Você Consegue Frear seus Impulsos?
Por Silvia Malamud
05/11/2009
EMDR, cura emocional em alta velocidade
Ontem, joguei o celular na parede e ele se espatifou! Outro dia,
fiquei nervosa devido a uma situação mal resolvida, peguei um vaso
em minha casa (que eu adorava) e o atirei no chão. Certa feita,
durante uma briga no trânsito com um motoboy que havia quebrado o
espelho do meu carro, perseguiu-me e me xingou exaustivamente,
fiquei totalmente cega, saí do carro, catei o motoboy pela camiseta
e comecei a estapeá-lo. No momento da ação, fico enlouquecida e não
quero sair dela por nada nesse mundo, mas logo após agir de forma
impensada, vejo-me correndo perigo.
Esses três recentes episódios foram o bastante para que Cristianne
decidisse lidar com suas atitudes impulsivas. Já conhecia o EMDR por
ser minha paciente e por ter se beneficiado por ele ao reprocessar
uma situação de luto mal resolvida.
Começamos com protocolo de reprocessamento e Cristianne, desta vez,
optou por movimentos bilaterais sensoriais. A foto da imagem
perturbadora, representante de todo o pacote da sua angústia em
relação ao tema, foi o episódio da briga com o motoboy.
Peço-lhe para relatar minuciosamente o flash do momento do impacto e
Cristianne me conta que foi, num susto, quando se dera conta de que
estava sentada em cima do motoqueiro batendo violentamente em suas
faces e, as pessoas à sua volta berravam, sem parar, para o rapaz
largar a moça... Neste instante, o rapaz reagira avisando ser ele o
agredido! A cena foi incomum provocando confusão nas pessoas da rua
para decodificá-la. Envergonhada, Cristianne parara imediatamente de
atacá-lo encaminhando-se para o seu carro, partindo em disparada.
Seus sentimentos em relação à cena foram de angústia, impotência e
falta de controle. Durante o desenvolvimento do procedimento e, para
iniciar o EMDR, elencamos alguns outros enfoques relevantes em
relação à cena perturbadora e o começamos.
Na primeira seqüência, Cristianne observa a cena como se estivesse
simultânea e rapidamente ocupando tudo em vários lugares distintos.
Ora se via por cima do rapaz, ora via a cena como expectadora, ora
estava assustadíssima sendo espancada pelo motoqueiro. No segundo
momento, peço-lhe para me contar o que estaria ocorrendo e ela
revela detalhes, como se estivesse vendo um filme em câmara lenta.
Na próxima etapa, relata que repentinamente pulou da imagem com o
motoboy para a do acidente de carro que havia tirado a vida de seu
irmão comemorando dez anos de idade naquela data.
Apesar de já ter elaborado o luto pela perda do irmão, Cristianne
agora rumava para outra questão inserida no episódio do acidente. No
caso específico de Cristianne, por algum motivo, sua mente entrou em
contato com múltiplas variações de cenas e, de algum modo,
fizeram-na reviver o acidente.
Lembrou-se de quando sua irmã que estava dentro do carro, na hora do
acidente em sua companhia, gritou que do outro lado da pista um pneu
havia se soltado de um ônibus e rumava em suas direções em alta
velocidade. Pensa em sua mãe, dirigindo o carro naquele momento, e
questiona o fato dela não desviá-lo da rota e o direcionar para o
acostamento por proteção, por ter sido ela receptiva ao impacto
destrutivo, se dissera antes que poderia ir para o acostamento e, no
final, acabou por não ir...
Em outro momento, Cristianne revive o barulho do pneu batendo no
teto do carro e chora colocando a mão em sua cabeça quando relembra
do rombo provocado no carro com o pneu batendo na cabeça de seu
irmão tirando-lhe, de imediato, a vida.
Diz ver seu irmão caindo morto com a cabeça em seu colo e sentindo
angústia e desespero pela impotência de não poder fazer algo para
trazê-lo de volta à vida.
Lembra-se das mesmas reações de todos diante ao fatídico e inusitado
momento. Sente-se totalmente desamparada. Numa aflição desmedida,
pelo desespero causado, começa a ter vontade de quebrar tudo ao seu
redor. Lembra-se ter tido vontade de sair correndo e de nunca mais
parar de correr na vida. Pareceria Forest Gump. Percebeu, em
verdade, que depois do acidente nunca mais parou de correr.
Situações que a faziam parar, de alguma maneira a frustravam em
sentimento de impotência e a remetiam ao desespero. Ouviu uma sirene
tocar e a ambulância chegar e associou sua violência de determinados
momentos com o barulho daquela sirene do resgate no dia do acidente.
