Você Existe no seu Relacionamento?
Por Silvia Malamud
04/09/2008
Cláudia e sua história:
- Claudia, em sua queixa principal, situava-se na dificuldade que
tinha em se desvincular das lembranças nostálgicas que envolviam um
namorado que teve antes do atual. Contou, com a voz embargada pelas
fortes emoções, que havia permanecido por quatro anos com ele, e que
ela mesma rompera o relacionamento, mas que ainda sofria com tudo o
que havia acontecido.
Revelou ter passado uma adolescência achando-se feia e com a certeza
de que ninguém, em sã consciência, iria gostar dela. Lembrou-se que
o irmão vivia confirmando essa sua suspeita dizendo que a mesma era
pavorosa. Como conseqüência, acabava gostando de quem não gostava
dela e constantemente sentia-se solitária. Foi ao entrar na
faculdade que conheceu este seu ex-namorado. Ele estava um ano na
sua frente.
Cláudia definiu o relacionamento como algo de maravilhoso, dizendo
que vivia totalmente para ele e ele para ela. Não percebia na época,
mas acabou se afastando de tudo e de todos. Tínhamos o nosso mundo e
nada mais, confirmava ela em suas falas. Isto durou até o ano em que
ele terminou a faculdade. Foi então que ambos decidiram morar na
Nova Zelândia, afastando-se ainda mais de tudo e de todos.
Num primeiro momento, tudo foi maravilhoso, comenta Claudia.
Durante dois anos não comprou absolutamente nada para si mesma,
economizando todo o dinheiro que recebia para ajudar o namorado a
completar seus estudos por lá. Tinham um projeto de se casarem e
morarem lá também. Neste meio tempo, Cláudia teve que voltar para o
Brasil para que pudesse continuar a faculdade e logo ao chegar por
aqui percebeu o quanto havia se isolado de tudo para ficar com o
namorado. Começou, então, a fazer novas amizades e quanto mais saía
para conhecer pessoas, mais se sentia melhor participante do mundo e
da vida.
Notou que o namorado era uma pessoa legal, porém muito ciumento.
Percebeu que estava anteriormente sufocada e não sabia. Quando
voltou para Nova Zelândia, sentiu uma repulsa muito grande e incomum
por ele. Não tinha a intenção de romper, mas algo dentro de si mesma
falou mais forte. Permaneceu algum tempo lá, mas já estava
diferente, ele também notou chegando até a pensar que Cláudia
houvesse arrumado outro namorado...
No decorrer do processo terapêutico, lembranças de episódios do
passado mostravam a si mesma o quanto tinha se negligenciado como
pessoa neste relacionamento e na sua vida.
Em outras sessões, Cláudia queixou-se do trabalho que fazia
observando que não estava mais motivada, observando também a sua
dificuldade em se impor horários fixos, posto que o tipo de trabalho
que exercia não a exigia neste sentido. Cláudia, na época, dirigia
algumas farmácias.
Em uma das sessões, revelou que todos os seus gostos pessoais, desde
os mais simples até os mais íntimos eram de algum modo satisfeitos
pelo ex-noivo. Falou que funcionavam como uma única pessoa e que
percebia que este tipo de ação do namorado a empurrava de modo
obscuro para que ela deixasse gradativamente de ter desejos e
motivações pessoais. Com o tempo, os desejos e motivações passaram a
ser apenas os do namorado.
Contou que mesmo não sentindo prazer sexual algum com o namorado,
sentia -se totalmente envolvida dentro do mundo à parte que haviam
criado para ambos.
Toda essa percepção se deu durante o processo terapêutico e enquanto
o namorado terminava seus estudos na Nova Zelândia. No final do ano,
quando o noivo retornou ao Brasil, no instante de recebê-lo Cláudia
é tomada por um sentimento de intensa repulsa e acaba rompendo com o
noivado.
Recorda da dor que causou ao ex-noivo, mas reconhece que naquele
momento só queria se sentir aliviada. Nesta época, a paciente
começava a desenvolver uma amizade com o seu atual noivo (hoje ela
está com outro).
Neste meio tempo, a cliente contou que se aproximou mais e mais de
seu atual noivo, até que começaram a namorar. Namoro este que desde
o começo mostrou ser totalmente diferente do tipo de relacionamento
anterior.
No decorrer das sessões, revela a sua dificuldade de contato com os
pais, lembra-se que desde pequena tem a sensação de nunca ter sido
vista por eles. Reclama de ter uma mãe que impõe sua vontade sobre
todos da família sem se preocupar com o que cada um sente e que a
mãe sempre acaba vencendo a todos.
Durante o processo terapêutico, Cláudia gradativamente começa a
valorizar mais o seu trabalho, percebe que não é tão fácil
conquistar o posto alcançado por ela e entra em contato com colegas
que almejam um emprego como o seu. A paciente está em fase de
organizar-se para seu casamento que será no final do próximo ano.
Percebe quantas dificuldades tem em relação a limites e nota que não
poucas vezes entra em atrito com o noivo quando este lhe limita os
gastos.
Começa a se dar conta que com o casamento, não terá mais o tipo de
vida que teve com o ex-noivo. Percebe que vai ganhar em maturidade e
perder na sensação de antes em que tudo podia, mas que não estava em
contato com a vida como ela é: com frustrações, mas também cheia de
possibilidades de conquistas.
Em terapia, Claudia, ora sofre de saudades do antigo noivo e de sua
vida com ele, ora revela querer casar com este noivo de agora. Passa
por fortes momentos em que quer jogar tudo para o alto. Num dado
momento, só pensa em dormir e se vê cheia de dificuldades para com
as rotinas da vida e em outros momentos está animada com tudo.
