A Teoria de Maslow e o Fracasso Escolar
Por Glória Maria Veríssimo Lopes Pisandelli
18/06/2007
Introdução
O objetivo deste artigo é estabelecer uma relação entre os conceitos
relativos à Teoria da Hierarquia das Necessidades do Psicólogo
norte-americano Abraham Maslow, e a educação de crianças
provenientes de famílias carentes. Analisamos o questionamento dual:
a família é carente como conseqüência do analfabetismo ou os
analfabetos são conseqüência das carências da família?
Não pretendemos oferecer a fórmula mágica para resolver este enigma,
mas demonstrar a necessidade da mudança de paradigmas na educação,
que se encontram na essência do problema do analfabetismo no Brasil.
As hierarquias de Maslow e as crianças de famílias carentes.
Quando estabelecemos a relação entre a Teoria da Hierarquia das
Necessidades, de Maslow, e a Educação de Adultos, expressamos:
“...o adulto a ser alfabetizado está inserido na sociedade, da qual
pode ou não se sentir segregado como conseqüência do seu despreparo
para enfrentar, tanto os mais simples requisitos de qualificação
tais como o letramento básico, ou requisitos mais complexos de
leitura, escrita e interpretação de conceitos, como acontece em
organizações complexas, como industrias, comércio, serviços e outros
similares.” (PISANDELLI, outubro 2003).
Obviamente aos nos referirmos ao adulto analfabeto, estamos
implicitamente dizendo que houve uma criança que não foi
alfabetizada no momento certo e que, com o passar do tempo,
transformou-se nesse adulto analfabeto. Isso nos leva a refletir
sobre o princípio de causa e efeito aplicado às famílias carentes.
O questionamento neste ponto é: a família é carente como
conseqüência do analfabetismo ou os analfabetos são conseqüência das
carências da família? Infelizmente ambos os questionamentos são
corretos. Causas e efeitos se alternam na passagem das gerações. Um
círculo vicioso difícil de quebrar, principalmente nas regiões mais
pobres do país. Este círculo é continuamente alimentado por um
sistema político, social e educacional pernicioso e elitista que
discrimina os níveis menos favorecidos através de restrições e
agravado pela má utilização e desvio de recursos humanos e
materiais, dificultando sobremaneira o acesso ao conhecimento a
esses grupos sociais.
A respeito disso Costa escreve:
“A causa do fracasso passa, assim, a ser situada na própria criança
que de vítima se transforma em réu. Dizemos vítima porque, segundo
este ponto de vista, esquecemos de considerar que esta criança sofre
as conseqüências de um sistema social e educacional perverso, que
não lhe oferece as condições necessárias para se apropriar do
conhecimento dito formal, científico ou padronizado (ou seja, o
conhecimento que a escola objetiva transmitir).” (COSTA, 2003)
Maslow postula, na sua Teoria das Hierarquias, que as necessidades
sociais surgem no comportamento, quando as necessidades inferiores
(fisiológicas e de segurança) encontram-se relativamente
satisfeitas. Entre outras, as necessidades sociais estão
relacionadas às necessidades de associação, de participação, de
aceitação por parte dos companheiros, de troca de amizade, de afeto
e amor.
Uma família carente dificilmente apresenta suas necessidades
inferiores satisfeitas, nem sequer em níveis relativos, pois não
existe garantia de alimentação, moradia, repouso e segurança física
do grupo familiar, entre outras.
Concordamos com Vigotski (2000) quando este afirma que as crianças,
bem antes de ingressarem na escola, já trazem uma bagagem de
conhecimentos e qualquer situação de aprendizado que nela vivam,
será confrontada com uma história prévia.
Nessa situação de subsistência precária onde a inversão dos valores
morais, sociais e de justiça apresentam-se subvertidos pela própria
necessidade de sobreviver, dificilmente a “história previa” terá um
final feliz.
Uma criança, fruto desse ambiente, somente poderá encontrar uma
saída para seu futuro através da escola e do conhecimento de fatos e
situações diferentes daquelas que está acostumado a viver, o que
poderá lhe abrir as portas do trabalho e da ascensão social.
O que se espera dessa escola é que possa lhe fornecer as ferramentas
necessárias para construir, degrau por degrau, a escada que lhe
permitirá a quebra daquele círculo vicioso e a conseqüente passagem
para níveis mais elevados dentro da escala social, subindo na
hierarquia das necessidades, promovendo a auto-estima e o
autodesenvolvimento.
No entanto, na opinião de Costa (2003) a realidade mostra um cenário
totalmente diferente onde a escola, principal instrumento para
veiculação de conhecimento, não permite que crianças pobres se
apropriem deste conhecimento, já que não criam as condições mínimas
necessárias para que isso ocorra. Respeitando algumas raras exceções
a escola que atende à população pobre é de qualidade muito baixa,
assim como outros serviços destinados a esta clientela, o que
contribui para a produção do fracasso escolar e para agravar o
problema, muitos profissionais simplificam a questão colocando sobre
a criança a responsabilidade da não-aquisição de determinados
conhecimentos, rotulando-a de incapaz. Rótulo esse que será levado
pelo resto da vida.
