidade
corporativa e pode até praticá-la utilizando-se do suave veneno
comumente destilado nas mesas de bares e restaurantes na ausência do
patrão, do chefe e dos desafetos.
Todos os dias, a despeito da infinidade de problemas que surgem com
freqüência em sua vida, o ser humano tende a vestir a máscara da
hipocrisia. Como sua mente não está preparada para ver somente o
lado bom das coisas nem para se render diante dos fatos que parecem
óbvios, e para os quais se exige boa dose de humildade, ele sai de
casa imaginando o que fazer para evitar o encontro com o chefe ou
para terminar aquele projeto que há mais de um mês foi solicitado ou
ainda quando encontrar o colega com o qual ele não possui a menor
afinidade – de fato, eles se odeiam, porém é melhor sorrir para
manter o espírito de equipe.
Particularmente, acredito pouco nas pessoas e nos profissionais – e
os profissionais são pessoas - que se dizem diferentes em casa e no
trabalho. Tenho em mente a imagem daquele sujeito que foi eleito o
empresário do ano, o líder do ano, o político do ano, a
personalidade do ano, entretanto, sua vida pessoal é o caos. De dia
sorri para a equipe, de noite enche os filhos de palavrões.
“Na ocorrência de coisas desagradáveis entre vizinhos, o medo chega
rápido ao coração e exagera o efeito na outra parte; mas ele é um
mau conselheiro e todo homem é na verdade fraco e na aparência
forte. A si mesmo, ele parece fraco; aos outros, formidável.”,
afirmava Emerson.
Se “somos aquilo que fazemos repetidamente” e repetidamente nossa
maior preocupação é concentrar energia no sucesso alheio e nos
defeitos alheios, não importa o ambiente em que nos encontramos,
seremos sempre personagens movidos ao equívoco permanente, com pouca
capacidade de discernimento e com tendência ao pré-julgamento, na
ponta da língua e no fundo da mente.
O mundo espera muito de nós, portanto, é necessário manter-se fiel
ao nosso elemento de vida, a verdade. Quando você se mantém fiel a
si mesmo e a consciência está em sintonia com o seu coração, as
decisões fluem com mais naturalidade e senso de justiça. Neste caso,
não importa o campo de batalha.
Convenhamos, é extremamente difícil ser justo e manter a
tranqüilidade sob pressão, quando o emprego está em jogo, quando as
contas estão vencidas ou quando a família está desunida. Poucos de
nós foram treinados para enfrentar as adversidades com a serenidade
que tanto almejamos. E ainda exigimos firmeza e equilíbrio por parte
dos filhos, dos amigos e dos colegas. Nem sempre aquele que nos
aconselha utiliza o mesmo conselho para resolver os próprios
dilemas.
Todo ser humano é refém dos próprios pensamentos, portanto, todo
pensamento é também uma prisão. Ele tem o dom de escravizar a si
mesmo e de antecipar problemas que nunca acontecem da forma como
imagina, o que o leva à demissão antes da hora, ao pré-julgamento,
ao desequilíbrio físico e psicológico, ao sofrimento desnecessário.
Definitivamente, não há como separar o lado humano e o profissional.
O que muda é a percepção do ambiente, a forma como abordamos
determinados assuntos e os limites que conseguimos impor a nós
mesmos para conservar o caráter e a reputação em ambientes
distintos, mas complementares.
Depois de quarenta e poucos anos de vida, e muita martelada na
cabeça, posso dizer que aprendi um bocado nesse mundo corporativo,
motivo pelo qual divido com vocês algumas dicas que podem ajudá-lo a
equilibrar os dois lados, com menos sofrimento e mais discernimento,
se julgar conveniente aplicá-las por livre e espontânea vontade em
sua vida pessoal e profissional.
Acredite ou não, elas funcionam muito bem se você tiver a humildade
de olhar para dentro de si mesmo a fim de manter a integridade em
ambientes que exigem, de maneira equânime, princípios e valores
inegociáveis, caso contrário, isto não lhe servirá para nada. Pense
no seguinte:
1) Você conhece milhares de pessoas, mas conta nos dedos aqueles que
realmente pode chamar de amigos. Não existe esse negócio de amigos
na vida pessoal e amigos no trabalho. Amigos são amigos e ponto
final, no trabalho ou fora dele;
2) O ser humano é indissociável, portanto, as emoções da relação
pessoal e profissional estão intimamente ligadas. Procure equilibrar
os dois lados, pois ambos precisam de você e vice-versa;
3) Mais importante do que a pressão exercida no trabalho, acredite,
existe vida fora dele. A família te espera em casa de braços
abertos, desde que você adote na íntegra o conceito de família; para
onde você corre quando perde o emprego? Eu corri para os braços da
minha querida esposa e dos meus filhos quando aconteceu comigo e,
graças a Deus, fui muito bem recebido;
4) Não seja pedante e não deixe que a fama lhe suba à cabeça. Quanto
maior o cargo, maior o tombo, mais difícil a recuperação. Poucos
estão preparados para recomeçar a caminhada depois de perder o
crachá, o plano de saúde, o vale-refeição e, principalmente, o
sobrenome da empresa; no fim das contas, o que conta mesmo é o seu
sobrenome de nascença;
5) Trate bem as pessoas, independentemente do nível hierárquico, o
delas e o seu. Em cargos de liderança, se tiver que demitir alguém,
seja direto, gentil e transparente, mas não tripudie, é um momento
difícil para ambos, a menos que você seja desprovido de hormônios;
6) Felizmente, o mundo corporativo sobrevive sem você, portanto, não
o carregue nas costas nem se deixe escravizar por uma quantia de
dinheiro que nunca será suficiente para compensar o tempo e a saúde
que você perde enquanto tenta provar para a família e para o chefe o
quanto você é capaz; entretanto, enquanto estiver a serviço de
alguém, dê o melhor de si, seja leal e íntegro;
Por fim, lembre-se: não se trata de fazer a família entender o quão
importante o trabalho é para você, mas o quão importante você é para
a família e para as empresas que confiam no seu trabalho. Pense
nisso, sofra menos, seja mais humano, mais ativo, constituinte e
criador do mundo. Seja feliz!
Jerônimo Mendes é Administrador, Consultor e Palestrante
Autor de Oh, Mundo Cãoporativo! (Qualitymark) e Benditas Muletas
(Vozes)
Mestre em Organizações e Desenvolvimento Local pela UNIFAE