Cláudia menciona que tem um relacionamento sexual bom com o noivo e
que, ao contrário do relacionamento anterior, com este sente prazer,
mas também tem momentos que não quer sexo preferindo se isolar em
seu mundo pessoal.
Compreendendo a história de Cláudia:
Cláudia é produto de uma organização familiar com uma mãe altamente
invasiva e autoritária e de um pai aparentemente omisso por não dar
um corte eficiente no estilo da mãe. O ideal de tudo o que existe
fica no que a mãe presume ser importante. Crescendo neste tipo de
dinâmica familiar e mesmo em busca de uma certa autonomia para o seu
eu, Cláudia só consegue funcionar em meio a uma definição muito
frágil e pouco clara sobre si mesma. Nem sempre próxima à realidade.
Seus relacionamentos com as pessoas e com o mundo, por consequência,
tendem a ser superficiais e dentro de um contexto simbiótico, onde
definitivamente ela não sabe o que é ela e o que é o outro.
Ainda dentro desta dinâmica de funcionamento, podemos perceber que
quando a paciente termina o relacionamento com o noivo, persiste o
mecanismo de negação quando a mesma simboliza o relacionamento ideal
através de suas imagens nostálgicas. Num determinado momento do
relacionamento com o ex-namorado, percebe-se sufocada numa não-vida
e num ato aparentemente impulsivo, em busca da própria
sobrevivência, como se fosse um nascimento, ou parto, rompe
abruptamente a relação.
Na sua busca de autonomia e crescimento, o novo noivo atual entra em
ação trazendo à paciente a possibilidade do princípio de realidade.
Outro assunto dentro deste ambiente fusional, importante de ser
relacionado e trazido pela paciente por diversas vezes durante as
sessões, era a falta de prazer sexual. Como evidência deste estado
psicológico, sabemos que aqui não há espaço para a obtenção do
prazer fálico, posto que a paciente busca residir num tempo
psicológico bastante primitivo, que é o da fusão, embora a mesma
tenha a possibilidade de existir de modo diferente, como pudemos
observar em seus relatos.
Cláudia possui temores e ansiedades quanto a crescer e ser
independente. Percebe que muitas vezes é acometida por uma raiva
frente às dificuldades que a vida adulta oferece. Nota também que
existem outros prazeres incluindo o sexual, que estão dentro desta
opção, mas mesmo assim, ainda oscila não sabendo para que lado ir...
Observação dentro dos parâmetros do tratamento terapêutico
O tratamento terapêutico anuncia a proposta de transformação efetiva
dentro da formação de um estilo de personalidade. Sabemos da
possibilidade de grandes transformações conscienciais advindas por
intermédio da atuação da psicologia, mas também sabemos do esquema
repetitivo de ser que a consciência, por não saber ser diferente,
acaba se auto-impondo.
De acordo com o tratamento terapêutico, muito deste desgaste reside
no fato de que a paciente estaria investindo grande parte de sua
energia vital entre duas realidades/vida, uma simbolizada na relação
com o ex-noivo e a outra que está vivenciando nesta atualidade,
sendo que este seria um padrão de funcionamento da mesma. Dentro dos
nossos parâmetros, as duas realidades existem como verdades
absolutas, sendo que nas duas há um investimento de energia vital. A
paciente estaria num impasse, suspensa numa situação repetitiva e
energeticamente desgastante. Por conta de sua indecisão e
fragilidade emocional.
Claudia elabora questões importantes durante o processo
terapêutico...
....Cláudia ficou pensativa por alguns instantes, mas logo a seguir
começa a falar: - Uma coisa interessante que está me acontecendo
ultimamente é que minha necessidade de ficar dormindo a manhã toda
se acabou. Tenho acordado todos os dias às sete horas da manhã,
muito disposta, parece que eu quero ganhar o mundo! Não consigo me
ver dormindo sabendo que tenho tanta coisa para fazer! Sei que não
estava assim antes.
A paciente relembra com a ajuda da terapeuta que a postura anterior
a remetia a um estado de não-ação para as coisas práticas de uma
vida mais madura e ativa.
Pouco tempo depois a paciente conta que passou uma semana
maravilhosa com o noivo e que há muito não ficava tão tranqüila com
o mesmo. Diz que foram viajar e que se divertiram muito. Parou por
alguns instantes e se mostrou surpresa ao perceber naquele momento
que o noivo havia gastado dinheiro na viagem com ambos, sem
extrapolar. Refletindo ainda, falou que achou que o noivo nem é tão
regulador quanto ela achava que ele era. Fez a seguinte observação:
- Acho que eu sou parecida com a minha mãe, eu vivo reclamando que
ela quer que as coisas sejam feitas apenas do jeito dela, mas eu
estava agindo assim com o meu noivo. Nossa que absurdo! Como eu não
percebia isso antes? Ele nem é tão egoísta com o dinheiro como eu
achava, essa semana toda foi tão tranqüila com ele.
A terapeuta perguntou se Cláudia conseguiria falar algo em relação à
estranheza que dizia sentir e ela respondeu:
- Acho que deve ser também porque estou percebendo as pessoas
diferentes. Olha só o caso do meu noivo...
Foi avisada sobre o término da terapia e levantando-se da cadeira,
de modo pensativo, questionando sobre as mudanças nas suas
percepções, notou que o seu processo a fez perceber com mais clareza
aspectos seus que estariam em mutação. Revelando que está se
sentindo mais feliz por estar liberta da lembrança da vida com o
ex-noivo e de todo o aspecto emocional envolvido e muito mais viva e
dinâmica dentro da vida concreta que possui.
Silvia Malamud é Psicóloga e atua em seu consultório em São Paulo.
Tel. (11) 9938.3142 - deixar recado. Autora do Livro: Projeto
Secreto Universos. Email: silvimak@gmail.com