Essa constatação, não é difícil. Essa criança, com sonhos e
esperanças de conseguir na escola a tão almejada saída, encontra-se
num beco. A reação é a pior possível. Desalento, insatisfação,
desencanto e por sobre todas as coisas, um profundo sentimento de
frustração.
Esta realidade, é observada, com raras exceções, não somente no
ensino de alunos de séries superiores, mas principalmente nas séries
iniciais, como a alfabetização onde o fracasso é mais freqüente em
alunos de camadas sociais mais baixas e as escolas não conseguem, ou
não querem enxergar que suas precárias condições de ensino é que
são, na realidade as responsáveis pelo fracasso da criança.
Costa (2003) complementa:
“Enquanto as crianças de classes mais favorecidas têm oportunidade
de acesso à escola desde cedo, condições de aquisição de brinquedos
pedagógicos, material pedagógico diversificado, computador, livros
privilegiados pela escola etc, grande parte das crianças pobres
vislumbra na escola o lugar privilegiado para acesso a esses bens,
tendo, na maioria das vezes, sua expectativa frustrada.”
[...]
“Aqui, o preconceito e a conseqüente baixa expectativa com relação à
criança pobre têm um peso muito grande”
[...]
“[...] em entrevista com uma educadora esta me disse achar
desperdício gastar tanto tempo e recursos com estas crianças, pois
não se devia gastar sal com carne podre.”
Em artigo anterior, expressamos:
“Muitas crianças são identificadas como portadoras de problemas de
aprendizagem quando não realizam o que se espera de uma programação
de ensino. Se, o rendimento escolar da criança não corresponde às
expectativas da família e da própria escola, essa criança passa a
ser vista pela família, por professoras e colegas como um fracassado
e muitas vezes é rotulada como alguém portador de um problema de
aprendizagem.” (PISANDELLI, setembro 2003)
Qual será a expectativa de ascensão de uma criança, na Hierarquia de
Maslow, quando é rotulada como deficiente ou considerada como “[...]
carne podre”.? Qual modelo poderá escolher essa criança para tomar
como referência, para construir seu futuro?
Mais que uma pergunta, isto se constitui em um desafio para todos
nós, que embarcamos na luta para mudar essa situação. Não será
através de críticas destemperadas ou comentários sarcásticos que o
círculo da miséria, ignorância e pobreza será quebrado, mas mediante
ações concretas, efetivas, diuturnamente implementadas,
independentemente de local, valor ou grandeza.
É na luta do dia a dia contra as forças das correntes que se opõem
às mudanças, que essas crianças carentes de hoje serão os homens de
bem que construíram o Brasil de amanhã.
Somos plenamente conscientes de que entre muitos problemas que o
Brasil terá que enfrentar para firmar-se entre as grandes nações,
três são especialmente agudos e estão interligados: a pobreza e
desemprego, a infância desamparada e a educação.
Mas indubitavelmente, sabemos que da educação de seu povo depende o
ingresso ou não, do país no clube das nações desenvolvidas.
E é na escola que as famílias carentes depositam suas esperanças de
um futuro, se não melhor, pelo menos diferente para seus filhos.
A missão da escola, como principal instrumento da transmissão de
conhecimentos, é cumprir a função primordial da educação, isto é,
tornar o sujeito capaz de agir conscientemente na transformação do
conhecimento.
Essa é a escada que leva o homem a sua ascensão na Hierarquia das
Necessidades, de Maslow.
Sejamos conscientes disso.
Bibliografia
CHIAVENATO, I. Teoria Geral da Administração, v 2, São Paulo, Atlas
COSTA, Dóris Anita Freire. Fracasso escolar: Diferença ou
Deficiência? Psicopedagogia On line, São Paulo. Disponível em:
<http:// www.psicopedagogia.com.br/entrevistas> Outubro 2003
GUALAZZI, Abordagem Comportamental da Administração,
http://www.unimep.br/
MASLOW, A. Motivation and Personality, 2nd ed., Harper & Row, 1970.
NORWOOD, G. Maslow's Hierarchy of Needs,
http://www.connect.net/georgen/maslow.htm, Junho, 1996.
PISANDELLI, G. M. Dificuldades de Aprendizagem: Conseqüência do
Despreparo dos Professores? Psicopedagogia On line, São Paulo.
Disponível em: <http:// www.psicopedagogia.com.br/artigos> Setembro
2003
PISANDELLI, G. M. A Teoria de Maslow, e sua relação com a educação
de adultos Psicopedagogia On line, São Paulo. Disponível em:
<http:// www.psicopedagogia.com.br/artigos> 0utubro 2003
VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
* Glória Maria Veríssimo Lopes Pisandelli
Pedagoga. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional
(Universidade Vale do Acaraú - UVA).
Filiada à Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp - CE).
Consultora em Psicopedagogia da CTA – Consultoria, Treinamento e
Avaliações Ltda.
Membro da Diretoria do CCDS - Conselho Comunitário de Defesa Social
de Tabapuá, ligado à Secretaria de Segurança Pública do Estado do
Ceará.
Coordenadora do CAPAF - Centro de Apóio Psicopedagógico à Família no
CCDS.
Gestora do Programa de Avaliação e Prevenção Psicopedagógica da
Comunidade - PAPPC implementado no CAPAF.
spisandelli@yahoo.com.br