Sobre o Medo da Morte
Por Silvia Malamud
13/08/2009
Desde o início dos tempos, a questão da morte e da finitude muitas
vezes acaba por alterar a tranqüilidade e o prazer de existir,
freqüentemente sendo substituída por fluxos de pavor e mesmo de
desorganização psíquica.
As perguntas que ficam em relação ao tema permeiam questões sobre o
desconhecido, sobre a própria finitude, sobre a razão da vida, sobre
o que é transcendente.
Ao longo de nossas vidas, inúmeras são as vezes na qual vivenciamos
ciclos emocionais repetitivos. Isso se deve ao fato de que "lá",
quando ainda éramos crianças e com os recursos e conhecimentos
limitados que pode ter uma criança, entendíamos que nos manifestando
com determinados padrões de comportamento na certa seria o melhor
para sobrevivermos a situações conflitantes.
Ocorre que com o desenvolvimento que vem através da linha do tempo e
com as novas oportunidades que a vida nos oferece, gradativamente
podemos perceber que o que foi entendido pela nossa criança daquele
tempo, pode ser totalmente redimensionado, abrindo espaço para novos
conhecimentos sobre nós mesmos, bem como sobre as nossas relações
para com a vida. Infelizmente, porém, não é sempre que este tipo de
transformação saudável acontece.
Infinitas são as vezes quando caminhamos rumo a novas experiências,
porém ainda fixados em referências antigas que de nada nos servem
para as dinâmicas das nossas atualidades individuais e únicas.
Talvez por questões traumáticas, pelo medo excessivo ou pelo grau de
fixação de prazer distorcido, advindo de respostas da infância,
torna-se possível a indefinida perpetuação numa situação de
realidade onde já não há mais validade alguma para a atual
consciência evoluída. Neste sentido, existe uma emergência
silenciosa de se sair desta espécie de bolha.
Note que ao nos perpetuarmos neste ciclo vicioso, sem que
percebamos, acabamos por interromper a plena vivência de aspectos
fundamentais das nossas existências. Por consequência, grande parte
da energia que possuímos fica represada de modo circular, gerando um
tipo de hipnotismo que literalmente impede o mergulho numa realidade
mais profunda do existir.
Por vezes, num engano atroz e por medo do desconhecido que
representa sair da "bolha" e de se atirar no mundo da realidade,
pessoas e mais pessoas acabam por se perpetuar nas mesmas questões
emocionais, vagueando como sonâmbulas, mudando os cenários
vivenciais, mas não as questões emocionais envolvidas; permanecendo
num local em que nada se recicla.
É exatamente nesta situação que a vida não acontece.
O medo de morrer, neste sentido, ocorre quando a pessoa sente que
ficou em dívida consigo mesma, com a sua própria vida. Deixando de
lidar com o mundo da realidade, com as alegrias e com as frustrações
inerentes a todo aquele que efetivamente está vivo.
Quem deixa de vivenciar aspectos fundamentais de sua própria vida,
pode ter um medo da morte cristalizado. É freqüente a pessoa saber
que tem uma conta a pagar a si mesma e, quer seja pela falta de
coragem ou pela falta de iniciativa, sente que não aconteceu a
renovação do que já estaria morto.
A grande questão é a de se nutrir de coragem e por vezes pedir
auxílio quando se fica mais consciente deste processo de sair da
bolha conhecida que se manteve anos a fio selada em meio a um
montante de ilusões, sonhos de realização, idealizações e medos.
Nesta situação, para que efetivamente ocorra uma ruptura e, por
conseqüência, uma transformação de vida, o "Eu" deve estar
suficientemente fortalecido para que se possa comandar com total
força transformadora toda essa mudança paradigmática.
Observem que a questão da morte, da finitude, é um assunto que
sempre interessa. Os sentimentos envolvidos podem ocorrer em um
rompimento afetivo, na perda de um animal de estimação, de pessoas
próximas e mesmo no vislumbre da nossa própria morte. É lógico que o
processo de desligamento seja muitas vezes complicado. Existem
inúmeras questões envolvidas. Aqui, falo da plenitude da vida para
que possamos de algum modo alcançar o que nos espera na condição de
humanos que somos de modo mais autoconsciente e lúcido.
Tendo a absoluta certeza de que as nossas existências estão
validadas!
E, para finalizar, como ocorre no efeito bolha, voltamos ao tema...
Imagine um ator que não queira abandonar um papel no qual esteja
atuando e o personagem acabe assumindo o controle sobre o ator
(consciência encarnada), para esse personagem seria a morte. Penso
que romper a "bolha" faça parte do caminho da nossa iluminação. Esse
tipo de passagem nem sempre é simples ou fácil a princípio... Depois
que se toma consciência da dimensão do drama/bolha em que se está
inserido é que efetivamente começa-se a sair dele.
É quando nos tornamos incorruptíveis no caminho de volta, pelo fato
da autoconsciência adquirida. Na seqüência, nos encaminhamos a
perceber que essas mesmas dimensões/bolhas se tornarão apenas
imagens, depois memórias distantes e, logo após, alcançamos o status
de se ficar totalmente desidentificados com o antigo lugar. É neste
momento que a vida começa por ficar totalmente dinamizada de outro
modo.
Nesse palco terreno, todos somos protagonistas, elegemos os
antagonistas com os quais lutaremos e, nessa épica luta individual,
almejamos sair vitoriosos e por vezes a vitória consiste em apenas
abandonar um ciclo que se repetia e que não levava a lugar nenhum.
Penso que a vida deveria ser encarada mais esportivamente,
aprendendo a dar valor tanto às derrotas quanto às vitórias.
Esse tema sobre vidas não vividas também é muito oportuno, porque
vejo isso o tempo todo em muitas pessoas, sendo que essa cobrança
sobre sonhos e projetos não realizados é muito comum. Também vejo
pessoas que, para fugir dessa frustração, dizem viver só o momento
presente, abrem mão de projetos e sonhos para não ter que enfrentar
possíveis derrotas.
A filosofia poderia ser: "Deixe a vida me levar, mas que eu tenha o
leme em minhas mãos".
Silvia Malamud é Psicóloga e atua em seu consultório em São Paulo.
Tel. (11) 9938.3142 - deixar recado. Autora do Livro: Projeto
Secreto Universos. Email: silvimak@gmail.com