Observa, quando se sente impotente, é como se ouvisse a sirene da
ambulância dentro de si e o desespero a toma e ela nessa vez e nas
outras em que se sente impotente tenta frenética e alucinadamente
resolver a situação, seja qual for e, assim, na maioria das vezes,
age impulsivamente e às cegas. Fica perplexa ao se dar conta de tudo
isso. Percebe seu desejo de ter feito algo diferente naquela hora.
Lembra-se de situações limites com impacto de soluções das coisas e,
desenfreada pela angústia, meteu os pés pelas mãos, ansiosa e com
medo de novamente não dar conta da situação.
Paradoxalmente, viu-se deveras acelerada durante todos os anos do
pós-acidente, deixou de perceber quantas vezes passou por cima das
próprias percepções sendo e permitindo outros serem lesivos em suas
condutas e com ela mesma. Lembrou-se de inúmeras situações onde se
imaginou super potente passando por cima dos seus próprios
sentimentos. Como suposta heroína de si mesma, correu sérios riscos
tanto em atitudes impulsivas como naquelas em que passava por cima
de si mesma. Notou um descompasso em seus ritmos internos.
No final e após atravessar inúmeras cenas elucidativas, Cristianne
revela estar muito cansada. De súbito, vê-se numa praia com sua
filha e o seu namorado. O dia está ensolarado e todos se divertem.
Repentinamente, o céu vai escurecendo e arma-se um temporal
daqueles. Olham para o céu antes azul e observam inúmeras nuvens
escuras se avolumarem. Mais alguns instantes, raios e trovões surgem
subtraindo-lhes o relaxamento e a alegria que desfrutavam. Começam a
recolher seus pertences para se abrigarem em local seguro. Sua
filhinha, com medo, começa a chorar. Num lapso de instante,
Cristianne é impelida a ficar nervosa pretendendo aquietar os
incômodos medos da criança.
Na seqüência, lembra-se de não ser lesiva a ninguém nunca mais, e
ainda, com receio da tempestade inusitada, Cristianne pega no colo
sua filhinha, acolhendo-a e oferecendo-lhe carinho e segurança,
permitindo, assim, que a mesma sentisse seus medos e inseguranças
inerentes a todo ser humano.
Na próxima cena, seu namorado abraça as duas e começa a chover
torrencialmente. Os três começam a rir e sem tirar o foco de uma
possível encrenca com a chuva forte caindo, agem de imediato
correndo para casa.
Este foi o final do EMDR de Cristianne. Após o reprocessamento,
checamos novamente todos os conteúdos em relação à cena inicial e
concordamos estar tudo pronto! No final, Cristianne, ainda
elaborando, observa, mesmo considerando todo o ocorrido no acidente
com seu irmão, de toda a fatalidade experimentada, ela estava viva e
a tempestade já havia passado e ela, Cristianne, tem toda uma vida
pela frente...
Na semana seguinte, Cristianne retorna à consulta e relata dois
momentos de situações limites que normalmente a levariam ao estresse
anterior conhecido, conta ser invadida por pensamentos apaziguadores
lembrando-lhe de não haver mais necessidade de se desesperar. Tudo
estava certo.
Durante o reprocessamento em EMDR, ocorrem inúmeras situações de
percepção inusitadas. É indescritível a riqueza de detalhes
envolvidos na reformulação de situações encapsuladas muitas vezes
existentes, onde sequer imaginamos suas extensões e como e quais
maneiras poderiam afetar nossas vidas, nossas condutas e nossos
humores. Poder nos habilitar e rumar com liberdade sem sermos reféns
de aspectos obscuros torna nossas vidas muito mais vividas e
instigantes para nós mesmos.
Imaginem ao realizar procedimentos em EMDR ou Brainspotting o nosso
Eu atual simultaneamente assiste e participa da liberação de
situações mal resolvidas.
Nas próximas oportunidades, com anuência de outros pacientes do meu
consultório, contarei um caso surpreendente de uma situação de
impulsividade em comer conteúdos de latas de leite condensado -
resolução e acesso aparentemente de cunho espiritual. Você decidirá
se, de fato, trata-se de obsessão espiritual desfeita pela própria
paciente com a ajuda do EMDR ou se foi apenas um caso simbólico
emocional plenamente resolvido (depois de mais de 20 anos sem
resolução convencional) ou talvez, se a resolução se passou por
esses dois tipos de entendimentos...
Silvia Malamud é Psicóloga e atua em seu consultório em São Paulo.
Tel. (11) 9938.3142 - deixar recado. Autora do Livro: Projeto
Secreto Universos. Email: silvimak@gmail.com