Você é um dependente afetivo?
Por Sirley Bittú
19/08/2002
Há pessoas que se arrepiam só com a possibilidade de ficar
dependente de alguém ou alguma coisa, passam a vida lutando contra
isso, e algumas vezes tornam-se onipotentes, distantes e sós. E há
pessoas que tremem apenas com a idéia de dependerem principalmente
de si mesmo; confundem individualidade com solidão, abandono e
rejeição. São as duas faces da mesma moeda, os primeiros temem se
envolver e perder a sua individualidade e o outro extremo teme
té-la. Na verdade ambos acreditam que a autonomia e a capacidade de
cuidar de si, tomar as próprias decisões, fazer escolhas, está fora
de seu controle, ou melhor, fora de si.
A DEPENDÊNCIA AFETIVA é um estado de imaturidade que faz parte do
processo natural de desenvolvimento humano, ou seja, nascemos
totalmente dependentes, tanto fisicamente como afetivamente. Com
nossas vivências e experiências vamos evoluindo de forma gradativa
buscando nossa independência emocional.
Algumas vezes temos clareza de nossas dificuldades, então nos resta
pelo menos duas saídas: enfrentá-las e superá-las ou como costumo
dizer... dar a volta no quarteirão... mas, nem sempre a dependência
afetiva é consciente.
Uma pessoa é dependente afetivamente quando sua autonomia está
prejudicada, ela precisa de algo ou alguém para sentir-se segura e
tranqüila, nas mais diferentes decisões em sua vida, desde as mais
simples como decidir que roupa vai usar por exemplo, ou até as mais
difíceis, como que profissão escolher... se muda de emprego ou
não... se continua namorando ou não, se casa ou não... enfim,
inúmeras situações onde está implícita a escolha.
Você que está lendo, deve estar se perguntando: ...mas, todos nós
não gostamos de uma opniáozinha às vezes? Sim é verdade, pedir a
opinião de alguém sobre algo não o torna dependente afetivo. A
diferença está quando você depende realmente dessa opnião e não
consegue seguir o seu desejo se ele não for aprovado se não houver o
aval de alguém.
O objeto de dependência entra na vida da pessoa como uma muleta,
ocupa um espaço vazio. A dependência pode ser de uma pessoa
específica, uma droga, uma atitude de carinho, uma palavra amiga, ou
mesmo de alguém que lhe possa ouvir ou dizer o que deve fazer.
Na verdade essas pessoas ou objetos tem uma única função para o
dependente afetivo, dar a sensação de segurança que precisa para
suportar problemas, tensões e dificuldades pessoais e/ou sociais. A
questão é que a segurança não está nas relações que fazemos, não é
algo que vem de fora é algo que existe ou não dentro de nós. Nossa
segurança e auto-estima são os reguladores de nossa maturidade
emocional.
Jacob Levy Moreno, quando criou o Psicodrama partia do princípio que
o ser humano é um ser social, influencia e é influenciado todo o
tempo. No Psicodrama dizemos que toda a saúde e doença emocional
nasce nas relações, ou seja são aprendidas durante o desenvolvimento
através dos modelos que recebemos primeiramente por nossa família de
origem e secundariamente através das demais relações que vivenciamos
durante a vida. Nos primeiros anos de vida necessitamos da
confirmação de nossas atitudes, da certeza de que nosso
comportamento está sendo aceito pelas pessoas que amamos. Com o
nosso desenvolvimento emocional, passamos a desejar e não mais
necessitar dessa aprovação. Aprendemos a nos relacionar com o mundo
pelas regras que recebemos em nossa família. A criança é espontânea
e criativa por natureza, ninguém nasce culpado em ser espontâneo. A
dependência afetiva muitas vezes nasce e é sustentada por problemas
no relacionamento familiar, pelos conflitos pessoais, pela sensação
de rejeição e de não ser aceito.
Certa vez recebi em meu consultório uma jovem de 22 anos, vou
chama-la aqui de Joana. Joana veio para psicoterapia porque tinha
muitas dificuldades afetivas, era brilhante aluna, fazia faculdade e
tinha ótimas notas, mas tinha dificuldade de arrumar namorado, era
introvertida, sentia-se feia e sem graça. Joana tinha uma grande
amiga de quem falava muito. Estava sempre contando como sua amiga se
saía bem com os rapazes e tinha várias paqueras, mas em compensação
tinha péssimas notas, dependia de suas colas para passar de
semestre. Durante o processo terapêutico Joana percebeu que cada uma
desempenhava um papel na relação, ou seja, uma cuidava dos estudos e
a outra arrumava amigos e namorados, funcionavam como se fossem uma
única pessoa.
Apesar de nunca ter percebido até então esse trato, era difícil
vencé-lo, mesmo porque Joana não acreditava que pudesse ser alguém
interessante, ou mesmo algum dia se sentir bonita. Nesse exemplo,
Joana tinha dois caminhos possíveis: o primeiro era continuar nessa
relação de dependência onde uma supostamente supria a necessidade da
outra, ou escolher o segundo caminho, o mais trabalhoso e também o
mais saudável: perceber e enfrentar seus limites e suas próprias
dificuldades, para poder superá-los.
Na verdade ninguém é dependente sozinho, DEPENDÊNCIA AFETIVA é uma
via de mão dupla, se uma criança é dependente afetivamente, a mãe
com certeza também o é, pois neste caso, a mãe é quem a estimula e
acredita em seu potencial ajudando-a a ter a certeza que conseguirá
superar suas dificuldades. Dessa relação, nasce a auto-estima e a
sensação de segurança pessoal. Todo o ser humano nasce com uma
capacidade de cuidar de si, um potencial que precisa ser estimulado
e se não recebe este estímulo torna-se dependente. Na prática acabam
por não confiarem em si mesmas e em seu valor pessoal, deixam de
oferecer o seu melhor na vida, no trabalho e em seus
relacionamentos.
Para pais e/ou educadores: exercitem o respeito às características
genuínas de cada criança, respeitando sua natureza espontânea e sua
criatividade. É importante aprender que dar limite é prova de amor e
é diferente de reprovação. Dar parâmetros é dar condição para a
criança desenvolver responsabilidade e aprender a superar as
frustrações.
Não podemos perder de vista o humano que existe em nós, somos
criatura e criadores capazes e genuinamente, imperfeitos.
Sirley Bittú é Psicóloga Especialista Clínica pelo Conselho Federal
de Psicologia
Psicodramatista Didata Supervisora
Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute/EUA
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Email: sirley.regina@terra.com.br